Bouquet espiritual: «Procurai entrar pela porta estreita; porque, digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão.» (Lc 13, 24)
Estes santos habitavam uma região central da África chamada Uganda. Ninguém ali jamais havia pronunciado o Nome de Deus, e o mal reinava através da escravidão, das feitiçarias e do canibalismo. Um dia, dois sacerdotes cristãos, Pe. Lourdel e Pe. Livinhac, lá desembarcaram. Apresentaram-se ao rei Mutesa, que acolheu-os pacificamente e concedeu-lhes o direito de ali permanecerem.
Os devotados missionários faziam-se tudo para todos, prestando-lhes todos os serviços possíveis. Apenas sete meses após o início do catecumenato, eles designaram algumas pessoas que consideravam já preparadas para receberem o batismo. O rei Mutesa se interessava pelo que os sacerdotes pregavam, mas logo suas pregações acenderam a cólera dos feiticeiros locais - por inveja – e dos árabes, que comercializavam os negros escravizados.
Pressentindo a perseguição, os Pes. Lourdel e Livignac batizaram os nativos já preparados e se retiraram para o Sul do Lago Vitória com alguns jovens negros libertos. Como a varíola dizimava a população desta região, os missionários batizaram um grande número de crianças que estavam à beira da morte.
Após três anos de exílio, o rei Mutesa morreu. Seu filho, Mwanga, favorável à nova religião, chamou de volta os “Padres brancos” ao país. Em 12 de julho de 1885, a população ugandesa, que não havia esquecido nenhum dos inúmeros benefícios realizados pelos missionários, acolheu-os triunfalmente. Os nativos, que haviam sido batizados antes de partir, já haviam batizado outros. O apostolado mostrava-se florescente. O ministro do novo rei ofendeu-se com o sucesso dos cristãos, sobretudo de um dos principais chefes, Joseph Mukasa, que combatia sua imoralidade.
Amigo e confidente do rei, superiormente dotado, ele poderia tornar-se o segundo homem em importância do reino, mas sua única ambição era a de cumprir os ensinamentos de Cristo. O ministro persuadiu o jovem rei de que os cristãos queriam tomar o seu trono; os feiticeiros insistiam para que os pretensos conspiradores fossem prontamente punidos com a morte. Mwanga cedeu a essas falsas acusações e mandou queimar Joseph Mukasa em 15 de novembro de 1885.
«Quando tiver matado aquele lá», disse o rei, «todos os outros ficarão com medo e abandonarão a religião dos Padres.» Contrariando essas previsões, as conversões não pararam de se multiplicar. Na noite seguinte ao martírio de Joseph, doze catecúmenos pediram a graça do batismo. Cento e cinco outros catecúmenos foram batizados na semana que se seguiu à morte de Joseph, dentre os quais estavam onze dos futuros mártires.
Em 25 de maio de 1886, seis meses após a terrível morte de Joseph, ao retornar da caça, o rei mandou chamar um de seus pajens chamado Denis, de quatorze anos. Interrogando-o, Mwanga ficou sabendo que ele estudava o catecismo com Muwafu, um jovem batizado. Repleto de raiva, matou o rapaz com sua lança envenenada. Os carrascos concluíram o serviço no dia seguinte pela manhã, 26 de maio, dia em que o déspota declarou oficialmente a perseguição aberta aos cristãos.
No mesmo dia, Mwanga mandou torturar e mutilar o jovem Honorat e prendeu ferros ao pescoço de um neófito chamado Jacques, que outrora havia tentado convertê-lo à fé cristã. Em seguida, mandou reunir os pajens cristãos e mandou que os levassem para que fossem queimados vivos na fogueira de Namugongo. Jacques morreu nessa fogueira, em companhia de outros mártires, em 3 de junho de 1886, festa da Ascensão.
