«Depois de uns momentos de oração a implorar auxilio do Céu e a luz do Divino Espirito Santo, para poder fazer o que o meu Padre Espiritual me determinou, principio a descrever a minha vida, tal qual como Nosso Senhor ma for recordando, embora com grande sacrifício.Eu chamo-me Alexandrina Maria da Costa, nasci na freguesia de Balasar, concelho da Póvoa de Varzim, distrito do Porto, a 30 de Março de 1904, numa quarta-feira de trevas e fui baptizada, a 2 de Abril do mesmo ano, era então sábado de Aleluia. Serviram de padrinhos um tio de nome Joaquim da Costa e uma senhora de Gondifelos (Famalicão), de nome Alexandrina».
Logo a seguir nos fala da sua vivacidade de carácter, desde os primeiros anos :
«Era viva e tão viva, que até me chamavam Maria rapaz ; dominava as companheiras da minha idade e até as mais velhas que eu. Trepava às árvores, aos muros e até preferia estes para caminhar...Gostava muito de trabalhar : arrumava a casa, acarretava lenha e fazia outros serviços caseiros. Tinha gosto que o trabalho fosse bem feito e gostava de andar asseadinha».
Desta vivacidade nascia talvez o que ela chama suas «maldades».
«Encontro em mim, desde a mais tenra idade, tantos, tantos defeitos, tantas, tantas maldades que, como as de hoje, me fazem tremer».
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Afinal, que defeitos eram esses ? «Teimosices» de criança, como confessa. Sua irmã Deolinda escrevia-nos em 1934 que « durante este período (até aos seis anos de idade) manifestou sempre a sua qualidade principal, a bondade ». E acrescenta: «Foi sempre obediente».Em Janeiro de 1911, vai com a irmã Deolinda para a Póvoa de Varzim, a fim de frequentar a escola ; tinha então seis anos e meio. Aí mesmo, aos sete anos faz a sua primeira Comunhão, na igreja matriz :
«Foi o Sr. Padre Álvaro Matos — diz ela — quem me perguntou a doutrina, me confessou e me deu pela primeira vez a sagrada Comunhão. Como prémio recebi um lindo terço e uma estampinha. Quando comunguei estava de joelhos ; apesar de pequenina, fitei a sagrada Hóstia, que ia receber, de tal maneira que me ficou gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus, para nunca mais me separar d'Ele. Parece que me prendeu o coração. A alegria que eu sentia era inexplicável. A todos dava a boa nova. A encarregada da minha educação levava-me a comungar diariamente.»
«Foi em Vila do Conde, que recebi o sacramento da Confirmação, ministrado pelo Ex.mo e Rev .mo Sr. Bispo do Porto. Lembro-me bem desta cerimónia e recebi-o com toda a consolação. No momento em que fui crismada, não sei o que senti : pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me transformou e me uniu cada vez mais a Nosso Senhor. Sobre isto queria exprimir-me melhor, mas não sei».
Corridos dezoito meses, regressou a Balasar a viver com os seus e não fez, em toda a vida, mais nenhuns estudos, passando agora a dedicar-se aos trabalhos domésticos e do campo.
Aos nove anos fez a sua primeira confissão geral com Frei Manuel das Chagas.
«Fornos eu e a Deolinda e minha prima Olívia — escreve ela — a Gondifelos, onde Sua Rev.cia se encontrava e lá nos confessamos todas três. Levamos merenda e ficamos para a tarde à espera do sermão. Esperamos algumas horas e recordo-me que não saímos da Igreja para brincar. Tomamos o nosso lugar, junto do altar do Sagrado Coração de Jesus, e eu pus os meus soquinhos dentro das grades do altar .A pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita atenção todas as palavras de Sua Rev .cia, mas a certa altura, ele convidou-nos a ir ao inferno em espirito. Como não compreendesse o sentido das suas palavras... julgava que íamos todos ao inferno a ver o que por lá ia. Para mim mesma disse : «ao inferno é que eu não vou ! Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora». E tratei de pegar nos soquinhos. Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os soquinhos».
