São muitas as mães de família que alcançaram a santidade, desde as Santas Mártires Perpétua e Felicidade, até Santa Giana Beretta Mora, passando por Santa Mônica, Santa Francisca Romana, Santa Zélia Guerin e tantas outras. Mas, até nossos dias nenhuma mãe de família nascida na América Latina havia alcançado o reconhecimento dos altares.
Josefa Saturnina Garcia Rodriguez de Zavalía, ou Madre Catarina de Maria, viúva e fundadora de ordem religiosa, nascida em terras latino-americanas, é a 1ª mulher nestas condições a ser beatificada, além de ter sido “mãe de coração” de duas crianças.
Antes de fundar as Irmãs Escravas do Coração de Jesus, e de ela mesma se consagrar na vida religiosa, contraiu matrimônio e assumiu a maternidade dos filhos de seu esposo, que havia enviuvado de casamento anterior.
Princípios do século XIX. Catarina viveu nesse tempo, nasceu em Córdoba, Argentina, no dia 27 de novembro de 1823, terceira filha de Hilário Rodriguez Orduña e Catarina Montenegro y Olmos. Sua família teve grande protagonismo político, social e religioso. Foi batizada na Catedral de Córdoba no mesmo dia de seu nascimento. Pouco depois do nascimento da última filha, a Sra. Catarina morreu com apenas 23 anos.
O pai, não desejando casar-se novamente, entregou as filhas a uma tia, Teresa Orduña, viúva Del Signo, de 66 anos. Esta senhora tinha acolhido em sua casa uma jovem, Eustaquia, a qual passou a cuidar das órfãs, que a chamavam “mãezinha”. Após a morte de Teresa, a sua família se juntou à de três outras irmãs suas: Inácia, Luísa e Catarina Orduña.
Saturnina, como era chamada, cresceu em um ambiente profundamente religioso, marcado por devoções como o Natal e o Nome de Maria. Suas tias e a “mãezinha” Eustaquia, também se dedicavam a obra dos Exercícios Espirituais, que havia sofrido com a expulsão dos jesuítas do território sul-americano por ordem do Rei Carlos III da Espanha em 1767.
Sua formação religiosa foi muito boa, mas a cultural não tanto. Segundo o uso da época, as filhas de famílias aristocráticas recebiam a educação rudimentar das mulheres da época: ler e escrever as primeiras letras e as destrezas na culinária e nos afazeres domésticos para ser uma boa dona-de-casa.
Não sabemos quando ela recebeu a 1ª. Comunhão e a Crisma, mas o fato mais importante da sua vida de católica ocorreu em sua adolescência, graças ao retorno dos jesuítas à Córdoba em 1838. Sua vocação despertou quando aos 17 anos fez seus primeiros Exercícios Espirituais, pregados pelo Padre Fermin Moreno na casa mandada construir para esta finalidade na sua cidade. Para ela foi uma experiência perturbadora, se sentiu como Moises, maravilhada que Deus pudesse falar com ela e descobriu sua vocação de consagrar sua vida a Deus.
Saturnina, porém não pode cumprir com sua vocação porque na Argentina de então, e seus arredores, só havia conventos de clausura, e não existia naquele momento a opção de vida religiosa apostólica para as mulheres. Ela se dedicou então a promover e sustentar a obra dos Exercícios Espirituais. Continuou a frequentar os jesuítas para receber direção espiritual, até que eles fossem novamente expulsos por causa de desentendimentos com o governador da província de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas.
Aos 29 anos, após muita relutância e premida por seu confessor, Padre Tibúrcio Lopes, capelão da Igreja de Na. Sra. do Pilar, que procurou convencê-la a se casar, obedece, mas sente aquela opção contrária aos desejos de sua alma. O casamento com o Coronel Manuel Antonio de Zavalía, viúvo, pai de dois filhos, foi celebrado no dia 13 de agosto de 1852. Com o tempo ela aceitou a sua nova condição como parte da vontade de Deus. Chegou a engravidar, mas a menina morreu ao nascer. Acompanhava seu esposo durante seus périplos militares e políticos com amabilidade e carinho. Nos treze anos que durou seu casamento foi modelo de esposa e mãe. Depois do falecimento do Coronel Zavalía, em 1865, conservou com seus filhos do coração, Benito e Deidamia, uma relação afetuosa e próxima.
