A
comunidade cristã, como lemos no evangelho de Mateus, passava por muitas
dificuldades para viver sua fé nova no mundo em que vivia. Um dos problemas era
a aceitação dos pagãos à fé cristã. A mulher cananéia é símbolo dessa situação.
Carrega diversas maldições sobre si: Ser mulher. Para os antigos, este era um
mal necessário. Em segundo lugar, é descendente de Cam, o filho amaldiçoado por
Noé. Os cristãos se perguntavam se poderiam os pagãos ser cristãos. Mateus quer
responder à comunidade com o fato apresentado. Naquele momento Jesus está fora
do território de Israel (Tiro e Sidon, hoje território libanês). A mulher grita
uma oração: “Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim! Minha filha está
cruelmente atormentada por um demônio!” (Mt 15,22). Suplica e chama Jesus de
Senhor, nome dado a Deus. Chama-o de Filho de Davi, o Messias prometido. Ela clama:
“Tem piedade de mim!” É a oração dos salmos. Mesmo sendo pagã, faz uma prece
perfeita. Os discípulos não perceberam a intensidade de sua fé e pedem que
Jesus enxote a incômoda. Jesus diz ainda que veio só para os filhos de Israel.
A mulher insiste: Pior ainda: Jesus diz uma palavra que para nós é horrível,
mas era o vocabulário religioso: “não fica bem tirar o pão dos filhos para
jogá-lo aos cães”. Está reafirmando a situação em que a mulher se encontra
dentro do quadro social. No seu sofrimento supera o possível ressentimento e
diz: “Os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”
(27). É um retrato triste: a exclusão. É um mal que ainda existe.
Mulher, grande
é tua fé!
No
acontecimento podemos ver que havia uma tendência, na comunidade, de se
fechar aos pagãos continuando a
mentalidade dos judeus. Paulo rejeita a posição dos que queriam impor a lei
judaica aos pagãos convertidos. É o que se faz hoje em tantos ambientes de
Igreja e de outras concepções cristãs, impondo-se regras inúteis,
discriminatórias, como sendo até divinas. A discriminação, hoje, atinge
sobretudo aos mais pobres, esses aos quais a vida jogou em tantas dificuldades
como vida irregular. Jesus, ao final desta novela, entra como o Redentor de
todos, como Reino de todos. Reconheceu a fé da mulher. “Grande é tua fé! Seja
feito como queres! E a menina ficou curada” (28). Em outro lugar vamos ouvir de
Jesus as palavras: “Não vi tanta fé em Israel”. Mateus ensina que fora do povo
judeu pode haver uma grande fé. É o que notamos: mesmo em situações difíceis,
podemos encontrar profunda vida de fé, até fora da Igreja.
Casa de oração
para todos os povos
A
mulher cananéia é figura também de tantos povos que buscam Deus de modo
sincero. A mulher traz um profundo anseio: O Reino é para todos! Jesus
reconhece a fé, não impõe regras inúteis, pois sua casa, como escreve Isaías,
“é casa de oração para todos os povos”. O profeta escreveu essas palavras
superando o exclusivismo de Israel que se pensava como o único para Deus. A Igreja
também tem de se abrir, despojar-se, ter abertura, menos regras e abrir-se ao
grito da humanidade. Há muito descaso e pouca evangelização. É preciso, como
Jesus, sair do território e ir buscar onde há tanto grito de dor sufocado.
Vamos olhar com amor para aqueles que sofrem.
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