As mesmas notas autobiográficas revelam-nos, como já nesta tenra idade, desde os quatro anos, amava a oração, amor que foi crescendo sempre com o avançar da vida ; mas disto falaremos mais adiante, ao tratarmos da sua piedade.
«era muito amiga dos velhinhos, pobrezinhos e enfermos — afirma ela — e quando sabia que alguém não tinha roupinha para se cobrir, pedia-a à minha mãe e ia levar-lha, ficando por vezes a fazer-lhe companhia. Assisti à morte de alguns, rezando o que sabia e por fim, ajudava a vestir os defuntos, o que me custava imenso ; fazia-o por caridade ; não tinha coração para deixar sozinha a família dos mortos, e por serem pobrezinhos, fazia-o com muito gosto. Dava esmolas aos pobres e sentia grande alegria em fazer obras de caridade. Algumas vezes chorava com pena deles e por não lhes poder valer em todas as suas necessidades. A minha maior satisfação era dar-lhes daquilo que tinha para comer, privando-me assim do meu alimento. Quantas vezes fiz isto !...Quanto me julgo reconhecida a Nosso Senhor por ter procedido assim ; era a sua graça e não a minha virtude».
Já pelos doze anos, adoeceu gravemente, chegando a receber os últimos sacramentos, mas melhorou, podendo retomar os trabalhos do campo. Deram-lhe então na freguesia «o cargo de catequista e cantora ; trabalhava com muito gosto tanto num cargo como no, outro, mas pelo canto — atesta ela — tinha uma paixão louca».
Aos catorze anos e quatro meses, porém, começou a sofrer da doença que para toda a vida a viria a inutilizar. Originou-se, ao que parece, de uma queda. Oiçamo-la a ela :
«Até aos catorze anos trabalhei nos campos, e com tal cuidado, que me pagavam o jornal como a minha mãe. Uma vez andava a apanhar hera, numa carvalheira, para dar ao gado e caí abaixo, ficando algum tempo sem me poder mexer e sem respirar, levantando-me pouco depois, para continuar o meu serviço. Aos catorze anos e quatro meses deixei o trabalho para sempre, embora há meses trabalhasse com muito custo...Principiei a consultar médicos, coisa que me custava imenso. Eles trataram-me de varias doenças ; ao principio tudo corria bem e todos tinham pena de mim e eu só sentia o desgosto dos meus males. Isto porém, durou bem pouco tempo. As minhas melhores amigas, pessoas de família e até o próprio pároco (já falecido) revoltaram-se contra mim. Chegaram a fazer caçoada de mim, do meu modo de andar, da posição que tinha na Igreja... Mas eu não podia estar de outra forma.O Sr. Abade dizia-me que eu não comia, porque não queria e, se morresse, que ia para o inferno. Quando me ia confessar, dizia-me também que o meu maior pecado era não comer. Estas palavras fizeram-me sofrer muito sozinha ; com Nosso Senhor é que eu desabafava...Como piorasse cada vez mais e ao verem o meu estado, foi o próprio Sr. Abade quem aconselhou minha mãe a levar-me a um médico conhecido dele. Foi esse que me veio tirar do martírio em que vivia, dizendo aos que lhe perguntavam : “que eu não comia, porque não podia”».
