Uma aldeia de oito casas
Saint Etienne de Laus fica localizada no sul da França. Ainda hoje tem poucas edificações, mas em 1664 era praticamente deserta. Para isso haviam contribuído as guerras de religião que devastaram a região e destruíram casas, moinhos, estradas, igrejas, etc. Basta pensar que das 190 igrejas da região, 120 ficaram inutilizadas. Como acontece habitualmente, com a guerra veio a pobreza. E a família de Benta Rencurel, a menina a quem Nossa Senhora apareceu, era realmente pobre. Aos 17 anos ela cuidava dos animais da família, não sabia ler nem escrever. Era muito simples, residindo próximo à aldeia.
As aparições de Nossa Senhora a esta pobre pastora são extraordinárias pela simplicidade da jovem e pela atitude da Santíssima Virgem para com a vidente. Muito criança ainda, Benta já revelava grande virtude. Fatos fora do comum caracterizaram sua infância, e são tão numerosos que se torna difícil enumerá-los.
Um dia em que guardava seu rebanho num lugar afastado, dois homens quiseram aproveitar-se disso para ultrajá-la. A menina procurou fugir correndo para o lado de um grande pântano, mas seus próprios perseguidores viram-na atravessar o lamaçal sem afundar e nem mesmo molhar os pés.
Em maio de 1664, quando completou 17 anos, Benta cuidava do seu rebanho quando viu no prado uma Senhora com seu filho. Fez-lhe uma pergunta, mas não obteve resposta. Disse ainda algumas coisas, mas não conseguiu fazê-la falar. Não se importou muito, pois sentia-se à vontade na sua companhia. No dia seguinte, lá estava a mesma Senhora. Novo intento de iniciar conversação, e nada. Isso prosseguiu assim por mais dois meses, mas Benta não desanimou. Afinal a Virgem começou a lhe falar. Durante mais dois meses, diariamente Ela ensinava Benta a rezar, a ser paciente, a desapegar-se das coisas, etc. É difícil saber-se exatamente o que queria a Santíssima Virgem com os diálogos que mantinha com a vidente. Apertava-lhe a mão com frequência e lhe oferecia a borda do manto para que a jovem aí repousasse.
Benta nunca perdeu sua simplicidade. Certa ocasião a Mãe de Deus pediu à pastora um belo carneiro e uma grande cabra.
— O carneiro, bela Senhora, eu vos darei e o descontarei do meu ordenado. Mas a cabra, não. Ela me faz falta. Mesmo que a Senhora me ofereça trinta escudos por ela, eu não a cederei.
Outra vez Nossa Senhora mandou Benta à missa, e enquanto ela permaneceu na igreja seu rebanho foi para outro lugar. Ao regressar, procurou-o ansiosamente e começou a chorar. Mas Nossa Senhora apareceu e lhe disse, devolvendo os carneiros:
— Tu me agradaste, porque não ficaste impaciente. Eu só quis provar tua paciência.
Como as notícias desses fatos começassem a se espalhar e fossem iniciadas sindicâncias, Nossa Senhora disse a Benta que fosse para Laus. Lá o povo era muito piedoso, e venerava havia anos, numa capela, Nossa Senhora do Bom Encontro. Nessa capela, Benta voltaria a vê-la.
Na capela paupérrima, que Nossa Senhora prometeu que se tornaria uma grande igreja, Benta recebeu a ordem de rezar muito pelos pecadores. Milagres sem conta tiveram início, e com eles as peregrinações. E também a primeira perseguição a Benta. Os clérigos da catedral de Embrun, centro de grandes romarias, enciumaram-se com o fervor de Laus e levantaram objeções à devoção à Nossa Senhora do Bom Encontro. Moveram assim um inquérito sobre a vidente. Cheia de medo, Benta chamou a Santíssima Virgem em seu socorro. Esta lhe disse que respondesse a tudo que as pessoas da Igreja perguntassem, mas que não tivesse receio de nada:
— Os padres podem dar ordens a meu Filho, mas não a mim.
De fato, após um processo severíssimo, Benta foi considerada inocente. Os membros da comissão, sacerdotes experimentados, inicialmente duvidaram de Benta. Faziam-lhe todo tipo de perguntas escorregadias, mas ela se saiu bem. No quinto dia aconteceu um milagre: Catarina Vial, menina da localidade, inválida das duas pernas, levantou-se e foi caminhando até a capela para a Missa. Diante de milagre tão evidente, o resultado da investigação foi favorável. O passo seguinte era ampliar a capela, ou melhor, construir a nova igreja, conforme o pedido da Virgem.
