terça-feira, 27 de setembro de 2022

SÃO VICENTE DE PAULO coluna da Igreja e do Estado

Amparou pobres e nobres empobrecidos, foi conselheiro de soberanos, defendeu a Igreja contra as heresias da época. 
— Quanto tens em caixa? 
—O necessário para alimentar a comunidade durante um dia. 
— Isto quer dizer quanto? 
— Cinquenta escudos. 
— Ah, bem! Dê-me, pois estou precisando. 
E lá se foram os cinquenta últimos escudos, para os nobres da Lorena. O elitista francês que desta maneira raspou a caixa da Instituição para dar o dinheiro aos nobres empobrecidos da Lorena, nasceu em Dax, próximo da Espanha, em 24 de abril de 1581. Sabe-se que São Vicente de Paulo era de família humilde, e que trilhou descalço os caminhos, cuidando dos seus animais. Sua infância é praticamente desconhecida. Ordenado sacerdote com 19 anos, desempenhou um papel importantíssimo na história da Igreja na França. Em 1610, a Rainha Margarida de Valois, cuja piedade se igualava ao mundanismo, aceitou-o entre seus conselheiros e capelães esmoleres. Nessa época fez o propósito de dedicar o resto da vida aos necessitados, entretendo seu amor ao próximo no Coração de Jesus Cristo e em uma profunda devoção a Nossa Senhora, que honrava de mil maneiras por numerosas preces e peregrinações. Em 1615 foi atingido por uma doença que afectou seus joelhos até o final da vida. Filipe Emanuel de Gondi, tenente-general do Rei nos mares do Levante, o teve como preceptor do primogénito. A esposa, Françoise-Margherite de Silly, era mulher virtuosa, cujos escrúpulos faziam sofrer o confessor tanto ou mais do que a ela própria. Quando o zeloso sacerdote se deslocava pelas numerosas terras do General Filipe de Gondi, dava assistência às suas populações e às da vizinhança, trocando a magnificência dos salões pela rudeza dos campos. Nelas instituía, invariavelmente, a Confraria da Caridade. Enquanto esteve nessa família, tomou o hábito de ver no General a Nosso Senhor, e em sua esposa Nossa Senhora. O que não o impedia de dar-lhes caritativos conselhos.
Sustentáculo da Igreja 
Serviu o Santo durante um ano na paróquia de Châtillon. Ao sair, um ano mais arde, deixou-a enlutada, o que, aliás, ocorreu em todas as paróquias em que esteve. Todos queriam uma lembrança sua, tendo seu chapéu sido arduamente disputado; deixou para os paroquianos suas roupas. Só os heréticos ficaram contentes, dizendo que os habitantes de Châtillon haviam perdido o sustentáculo e a melhor pedra da Religião católica. Em 1933, funda as Filhas da Caridade, constituída de mulheres unidas por votos, mas sem serem religiosas. Mademoiselle le Gras, nascida Luíza de Marillac, foi a primeira. Era o começo de uma obra que proporcionou socorro a milhões de necessitados pelo mundo inteiro. No ano seguinte, nascia a instituição Damas da Caridade, em Paris. Em poucos meses tinha mais de cem membros, quase todos portando grandes nomes, como a Princesa Luíza-Maria de Gonzaga (depois Rainha da Polónia), a Princesa de Condé, as duquesas de Nemours, d'Aiguillon, de Ventadour, de Verneuil, etc. São Vicente vivia entre nobres, entre pobres e entre santos. Conheceu Santa Luíza de Marillac como esposa do secretário das Ordens da Rainha regente, Maria de Médicis. São Francisco de Sales, segundo ele, era o homem que melhor espelhava o Filho de Deus vivendo sobre a Terra. 
Reformador do clero 
Poderia parecer que a preocupação com os pobres absorvia todo o seu tempo, mas São Vicente trabalhava também para reformar a Igreja na França. "A Igreja — dizia ele — vai à ruína em muitos lugares por causa da má vida dos padres; são eles que a perdem e a destruem". Os resultados dos retiros espirituais para os novos sacerdotes foram fundamentais para reconduzir a classe sacerdotal ao lugar que merece na sociedade. Os mosteiros também receberam seu valioso auxílio, pois era amigo, ajudante e conselheiro de reformadores de ordens monásticas. Não havia, praticamente, reunião sobre assuntos de piedade a que não estivesse presente. Mesmo altos personagens — Núncios, Bispos, Magistrados — vinham lhe submeter suas dúvidas. Nomeado membro do Conselho de Consciência de Luís XIII, contribuiu decisivamente para a reforma do Episcopado, sendo sempre consultado pelo Rei nas indicações. Após a escolha, conversava com o eleito sobre seus deveres e não o perdia de vista: continuava seu guia e advogado. Não foi somente reformador, mas um inovador e um criador, instituindo ousadamente as Irmãs de Caridade, sem véu, para actuar entre os doentes e mesmo entre os soldados; e também os missionários, que não são religiosos mas têm votos. 
