Uma aldeia de oito casas

As aparições de Nossa Senhora a esta pobre pastora são extraordinárias pela simplicidade da jovem e pela atitude da Santíssima Virgem para com a vidente. Muito criança ainda, Benta já revelava grande virtude. Fatos fora do comum caracterizaram sua infância, e são tão numerosos que se torna difícil enumerá-los.
Um dia em que guardava seu rebanho num lugar afastado, dois homens quiseram aproveitar-se disso para ultrajá-la. A menina procurou fugir correndo para o lado de um grande pântano, mas seus próprios perseguidores viram-na atravessar o lamaçal sem afundar e nem mesmo molhar os pés.
Em maio de 1664, quando completou 17 anos, Benta cuidava do seu rebanho quando viu no prado uma Senhora com seu filho. Fez-lhe uma pergunta, mas não obteve resposta. Disse ainda algumas coisas, mas não conseguiu fazê-la falar. Não se importou muito, pois sentia-se à vontade na sua companhia. No dia seguinte, lá estava a mesma Senhora. Novo intento de iniciar conversação, e nada. Isso prosseguiu assim por mais dois meses, mas Benta não desanimou. Afinal a Virgem começou a lhe falar. Durante mais dois meses, diariamente Ela ensinava Benta a rezar, a ser paciente, a desapegar-se das coisas, etc. É difícil saber-se exatamente o que queria a Santíssima Virgem com os diálogos que mantinha com a vidente. Apertava-lhe a mão com frequência e lhe oferecia a borda do manto para que a jovem aí repousasse.
Benta nunca perdeu sua simplicidade. Certa ocasião a Mãe de Deus pediu à pastora um belo carneiro e uma grande cabra.
— O carneiro, bela Senhora, eu vos darei e o descontarei do meu ordenado. Mas a cabra, não. Ela me faz falta. Mesmo que a Senhora me ofereça trinta escudos por ela, eu não a cederei.
Outra vez Nossa Senhora mandou Benta à missa, e enquanto ela permaneceu na igreja seu rebanho foi para outro lugar. Ao regressar, procurou-o ansiosamente e começou a chorar. Mas Nossa Senhora apareceu e lhe disse, devolvendo os carneiros:
— Tu me agradaste, porque não ficaste impaciente. Eu só quis provar tua paciência.
Como as notícias desses fatos começassem a se espalhar e fossem iniciadas sindicâncias, Nossa Senhora disse a Benta que fosse para Laus. Lá o povo era muito piedoso, e venerava havia anos, numa capela, Nossa Senhora do Bom Encontro. Nessa capela, Benta voltaria a vê-la.
Na capela paupérrima, que Nossa Senhora prometeu que se tornaria uma grande igreja, Benta recebeu a ordem de rezar muito pelos pecadores. Milagres sem conta tiveram início, e com eles as peregrinações. E também a primeira perseguição a Benta. Os clérigos da catedral de Embrun, centro de grandes romarias, enciumaram-se com o fervor de Laus e levantaram objeções à devoção à Nossa Senhora do Bom Encontro. Moveram assim um inquérito sobre a vidente. Cheia de medo, Benta chamou a Santíssima Virgem em seu socorro. Esta lhe disse que respondesse a tudo que as pessoas da Igreja perguntassem, mas que não tivesse receio de nada:
— Os padres podem dar ordens a meu Filho, mas não a mim.
De fato, após um processo severíssimo, Benta foi considerada inocente. Os membros da comissão, sacerdotes experimentados, inicialmente duvidaram de Benta. Faziam-lhe todo tipo de perguntas escorregadias, mas ela se saiu bem. No quinto dia aconteceu um milagre: Catarina Vial, menina da localidade, inválida das duas pernas, levantou-se e foi caminhando até a capela para a Missa. Diante de milagre tão evidente, o resultado da investigação foi favorável. O passo seguinte era ampliar a capela, ou melhor, construir a nova igreja, conforme o pedido da Virgem.
Na capela só cabiam trinta pessoas, o que se agravava por já começarem a chegar peregrinações de outros vilarejos. Após o início das peregrinações, há relatos de numerosas curas espirituais e morais. E a pequena capela de Laus foi crescendo, de tal forma que em 1891 Leão XIII a erigiu em Basílica Menor. Uma das graças a ela concedida pela Mãe de Deus foi o poder do óleo da lâmpada do sacrário de curar qualquer moléstia.