Uma das coisas que certamente contribuiu para o agravamento da doença foi outro salto, dado em circunstâncias que já por ai andam um pouco romanciadas. Conta-nos ela mesmo o caso :
«Uma ocasião estando eu, minha irmã e uma pequena mais velha do que nós a trabalhar na costura, avistámos três homens : o que tinha sido meu patrão, outro casado e um terceiro solteiro. Minha irmã, percebendo alguma coisa e vendo-os seguir o nosso caminho, mandou-nos fechar a porta da sala. Instantes depois, sentimos que eles subiam as escadas que davam para a sala e bateram à porta. Falou--lhes minha irmã. O que tinha sido meu patrão mandou abrir a porta, mas como não tivessem lá obra, não lhes abrimos a porta. Ele conhecia bem a casa e subiu par umas escadas pelo interior da habitação e os outros ficaram à porta onde tinham batido. Ele, não podendo entrar pelo interior por um alçapão que estava fechado e resguardado por uma maquina de costura, pegou num maço e deu fortes pancadas nas tábuas, até arrebentar o alçapão, tentando passar par ai.Minha irmã, ao ver isto, abriu a porta da sala e conseguiu escapar-se, apesar de a prenderem pela roupa. A outra pequena foi a segunda a fugir, mas essa ficou presa e eu, ao ver tudo isto, saltei pela janela que estava aberta e que deitava para o quintal. Sofri um grande abalo, porque a janela distava do chão quatro metros. Quis levantar-me logo, mas não pude, porque me deu uma forte dor... Cheia de coragem, peguei num pau e entrei pela porta do quintal para o eirado, onde estava a minha irmã a discutir com um dos dois casados. A outra pequena estava na sala, com o solteiro. Eu aproximei-me deles zangada e disse que, ou deixavam vir a pequena ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta... Não lhes demos mais confiança ; eles retiraram-se e nos continuamos a trabalhar... Pouco depois, comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei : os médicos também afirmaram que muito concorreria para a minha doença».
Aos 16 anos, pouco mais ou menos, foi para à Póvoa de Varzim, a ver se mais facilmente encontrava remédio para seus males. « Aos dezanove anos — escreve ela — acamei. Nesta altura, o médico do Porto, Sr. Dr. João de Almeida, informou minha mãe de que temia que eu entrevasse.
Foi de facto o que aconteceu. Exames sérios, feitos mais tarde, em Julho de 1941, rectificadas em Maio de 1942 e anotados em 19 de Janeiro de 1943, pelo Dr .Gomes de Araujo e confirmados pelos Drs. Carlos Alberto Lima, professor laureado da Faculdade de Medicina do Porto, e Dr. Manuel Augusto de Azevedo, formado pela mesma Faculdade, dizem que « A doente Alexandrina Maria da Costa é portadora de compressão medular alta só, ou complicada de outros focos compressivos baixos.
«A historia da doença, os sintomas de que anteriormente se queixava e que hoje (Maio de 1942) apresenta, fazemcrer que se trata de uma mielite de vários focos, mas principalmente lombo-sagrada, ou compressão medular de um ou mais focos. ..É portadora também de uma cistite possivelmente devida aos cateterismos efectuados, durante longo tempo, mas o que principalmente avulta, na sua sintomatologia, é a compressão medular, ou mielite que a impossibilita de mexer-se, atento o grau que ela atingiu, na sua evolução de anos».
Par isso, «sentia astenia profunda e dores por todo a corpo ; dizia não haver parte nenhuma que estivesse sem dores, sendo estas acentuadíssimas na região lombo-sagrada e nos membros inferiores. A pressão em qualquer parte do seu corpo produzia dores horríveis, mas principalmente na região lombo-sagrada, no hipogastro e no flanco esquerdo. “Estas dores são tão intensas — escrevia o Sr. Doutor Manuel Augusto de Azevedo — que tornam por vezes lívido o seu rosto, mas sem um queixume, havendo resignação completa e constante».