Em 15 de setembro de 1865, quando ia rezar no Mosteiro das Dominicanas, ela teve uma intuição, reforçada por uma visão: deveria fundar uma comunidade feminina que com o mesmo espírito dos jesuítas se dedicasse a difusão dos exercícios espirituais e à educação das crianças, mas também das jovens. Aquele pensamento nunca mais a abandonou.
Poucos meses após enviuvar, seu “sonho dourado” voltou ao seu pensamento. Sempre tivera um forte compromisso apostólico. Desde jovem estava convencida da importância dos exercícios espirituais, os promovia e auxiliava, e advogou o retorno dos jesuítas, após a sua expulsão de Córdoba em 1848, usando seus importantes vínculos familiares, pois era prima do presidente da Argentina, Santiago Derqui. Ela admirava os jesuítas e queria ser uma com eles, porém a Companhia de Jesus não tem ramo feminino.
Seu sonho dourado não nasceu sem sofrimentos e tribulações. Finalmente, em 29 de setembro de 1872, o Pe. David Luque inaugurou a primeira sede da comunidade, em uma casa alugada. Era formada de Catarina e outras 4 companheiras. Em 17 de outubro ele distribuiu os encargos entre elas, Catarina foi nomeada sacristã. Em abril do ano seguinte a comunidade se mudou, já eram nove, e ela foi eleita superiora. Na ocasião, ela e as companheiras começaram a vestir um hábito sobre o qual era aplicada uma imagem do Coração de Jesus e o nome da comunidade: Escravas do Coração de Jesus. Assim, era fundada em Córdoba o Instituto das Irmãs Escravas do Sagrado Coração de Jesus (Escravas Argentinas), dedicado à educação e promoção da mulher e atenção às casas de exercícios espirituais. Foi a 1ª congregação feminina de vida apostólica da Argentina.
Saturnina e as Irmãs começaram seu trabalho: no domingo ensinavam o catecismo às crianças, enquanto as pessoas assistiam à Missa em sua capela. Acolheram também alguns alunos internos gratuitamente devido sua pobreza. Quando o sacerdote Juan Martin Yaniz, depois 1º bispo de Santiago del Estero, ofereceu à comunidade a casa dos exercícios da qual se ocupava, ampliada e com os meios necessários para garantir sua subsistência, ocorreu um novo translado. Esta casa chegou a hospedar mais de 400 pessoas que faziam o curso. Saturnina, já considerada a fundadora da comunidade, era a primeira nos serviços mais humildes.
Em março de 1875, as Irmãs de transferiram para a Casa Mãe. Em 8 de dezembro de 1875, o primeiro noviciado foi inaugurado e as primeiras dez Irmãs fizeram os votos religiosos. Foi então que ela passou a ser chamada Madre Catarina de Maria: o seu “sonho dourado” se tornava uma realidade.
Em 1877, convidada pelo Pe. José Gabriel Brochero, o “Cura Brochero” (canonizado em 2016), se instalou em Villa del Tránsito (Córdoba), e ambos tiveram uma fecunda missão na Igreja em fins do século XIX, sobretudo na evangelização das serras cordobesas e na difusão dos exercícios espirituais.
O Santo Cura Brochero chegou a expressar em diversas cartas a Madre Catarina quanto afeto lhe dedicava e quanta confiança depositava nas Escravas para o atendimento da Casa de Exercícios e do Colégio para meninas.
Após a comunidade de Villa del Transito, floresceu a comunidade de Santiago del Estero. Depois vieram as de Rivadavia, San Juan, Tucumán. A alegria da abertura das nove casas foi acompanhada, porém, da tristeza pela morte de Pe. Luque, em 11 de agosto de 1892. No ano seguinte, voltando de uma peregrinação a Roma pelo 50º ano de ordenação episcopal de Leão XIII, Madre Catarina recebeu o convite do Mons. Federico Aneiros, Arcebispo de Buenos Aires, para fundar uma casa ali. Houve muita oposição de homens e mulheres de uma posição elevada na sociedade, que não suportavam a chegada de uma congregação “provinciana”, mas finalmente a escola foi inaugurada.