Mas não pensemos que tudo correu sempre bem para Benta Rencurel. Em julho de 1692 estourou uma guerra, e o exército do duque de Savóia devastou a região. Benta, como a maioria da população, fugiu durante algum tempo. Ao voltar, tudo estava danificado. Pior ainda, dois dos bons padres que cuidavam da nova igreja haviam morrido. O bispo local nomeou dois novos padres, mas estes eram contra as peregrinações. Chegaram até a proibir, durante 15 anos, que Benta falasse aos peregrinos, os quais só podiam assistir à Missa dominical. Como se fosse pouco, alastrou-se uma epidemia de falsas aparições na região, cada uma mais ridícula que a outra, à maneira das falsas aparições que hoje em dia procuram desvirtuar Fátima. O desprestígio caiu também sobre Benta. Afinal ela superou todas essas provas, e a calma e a ordem voltaram a reinar.
Benta viveu 71 anos, inteiramente dedicados à Santíssima Virgem. Sua vida foi uma visão contínua. Rezava ininterruptamente, e suas penitências eram severíssimas. Possuindo o dom dos milagres e de ler nas consciências, converteu numerosas pessoas. Horrivelmente perseguida pelo demônio, chegou a derramar lágrimas de sangue. Além disso, quando os primeiros missionários de Laus morreram, foram substituídos por padres jansenistas, que por vinte anos perseguiram a vidente e a devoção a Nossa Senhora.
Mas Nossa Senhora consolava sua filha em meio a tanto sofrimento. Talvez poucas pessoas tenham tido o contato com o sobrenatural que ela teve. Toda a corte celeste lhe fazia companhia: São Gervásio, Santa Bárbara, São José, Santa Catarina de Siena a ela se dedicavam com toda simplicidade; os anjos a ajudavam a limpar a capela, recitavam com ela o Rosário e lhe traduziam para o francês trechos de salmos latinos. Gracejavam gentilmente com ela e a distraíam, evitando que exagerasse suas macerações. Uma vez que ocultaram sua disciplina, ela se queixou a Nossa Senhora: — Isto me custou quatro francos…
Em outra ocasião, um anjo repreendeu-a por um zelo impaciente, e ela respondeu com toda segurança: — Se tivésseis um corpo como nós, belo anjo, veríamos o que faríeis.
Nossa Senhora apareceu-lhe em meio à grande número de anjos, que conversavam entre si. Benta não hesitou: — Calai-vos agora e deixai falar vossa Mãe.
Benta, que também recebeu os estigmas da crucifixão, morreu dias após o Natal, em 28 de dezembro de 1718, em odor de santidade. Quando ela expirou, todo o vale de Laus foi inundado de inigualável perfume.
As aparições foram aprovadas pela Igreja, e no dia 23 de maio de 1855 teve lugar a solene coroação da imagem, realizada pelo cardeal de Bordeaux, com seis bispos, 600 padres e 40.000 fiéis presentes.
Chama a atenção a preocupação de Nossa Senhora com a falta de assistência religiosa numa tão pequena população. Não é que as pessoas do local fossem ateias ou pouco religiosas, pois o fato de terem respondido com entusiasmo ao pedido da Virgem Santíssima para construir uma igreja mostra o contrário. Mas não basta ter boa vontade e praticar a religião sozinho, os sacramentos são indispensáveis. Nessa aparição, Nossa Senhora mostra que eles devem ser recebidos por todos, mesmo que residam em locais minúsculos, de pequena população. Devemos rezar à Virgem, pedindo que nos dê sempre a graça de receber com frequência os sacramentos, e pedir também que todos os possam receber.
VATICANO, 05 Mai. 2008 / 11:32 am (ACI).- Neste domingo, durante uma Missa celebrada na vila alpina de Laus, o Bispo de Gap (França), Dom Jean-Michel di Falco, acompanhado por vinte cardeais e arcebispos do mundo, anunciou a aprovação oficial da Igreja das aparições marianas testemunhadas nesta vila dos altos Alpes franceses pela vidente Benôite (Benta) Rencurel entre 1664 e 1718.
Fontes: (Pierre Molaine, “Itinéraires sur la Vierge“, p. 98)
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