«Cheguei a fazer algumas promessas para ser curada — dizem as suas notas autobiográficas — como : cortar rente o cabelo, que era para mim um grande sacrifício, dar todo o meu ouro e vestir-me de luto, toda a minha vida, ir de joelhos desde a nossa casa. até à Igreja. Minha mãe, irmã e primas fizeram também grandes promessas...Como me falassem dos milagres de Fátima e sabendo eu, em 1928, que várias pessoas iam à Cova da Iria, nasceram em mim desejos de ir também. O médico assistente e o meu pároco não me deixaram, dizendo que era impossível ir para tão longe, se eu mal consentia que me tocassem na cama... Nesse ano, o Sr. Abade foi a Fátima e perguntou-me o que eu queria de lá. Pedi-lhe que me trouxesse uma medalha ; mas ele ofereceu-me um terço, uma medalha, o Manual do Peregrino e alguma água de Fátima. Sua Rev.cia aconselhou-me a fazer uma novena a Nossa Senhora e a beber água de Fátima, com o fim de ser curada. Não fiz uma, mas muitas. Cantava muito e dizia às pessoas vizinhas que me visitavam se um dia me vissem pelo caminho e me ouvissem cantar, era que eu ia agradecer a Nossa Senhora o beneficio que recebera.Pensava que seria curada, mas enganei-me : era a minha grande confiança na Mãezinha e em Jesus que assim me fazia falar. Pensava : se for curada, vau logo para religiosa, pois tinha medo de viver no mundo. Nem sequer visitaria a minha família. Queria ser missionária, para baptizar pretinhos e salvar almas a Jesus.
Como não consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada e para sempre, sentindo cada vez mais ânsias de amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus».
E é agora que ela começa pouco a pouco a conhecer o seu caminho, a sua vocação.
«Sem saber como — escreve — ofereci-me a Nosso Senhor como vitima, e vinha desde ha muito pedindo o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça, que hoje (escreve em Outubro de 1940) não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava.Com a perda das forças físicas fui deixando todas as distracções do mundo e com o amor à oração — porque só a orar me sentia bem — habituei-me a viver em união íntima com Nosso Senhor. Quando recebia visitas que me distraiam um pouco, ficava toda desgostosa e triste, por não me ter lembrado de Jesus durante esse tempo».
Foi nestas disposições de alma que encontrei a Alexandrina, quando pela primeira vez a conheci pessoalmente, durante um tríduo que preguei em Balasar (S. Eulália) de 16 a 20 de Agosto de 1933.
Estava então nos seus 28 anos, pouco mais e há nove anos que entrevara.
Várias vezes falei com ela durante esse tríduo e logo me ficou a impressão de estar diante de uma alma de grande virtude, muito simples, muito verdadeira, profundamente piedosa, de uma resignação perfeita à vontade de Deus nos seus sofrimentos, e muito desejosa de santidade e de salvar os pecadores, respirando, em todo o seu modo, pureza e inocência.
Até ali, tinha-a dirigido o Espirito Santo tão somente : não sabia o que era director espiritual. A seus rogos, encarreguei-me então, pouco a pouco, da sua direcção espiritual. O andar dos anos mostrou-me à saciedade que me não enganara nas primeiras impressões, muito pelo contrario. O que não suspeitei nem de longe, foi o quanto de extraordinário viria Deus a operar naquela alma.
Mas antes de qualquer referência a este ponto, o que primeiro importa conhecer previamente é a sua alma. Se não encontrássemos de facto virtude verdadeiramente sólida, ficaríamos in limine dispensados de qualquer investigação ulterior. Se pelo contrário, a encontrássemos, seria a melhor luz para desvendarmos tudo o mais.
Entremos pois neste estudo, embora sumariamente, principiando pelo seu espirito de oração.
Verifiquei para logo, que era uma alma de grande oração e continua união com Deus.
Neste ponto, muito cedo começou o Divino Espírito Santo a atrai-la a Si e a ser o seu Mestre. Nas suas notas autobiográficas escreve, referindo-se à idade de quatro anos : «Já nesta idade, amava a oração». E mais adiante:Pelos nove anos, quando me encontrava sozinha, punha-me a contemplar a natureza, o romper da aurora, o nascer do Sol, o gorgeio das avezinhas, o murmúrio das águas : entrava em mim uma contemplação profunda, que quase me esquecia de que vivia no mundo. Chegava a deter os meus passos e ficar embebida neste pensamento : o poder de Deus ! E quando me encontrava à beira-mar, oh ! como me perdia, diante daquela grandeza infinita ! Á noite, ao contemplar o céu e as estrelas, parecia esconder-me mais ainda, para admirar as belezas do Criador !