“Amarraram os jovens entre 18 e 25 anos”, escreveu o Pe. Lourdel; “as crianças eram igualmente amarradas, e tão apertadas umas junto às outras que não podiam caminhar sem se esbarrar. Vi o pequeno Kizito rir desses encontrões como se brincasse com seus companheiros.” Eram ao todo quinze católicos. Três seriam agraciados no último minuto. Conta-se oficialmente vinte e dois mártires católicos canonizados, cujos martírios ocorreram entre os anos de 1885 e 1887.
O grupo de condenados marchava para o lugar do suplício quando encontraram um nativo chamado Pontien. “Você sabe rezar?”, perguntou o carrasco que, diante da resposta afirmativa de Pontien, cortou-lhe a cabeça com a lança. Era o dia 26 de maio de 1886. Ao cair da noite, os mártires foram imobilizados. O filho do carrasco, que se encontrava entre as vítimas, foi conduzido à força para casa. Após uma longa e extenuante caminhada, repleta de maus tratos, os cativos chegaram, em 27 de maio, a Namugongo. Cerca de cem carrascos organizaram os prisioneiros em grupos.
Os cruéis carrascos trabalharam até o dia 3 de junho a fim de juntar toda a madeira necessária para alimentar a fogueira. Os prisioneiros tiveram então que esperar seis longos dias de privações e sofrimentos, noites de frio e insônia, mas também de orações ainda mais ardentes, antes que a morte viesse coroar seu heróico combate. O martelar frenético dos tan-tans que se faziam ouvir durante toda a noite do dia 2 de junho indicava aos mártires, que definhavam amarrados em suas celas, que o imenso braseiro de seu supremo holocausto logo seria aceso.
Charles Lwanga, magnífico atleta de um vigor pouco comum, a quem o rei havia confiado um grupo de pajens – aos quais ele havia ensinado secretamente o catecismo – foi separado de seus companheiros, a fim de ser queimado à parte, de um modo particularmente atroz. O carrasco acendeu a fogueira de modo a queimar somente os pés de sua vítima. “Tu me queimas”, disse Charles, “mas é como se tu derramasses água para me lavar!” Quando as chamas atacaram a região do coração, antes de morrer, Charles murmurou: “Meu Deus! Meu Deus!”
Como o grupo dos mártires avançava para a fogueira, ouviu-se um grito de triunfo: Nwaga, o filho do chefe dos carrascos, conseguira fugir de casa para, também ele, se lançar ao martírio. Saltava de alegria por se encontrar na companhia de seus amigos. Primeiro, bateram-no com um cetro; depois, foi enrolado com os outros em varas de cana para tornarem-se, num instante, presas das chamas.
Após queimar-lhes os pés, eles receberam a promessa de uma libertação imediata se renunciassem à oração. Mas esses heróis não temiam a morte de seus corpos e, diante de sua recusa categórica em cometer apostasia, começaram a acender a fogueira. Sobre o crepitar do braseiro e os clamores dos carrascos sanguinários, a oração dos santos mártires se elevava calma, ardente e serena: “Pai Nosso, que estais nos Céus...” Perceberam que eles estavam mortos quando pararam de orar.
O último dos mártires chamava-se Jean-Marie. Obrigado a se esconder durante um longo tempo, cansado de sua vida errante, ele desejou ardentemente morrer por sua fé. Apesar dos conselhos de seus amigos, que tentavam dissuadi-lo deste projeto, Jean-Marie resolveu apresentar-se ao rei Mwanga. Ninguém mais o viu, pois em 27 de janeiro de 1887, o rei mandou decapitá-lo e lançá-lo numa lagoa.
A devoção popular aos mártires de Uganda tornou-se universal após São Pio X proclamá-los Veneráveis, em 16 de agosto de 1912. A beatificação ocorreu em 6 de junho de 1920, e receberam a honra da canonização em 18 de outubro de 1964.
Extraído de Marteau de Langle de Cary, 1959, tomo II, pg. 305-308 – África Viva (Vivante Afrique), No 234 - Bimestral - Set-Out/1964.
Tradução e Adaptação:
Gisèle Pimentel
Nenhum comentário:
Postar um comentário