Madre Catarina sempre desejou que suas filhas espirituais adquirissem sólidas virtudes e procurassem corrigir os menores defeitos, como ela mesma havia sempre feito. A uma Irmã que sofria por causa de uma contrariedade, escrevia em 15 de janeiro de 1880: “Seria uma vergonha que uma esposa de Cristo se apegasse às coisas vis do mundo, depois de ser confiada e escravizada ao Sagrado Coração de Jesus. Nunca deixe isso acontecer conosco como com as virgens tolas, que não tinham óleo quando o noivo chegou”.
A morte
Durante a Semana Santa de 1896 a saúde da Madre Catarina decaiu. Após as funções da Quinta-feira Santa, o Pe. Juan Cherta, superior dos jesuítas de Córdoba e diretor eclesiástico das Escravas do Coração de Jesus, veio até ela e ouviu sua confissão. A fundadora permaneceu lúcida e serena mesmo naqueles últimos momentos. Preocupava-se com os médicos que a serviam, fazendo servir café para eles e recompensando-os com escudos do Sagrado Coração (selados com a imagem do Coração de Jesus e a frase "Pare! O Coração de Jesus está comigo!").
No dia 4 de abril, Sábado Santo, ela recebeu os últimos sacramentos e deixou seu testamento espiritual para as Irmãs: "Recomendo-vos a paz, a obediência e a santa caridade". Finalmente, no domingo de Páscoa, ela ordenou que o chocolate fosse distribuído para as Irmãs, pois elas tinham que estar felizes, já que era grande aquela solenidade. Ela então morreu às 8 da noite de 5 de abril de 1896. Seus restos mortais foram enterrados no coro da capela da Casa Mãe das Escravas do Coração de Jesus.
A fama da santidade de Madre Catarina se espalhou por todos os lugares onde as Escravas do Coração de Jesus tinham escolas e comunidades. A partir de 1931 iniciou-se a causa de beatificação, com a organização de uma comissão especial.
Madre Catarina foi declarada venerável em 17 de dezembro de 1997 pelo Papa João Paulo II e, em 4 de maio de 2017, Papa Francisco autorizou a promulgação do decreto reconhecendo um milagre obtido de Deus pela intercessão de Madre Catarina. Em 25 de novembro de 2017 foi beatificada em Córdoba pelo Prefeito da Congregação da Causa dos Santos, o Cardeal Angelo Amato, como delegado do Santo Padre. O decreto de beatificação dispôs que sua festa seja o dia 27 de novembro de cada ano, coincidindo com a data de seu nascimento.
As Irmãs Escravas do Coração de Jesus de Córdoba, também conhecidas como "Escravas Argentinas", obtiveram o primeiro reconhecimento pontifício com o Breve Laudatório de 31 de julho de 1892; cinco anos depois, em 1907, chegou a aprovação final.
Quando Madre Catarina faleceu, cerca de 200 escravas haviam seguido seu caminho de consagração para a evangelização. Mais de cem anos depois, suas filhas estão presentes também no Chile, Espanha e Benin.
Os promotores da causa da Madre Catarina recebem muitos testemunhos de mães que não podiam conceber e receberam graças que atribuem à intercessão da Beata.
Para Irmã Silvia Samoré, das Escravas do Coração de Jesus, Madre Catarina “foi uma mulher que não fez coisas de homens, mas o que correspondia à mulher. Não competiu com os homens, buscou ser seu complemento. Por exemplo, o fato de ser como os jesuítas, mas em sua versão feminina, ou trabalhar ao lado do Santo Pe. Brochero. Creio que esta atitude fala muito. Como mulher levou ao homem proteção, sensibilidade, fortaleza e não notava quem a governava; ela caminhou atrás de seus sonhos e por eles quebrou paradigmas. Esteve longe de atuar movida por rebeldia; se deixou levar pela paixão ao Coração de Jesus e à humanidade”.
“Assim, Madre Catarina decidiu formar uma comunidade de senhoras a serviço das mulheres mais vulneráveis para catequiza-las, ensiná-las a trabalhar e a viver com elas “como os jesuítas, porém no feminino”.
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