«Quantas vezes no meu jardinzinho, onde hoje é o meu quarto, fitava o céu, escutando o murmúrio das águas, ia contemplando cada vez mais este abismo das grandezas divinas » !
Gostava muito de ir à Igreja e chegava-me para junto da minha catequista e rezava tudo a que ela queria. Não deixava dia nenhum de rezar a estação ao Santíssimo Sacramento, meditada, quer fosse na Igreja, quer em casa ou até pelos caminhos, fazendo sempre a comunhão espiritual... Gostava muito de fazer meditações ao Santíssimo Sacramento e à Mãezinha (é assim que ela designa quase sempre Nossa Senhora) e quando não podia fazê-las de dia, fazia-as de noite, às escondidas de todos, reservando uma vela que escondi a para esse fim»...
Quem assim possuía espirito de oração, na infância e ao desabrochar da adolescência, não admira que nele vá crescendo sempre até sumo grau. É ponto este que requer estudo demorado e não cabe neste breve resumo ; mas a documentação é numerosa e edificante.
Em carta de 26-XII-35 declara, a prop6sito da aridez espiritual que a afligia : «Não sei como possa ser isto, pois desde que cheguei ao usa da razão, não me lembro de passar dia nenhum, sem que me lembrasse de Nosso Senhor»
É sobretudo depois de entrevar que esse orar se torna intenso e continuo e toma particularmente a feição de uma ininterrompida adoração e amor a Jesus Sacramentado. Não resistimos ao copiar das notas biográficas o que se segue, em que há simplicidade encantadora e sublimidade profunda e só podia ser escrito par quem o viveu :
«Pela manhãzinha principiava a fazer as minhas orações, começando pelo sinal ,da Cruz e logo me lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a Comunhão espiritual e dizendo esta jaculatória : “Sagrado Coração de Jesus, este dia é para Vós”. Repetia-a por três vezes, depois continuava : “a vossa bênção, Jesus ; eu quero ser santa. Ô Jesus, abençoai a vossa filha que quer ser santa”. Dizia também : “Louvado seja N osso Senhor... As Três Pessoas da Santíssima Trindade me abençoem, assim como São José, Maria Santíssima e todos os Anjos, Santos e Santas do Céu. Que as bênçãos do Céu desçam sobre mim e nada terei a temer. Serei santa, são esses os meus mais ardentes desejos”. Rezava três glorias, depois oferecia as obras do dia : “Ofereço-Vos, ó meu Deus, em união etc.”... P. N., A. M., Gl... “Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais, fazei que vos amemos cada vez mais”, e o Credo. Depois continuava : “Ó meu Jesus, eu me uno em espirito neste momento e desde este momento para sempre a todas as santas Missas que de dia e de noite se celebram na terra. Jesus, imolai-me convosco ao Eterno Pai pelas mesmas intenções que Vós mesmo Vos ofereceis».
E continua, mostrando como unia intensamente as suas devoções mais características, ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora :
«Voltada para a Mãezinha, dizia-lhe : Ave Maria, cheia de graça ; eu vos saúdo, ó cheia de graça ! Ó Mãezinha, eu quero ser santa ; ó Mãezinha, abençoai-me e pedi a Jesus que me abençoe» ; e consagra-se a Ela assim : « Mãezinha, eu vos consagro meus olhos, meus ouvidos, minha boca, meu coração, a minha alma, a minha virgindade, a minha pureza, a minha castidade... Aceitai, Mãezinha, é vossa, sois Vós o cofre sagrado, o cofre bendito da nossa riqueza. Consagro-Vos o meu presente e o meu futuro, a minha vida e a minha morte, tudo quanto me derem a mim, rezarem por mim e oferecerem por mim. Õ Mãezinha, abri-me os vossos santíssimos braços, tomai-me sobre eles, estreitai-me ao vosso santíssimo Coração, cobri-me com o vosso manto e aceitai-me como vossa filha muito amada, muito querida e consagrai-me toda a Jesus. Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudareis a crucificar-me, para que não fique no meu corpo nem na minha 'alma nada por crucificar...
Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me um anjo; transformai-me toda em amor, consumi-me toda nas chamas do amor de Jesus. Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim ; dizei-lhe que é o filho pródigo que volta a casa do seu bom Pai, disposta a segui-Lo, amá-Lo, adorá-Lo, a obedecer-Lhe, a imitá-Lo. Dizei-lhe que não quero mais ofendê-Lo. Ó Mãezinha, obtende-me uma dor tão grande dos meus pecados, que seja tal o meu arrependimento, que eu fique pura, que fique um anjo, pura como fiquei depois do meu baptismo, para que pela minha pureza mereça a compaixão do meu Jesus, de O receber sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para sempre em mim, até dar o último suspiro.
Mãezinha, vinde comigo para os sacrários, para todos os sacrários do mundo, para toda a parte e lugar onde Jesus habita sacramentado. Fazei-Lhe a minha humilde oferta. Ó como Jesus ficará contente com a oferta mais pobrezinha, mais miserável, mais indigna, mas oferecida por Vós ! Como terá valor junto do vosso e meu querido Jesus !... Ó Mãezinha, eu quero andar de sacrário em sacrário, a pedir favores a Jesus, como a abelhinha de flor em flor a chupar-lhe o néctar ! Ó Mãezinha, eu quero formar um rochedo de amor em todo o lugar onde Jesus habita sacramentado, para que não haja nada que possa intermeter-se entre o amor, para ir ferir o Seu Santíssimo Coração, renovar as suas santíssimas chagas e toda a sua Paixão. Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos.
Ó meu querido Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o vosso Santíssimo Coração. Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa fornalha ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom Jesus, deixai-me toda dentro do vosso amantíssimo Coração ; deixai-me dar aí o último suspiro [1], embriagada no vosso divino amor Não me deixeis separar de Vós na terra, senão par a me tornar a unir a Vós no Céu por toda a eternidade.
Ó meu querido Jesus, eu me uno em espírito neste momento e desde este momento para sempre a todas as santas Hóstias da terra, em cada lugar onde habitais sacramentado. Ai ! quero passar todos os momentos da minha vida constantemente, de dia e de noite, alegre ou triste, só ou acompanhada, sempre a consolar-Vos, a adorar-Vos, a amar- Vos, a louvar- Vos e a glorificar- Vos. Ó meu Jesus, eu queria tantos actos de amor meus constantemente a cair sobre Vós de dia e de noite, como a chuva miudinha cai do céu para a terra, num dia de inverno; não queria só mas de todas as criaturas do mundo inteiro !... Ó como eu Vos queria amar e ver amado por todos ! Vêde, Jesus, os meus desejos e aceitai-mos já, como se eu Vos amasse. Ó Jesus, nem um só sacrário fique no mundo, nem um só lugar onde habitais sacramentado, sem que hoje e desde hoje para sempre, em cada momento da minha vida eu esteja lá sempre a dizer : Jesus, eu amo-Vos ! Jesus, eu sou toda vossa. Sou a vossa vítima, a vítima da Eucaristia, a lampadazinha das vossas prisões de amor, a sentinela dos vossos sacrários ! Ó Jesus, eu quero ser vítima dos Sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do vosso amor, da minha família, da vossa santíssima Paixão, das Dores da Mãezinha, do vosso Coração, da vossa santa Vontade, a vítima do mundo inteiro ! Vítima da paz, vítima da consagração do mundo à Mãezinha!...
Ó Jesus, vou convidar a Mãezinha ; é Ela quem Vos vai falar por mim ! Vou e venho já, sim, meu Jesus.
“Ave Maria, cheia de Graça ! Eu vos saúdo, cheia de graça ; Mãezinha, vinde comigo para os sacrários ; vinde cobrir o meu Jesus de amor. Oferecei-Lhe tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume de oferecer, tudo quanto se possa imaginar como actos de amor para Nosso Senhor Sacramentado” !