Protector dos nobres empobrecidos 
A maior parte dos nobres da Lorena havia emigrado, para não morrer de fome; sua miséria era a pior, porque não ousavam estender a mão. Ninguém os socorria, porque não eram vistos como necessitados. São Vicente tomou conhecimento dessa situação, e os socorreu. Comentou que sentia muito contentamento nisso, porque era de justiça assistir e aliviar aquela pobre nobreza, para honrar Nosso Senhor, que era muito nobre e muito pobre ao mesmo tempo. Chegou a dar-lhes o dinheiro que havia recebido para a compra de um novo cavalo, porque o seu morria de velho. Seguindo esse belo exemplo, essa nobreza fez o mesmo, durante mais de 20 anos, com os nobres que fugiram da Inglaterra e da Escócia, perseguidos por Cromwell. 
Escravo da verdade 
Com a morte de Luís XIII, em 1643, voltou ao Conselho de Consciência a pedido da Rainha regente, Ana de Áustria. Pode-se dizer que a Igreja da França saiu regenerada e rejuvenescida, pois ele não negligenciou nada para salvaguardar ou restaurar o dogma, a moral e a disciplina. É lícito afirmar que nada de importante foi feito contra o jansenismo e outras heresias na França sem sua intervenção. Os ataques violentos, sobretudo depois de sua morte, e os obstáculos que colocaram no processo de sua canonização, demonstram como foram profundas as feridas que receberam os hereges. Dispensado do Conselho, pois Mazarino não simpatizava com São Vicente, dedicou-se ele especialmente a defender sua obra contra as influências jansenistas, e o fez com extremo sucesso. Os poucos que perdeu eram doentes. Para ele, bastava que a Igreja tivesse falado. Apoiado sobre essa autoridade, dizia: "Eu tenho a verdade. Para que procurar?". A fé penetrava-o por inteiro. Tudo nele indicava um amor intenso a Deus: o calor com que falava da majestade e da santidade d'Ele, seu fervor durante os exercícios de piedade e até, suas genuflexões, bem como sua atitude diante do Santíssimo Sacramento. 
Perfeito homem de acção 
Ninguém serviu o Rei com mais fidelidade, e a Hierarquia eclesiástica com mais respeito, do que o simples Pe. Vicente. Possuía todas as qualidades que caracterizam um homem de acção: iniciativa, ousadia, génio organizativo, prudência, bom senso, desinteresse, paciência e obstinação. Seu espírito prático e minucioso pesava bem os prós e os contras, tanto em seu conjunto como nos detalhes. Quando entrava por uma via, não parava, não olhava para trás; não destruía num dia o que havia construído na véspera; nada o fazia recuar. Incansável, vemo-lo limpar o Mediterrâneo dos piratas que o infestavam e multiplicar as negociações para realizar uma expedição afim de bombardear Argel. 
Temperamento ordenado pela virtude 
Sua mortificação igualava a piedade. Mostrava-se agradecido por qualquer mínimo favor: uma vela que se acendia, um livro que se lhe dava, uma porta que se lhe abria recebia de sua parte um agradecimento. E com tanta graça o fazia, que as pessoas procuravam o menor pretexto para servi-lo. Seu temperamento naturalmente bilioso e melancólico havia cedido lugar à bondade, que lembrava o doce São Francisco de Sales. Faleceu no dia 27 de setembro de 1660. Em 1737, 27 cardeais, centenas de Prelados, o Rei da Inglaterra, embaixadores e a nobreza romana assistiram à solene canonização de São Vicente de Paulo, no pontificado de Clemente XII. 
Roberto Alves Leite 
Fonte de referência: Pierre Coste, Padre da Missão -- Monsieur Vincent, le grand saint du grand siècle -- Desclée de Brouwer et Cie., Paris, 1932.

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