Na capela só cabiam trinta pessoas, o que se agravava por já começarem a chegar peregrinações de outros vilarejos. Após o início das peregrinações, há relatos de numerosas curas espirituais e morais. E a pequena capela de Laus foi crescendo, de tal forma que em 1891 Leão XIII a erigiu em Basílica Menor. Uma das graças a ela concedida pela Mãe de Deus foi o poder do óleo da lâmpada do sacrário de curar qualquer moléstia.
Mas não pensemos que tudo correu sempre bem para Benta Rencurel. Em julho de 1692 estourou uma guerra, e o exército do duque de Savóia devastou a região. Benta, como a maioria da população, fugiu durante algum tempo. Ao voltar, tudo estava danificado. Pior ainda, dois dos bons padres que cuidavam da nova igreja haviam morrido. O bispo local nomeou dois novos padres, mas estes eram contra as peregrinações. Chegaram até a proibir, durante 15 anos, que Benta falasse aos peregrinos, os quais só podiam assistir à Missa dominical. Como se fosse pouco, alastrou-se uma epidemia de falsas aparições na região, cada uma mais ridícula que a outra, à maneira das falsas aparições que hoje em dia procuram desvirtuar Fátima. O desprestígio caiu também sobre Benta. Afinal ela superou todas essas provas, e a calma e a ordem voltaram a reinar.
Benta viveu 71 anos, inteiramente dedicados à Santíssima Virgem. Sua vida foi uma visão contínua. Rezava ininterruptamente, e suas penitências eram severíssimas. Possuindo o dom dos milagres e de ler nas consciências, converteu numerosas pessoas. Horrivelmente perseguida pelo demônio, chegou a derramar lágrimas de sangue. Além disso, quando os primeiros missionários de Laus morreram, foram substituídos por padres jansenistas, que por vinte anos perseguiram a vidente e a devoção a Nossa Senhora.
Mas Nossa Senhora consolava sua filha em meio a tanto sofrimento. Talvez poucas pessoas tenham tido o contato com o sobrenatural que ela teve. Toda a corte celeste lhe fazia companhia: São Gervásio, Santa Bárbara, São José, Santa Catarina de Siena a ela se dedicavam com toda simplicidade; os anjos a ajudavam a limpar a capela, recitavam com ela o Rosário e lhe traduziam para o francês trechos de salmos latinos. Gracejavam gentilmente com ela e a distraíam, evitando que exagerasse suas macerações. Uma vez que ocultaram sua disciplina, ela se queixou a Nossa Senhora: — Isto me custou quatro francos…
Em outra ocasião, um anjo repreendeu-a por um zelo impaciente, e ela respondeu com toda segurança: — Se tivésseis um corpo como nós, belo anjo, veríamos o que faríeis.
Nossa Senhora apareceu-lhe em meio à grande número de anjos, que conversavam entre si. Benta não hesitou: — Calai-vos agora e deixai falar vossa Mãe.
Benta, que também recebeu os estigmas da crucifixão, morreu dias após o Natal, em 28 de dezembro de 1718, em odor de santidade. Quando ela expirou, todo o vale de Laus foi inundado de inigualável perfume.
As aparições foram aprovadas pela Igreja, e no dia 23 de maio de 1855 teve lugar a solene coroação da imagem, realizada pelo cardeal de Bordeaux, com seis bispos, 600 padres e 40.000 fiéis presentes.
Chama a atenção a preocupação de Nossa Senhora com a falta de assistência religiosa numa tão pequena população. Não é que as pessoas do local fossem ateias ou pouco religiosas, pois o fato de terem respondido com entusiasmo ao pedido da Virgem Santíssima para construir uma igreja mostra o contrário. Mas não basta ter boa vontade e praticar a religião sozinho, os sacramentos são indispensáveis. Nessa aparição, Nossa Senhora mostra que eles devem ser recebidos por todos, mesmo que residam em locais minúsculos, de pequena população. Devemos rezar à Virgem, pedindo que nos dê sempre a graça de receber com frequência os sacramentos, e pedir também que todos os possam receber.
VATICANO, 05 Mai. 2008 / 11:32 am (ACI).- Neste domingo, durante uma Missa celebrada na vila alpina de Laus, o Bispo de Gap (França), Dom Jean-Michel di Falco, acompanhado por vinte cardeais e arcebispos do mundo, anunciou a aprovação oficial da Igreja das aparições marianas testemunhadas nesta vila dos altos Alpes franceses pela vidente Benôite (Benta) Rencurel entre 1664 e 1718.
Fontes: (Pierre Molaine, “Itinéraires sur la Vierge“, p. 98)
Nenhum comentário:
Postar um comentário