Dizia três vezes — continua ela — graças e louvores se dêem a cada momento, ao Santíssimo e diviníssimo Sacramento... e fazia a comunhão espiritual já descrita ; nesta altura dizia tudo isto que se segue a Nossa Senhora para Ela repetir ao Seu amado Filho, por mim :
“Ó Jesus, cá está a Mãezinha ; escutai-A ; é Ela quem Vos vai falar por mim, ó querida Mãezinha do Céu, ide dar beijinhos aos sacrários, beijos sem conta, abraços sem conta, mimos sem conta, carícias sem conta, tudo para Jesus Sacramentado, tudo para a Santíssima Trindade, tudo para Vós ! Multiplicai-os muito, muito, e dai-os de um puro e santo amor, dum amor que não possa mais amar, cheios de umas santas saudades, por não poder ir eu já beijar e abraçar Jesus Sacramentado, a Santíssima Trindade e a Vós, minha Mãe querida, pois não sois Vós a criatura mais amada e mais querida de Jesus ? Ó dai-os então em meu nome, com esse amor com que amais e sois amada ! »
Logo a seguir vem uma passagem que nos faz lembrar o Canto do Sol de S. Francisco, ou o Benedicite ; saboreemo-lo :
«Ó meu Jesus, eu quero que cada dor que sentir, cada palpitação do meu coração, cada vez que respirar, cada segundo das horas que passar, sejam actos de amor para os vossas sacrários.
Eu quero que cada movimento dos meus pés, das minhas mãos, dos meus lábios, da minha língua, cada vez que abrir os meus olhos ou fechar, cada lágrima, cada sorriso, cada alegria, cada tristeza, cada tribulação, cada distracção, contrariedades ou desgostos, sejam actos de amor para os vossos sacrários.
Eu quero que cada letra das orações que rezo, ou oiço rezar, cada palavra que pronuncie ou oiça pronunciar, que leia ou oiça ler, que escreva ou veja escrever, que cante ou oiça cantar, sejam actos de amor para os vossos sacrários.
Eu quero que cada beijinho que vos der, nas vossas santas imagens, nas da Vossa e minha querida Mãezinha, nos vossos Santos e Santas, sejam actos de amor para os vossos sacrários.
Ó Jesus, eu quero que cada gotinha de chuva que cai do céu para a terra, toda a água que o mundo encerra, oferecida às gotas, todas as areias do mar e tudo o que o mar contém, sejam actos de amor para os vossos sacrários.Eu Vos ofereço as folhas das árvores, todas as frutas que elas possam ter, as florzinhas oferecidas folhinha a folhinha (pétala a pétala), todos os grãozinhos e sementes e cereais que possa haver no mundo e tudo o que contêm os jardins, campos, prados e montes, ofereço tudo como actos de amor para os vossos sacrários.Ó Jesus, eu Vos ofereço as penas das avezinhas, o gorgeio das mesmas, os pêlos e as vozes de todos os animais, como actos de amor para os vossos sacrários.Ó Jesus, tudo o que o mundo encerra, todas as grandezas, riquezas e tesoiros do mundo, tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume de oferecer- Vos, tudo quanto se possa imaginar, como actos de amor para os vossos sacrários.Ó Jesus, aceitai o céu, a terra, e o mar, tudo, tudo, quanto neles se encerra, como se esse tudo fosse meu e de tudo pudesse dispor e oferecer- V os como actos de amor para os vossos sacrários !»
O que aí fica, deixa bem em evidência que a piedade da Alexandrina era eminentemente mariana e sobretudo eucarística. Jesus Sacramentado era todo o seu viver. Por isso não admira que tanto sofresse, quando não podia comungar. «Apesar de ser o Santíssimo Sacramento o meu maior Amigo — escrevia ela a 8-III-34 — com grande mágoa o digo, poucas, vezes o recebo ; de primeiro, trazia-me (refere-se ao novo Pároco) a Sagrada Comunhão nas primeiras sextas-feiras e primeiros sábados e domingos ; algumas vezes tenho chorado de pena. Que hei-de fazer, no meio disto ? Sofrer por amor do meu querido Jesus».
E a 27-9-34 desabafava ainda : «Com grande mágoa e saudade lhe digo que ainda não tornei a receber a Nosso Senhor. Se eu pudesse pagar e me trouxessem Nosso Senhor por dinheiro, quanto não daria eu ! Tenho feito muitas comunhões espirituais com o maior fervor que tenho podido. E Nosso Senhor, vai-me dando a recompensa ; vai ver como o meu bom Jesus tem sido meu Amigo. Disse-me o meu amado Jesus que será Ele o meu director continuo...» E que esplêndido director ! Quanto a estimulava na sua vida eucarística, no seu espírito de reparação ! No mês seguinte, a 4, encontramos esta passagem : «Pouco antes de mandar escrever esta carta, Nosso Senhor pediu-me o coração para o colocar dentro do d'Ele, para que eu não tivesse outro amor, a não ser o d'Ele e das suas obras. Disse-me que cabiam lá todos, mas que o meu tinha um lugar reservado. Disse-me também : “Minha filha, não tens pena de Mim ? Estou sozinho nos sacrários e abandonado e tão ofendido; anda consolar-Me, desagravar-Me ; repara tanto abandono... visitar os presos da cadeia e consolá-los é uma boa obra : Estou preso e preso pelo amor ; Eu sou o preso dos presos”... Diz Nosso Senhor, que eu sou um templo d'Ele. Templo da Santíssima Trindade são todas as almas em graça, mas eu dum modo particular que sou um sacrário que Ele escolheu para habitar e repousar e para me saciar mais a sede que tenho do Seu Sacramento de Amor... Diz-me mais o meu Jesus : que se serve de mim para que por mim vão a Ele muitas almas e por mim sejam excitadas a amá-Lo na Santíssima Eucaristia».
E em Novembro, a 10O de 1934 : «“...Não te canses de pedir-Me pelos pecadores ; Eu tos entrego para que mos tornes a restituir. Anda para os sacrários”. E disse-me que “ou eu reparava e era pregada a devoção dos sacrários, ou o mundo ia ser castigado, mas ai ! que tremendo castigo ! Perguntei ao meu Jesus, o que havia de fazer para O amar muito e Ele disse-me : “anda para os meus sacrários, consolar-Me, reparar. Não descanses em reparar ; dá-Me o teu corpo para o crucificar. Preciso de muitas vítimas, para sustentar o braço da minha justiça e tenho tão poucas ! Anda substituí-las... Faze que eu seja amado por todos, no meu Sacramento de amor, o maior dos meus sacramentos e o maior milagre da minha sabedoria”».
A 20 de Dezembro desse mesmo ano, revela-nos ela (disse-lho Nosso Senhor) : «A missão que te confiei são os meus sacrários e 0s pecadores... Por ti serão salvos muitos, muitos, muitos pecadores, não por teus merecimentos, mas por Mim que procuro todos os meios para os salvar... Queres consolar e amar muito o teu Esposo ? O Esposo das almas virgens a quem Eu amo com predilecção ? Anda para os meus sacrários, vive lá e dá-me o teu corpo para Eu o crucificar, para Eu satisfazer os meus desígnios. Sê a minha vítima de reparação pelos pecados do mundo e assim Me consolarás muito...».
A 6-6-35, toda se regozijava a dar a notícia de que comungava agora todos os dias : «eu continuo muito doentinha ; mas tenho tido a consolação de receber a Nosso Senhor todos os dias. Isto só por um milagre do Céu ; pois o Sr. Abade nunca me fez tal ! » Daí a três meses dizia-lhe Nosso Senhor : « São as vítimas dos sacrários que hão-de sustentar o braço da justiça divina, para não arrasar o mundo, para não virem maiores castigos...».
Ao sugerir-lhe o Sacerdote que lhe assistia na agonia, a jaculatória « Santíssima Trindade... no Vosso Coração entrego o meu espirito ». sorriu e expirou.
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