Neste período do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossas reflexões se voltam para este grande acontecimento que marcou a História. E a devoção que nos absorve é a da Santa Infância do Salvador. Não é uma devoção sentimental: “Ah, lindo menino!”, “Tão pequenino...” etc., mas uma devoção voltada para a intervenção do Menino Jesus na História. Jesus veio resgatar o gênero humano do pecado. Veio trazer uma nova aliança da Luz contra as trevas. Dar o exemplo de uma vida de renúncias e obediência a vontade do Pai Eterno. Seu caminhar seria rumo ao patíbulo da Cruz. Ele era inteiramente humano, mas devido a união hipostática, tinha a sabedoria de Deus. Assim, embora pequenino, desde o momento de sua Encarnação Ele tinha conhecimento de sua missão salvadora. Segundo a tradição, quando da fuga da Sagrada Família para o Egito, vários ídolos pagãos caíram por terra. Era o início de sua luta contra o demônio. E seus seguidores, a seu exemplo, deveriam continuar esta batalha após sua Morte e Ressurreição. Os séculos que se seguiram, foram sempre de duelos contínuos entre estas duas forças. Perseguições aos bons seguidores de Nosso Senhor, a fortaleza destes diante dos maus, a moleza dos “semi-bons”, a traição dos ímpios etc. Quando Lutero lançou seu manifesto, muitos aderiram à heresia. Imediatamente santos se levantaram e lutaram, pelas armas e pela oração, contra seus sequazes. No século XVII as lutas renhidas continuaram e nos deparamos, a par de muitas belezas construídas pela Civilização Cristã, uma horrenda onda de bruxaria que assolava várias nações.
A ânsia frenética por riquezas, prestígio e cargos, além dos prazeres carnais fazia com que muitas pessoas que perderam a fé apelassem aos poderes ocultos. Esse recurso cresceu tanto que, em 1586, o Papa Sixto Quinto promulgou a bula “Cœli et terra creator Deus” proibindo todas as práticas ocultas: adivinhação, astrologia, necrologia, bruxaria, etc. que iam associadas naturalmente ao relaxamento dos costumes e eram cultivadas até nos conventos.
Na França do século XVII reinava o Rei Sol, Luís XIV, que tornara aquela nação modelo que grandeza, aprimoramento cultural, artístico... Entretanto, a frivolidade e a falta de fé inundaram a Corte daquele rei provocando uma decadência nos costumes, que seria exacerbada pelos bruxos (as) que atormentaram uma alma de escol, Soeur Marie des Vallées.
Esta serva de Deus sofreu tormentos horríveis provocados por bruxarias contra ela. Nosso Senhor Jesus Cristo revelou a ela os castigos futuros que cairiam sobre a Humanidade por causa de seus pecados. Além dela, e influenciados por ela, outras figuras proeminentes lutaram bravamente para fazer triunfar as verdades eternas.
Vimos em postagens anteriores a Venerável Margarida do Santíssimo Sacramento e a atuação do Barão Gastão de Renty. Este leigo virtuoso e nobre, com o influxo e participação de São Vicente de Paulo foi exímio articulador da Companhia do Santíssimo Sacramento, um grande fruto da Contra-reforma Católica, promovida pelo Concílio de Trento. A Companhia se tornou célebre e muito odiada porque se opunha ativamente aos erros e às influências morais nocivas que desciam da Corte na forma de modas, “luzes” e pretextos culturais, e influenciavam outras classes sociais.
A Companhia inspirou a criação da benemérita Missions Étrangères de Paris em 1658, fundada por dois bispos, então simples sacerdotes, Pierre Lambert de la Motte (1624 - 1679) e François Pallu (1626 - 1684) com o apoio de São Vicente de Paulo. Foi um verdadeiro foco de mártires, e um poderoso estímulo à Escola Francesa de Espiritualidade com incontáveis exemplos de heroísmo e martírio em continentes pagãos em oposição aos desmandos que se espalhavam na França.
Por sua vez, a Venerável Margarida do Santíssimo Sacramento foi uma peça chave para o desenvolvimento da devoção à Santa Infância do Menino Jesus. Inspirada por Nosso Senhor, criou a Pequena Coroa ou Terço do Menino Jesus, que logo extravasou do seu convento para o mundo exterior.
A Serva de Deus Madre Mechtilde do Santíssimo Sacramento (1614 - 1698), fundadora da Ordem das Beneditinas da Adoração Perpétua do Santíssimo Sacramento, a primeira do gênero no mundo, iniciou a Adoração Permanente na colina de Montmartre (hoje Paris), aconselhada por São Vicente de Paulo. Não era ainda a famosa basílica de Montmartre construída no século XIX. Soeur Marie des Vallées orientou na escolha do hábito desta ordem.
A certa altura da vida de Soeur Marie, surge a figura de São João Eudes, que passou a dirigi-la e, por ela não saber ler nem escrever, anotou todas as visões e revelações que ela recebia de Nosso Senhor e Nossa Senhora.
Por seu apoio à mística, São João Eudes teve que se desligar do Oratório, instituição a que pertencia, e em março de 1643 fundou a Congregação de Jesus e Maria, mais conhecida como Padres Eudistas; fundou ainda a Sociedade dos Filhos do Sagrado Coração da Mãe Admirável, na qual ingressou Marie des Vallées. A confraria voltada para mulheres não casadas que guardavam a castidade no mundo, agiu clandestinamente durante a Revolução Francesa dando refúgio aos sacerdotes “refratários” que não haviam jurado a ímpia Constituição. Também fundou a Ordem de Nossa Senhora da Caridade destinada a mulheres arrependidas que, após a reforma de Santa Maria Eufrásia Pelletier, ficou conhecida como do Bom Pastor. São João Eudes foi um herói da reforma do clero e do povo pela difusão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Ele foi muito perseguido pelo rigorismo jansenista e pela passividade do quietismo, erros que dominavam o corpo episcopal interessado nos benefícios da vida de Corte. Ele foi declarado pelos Papas Doutor e Apóstolo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Os manuscritos de São João Eudes sobre sua dirigida que estavam na casa dos padres eudistas em Paris, a Revolução Francesa fez questão de queimar. São João Eudes tinha dividido a coleção de apontamentos num conjunto de dez volumes que intitulou “A vida admirável de Marie des Vallées” acrescidos de mais dois, que escreveu após a morte de Marie. Então se achou que estavam perdidos para sempre.
Mas São Francisco Xavier de Montmorency-Laval, partindo para o Canadá, do qual imaginava nunca mais retornar, encomendou uma cópia manuscrita dos registros da “santa de Coutances”, como era conhecida Soeur Marie, caligrafados por São João Eudes. Essa cópia histórica foi recuperada em 1894 durante o processo de beatificação de São Francisco Xavier de Montmorency-Laval e enviada aos padres eudistas da França.
São Francisco Xavier de Montmorency-Laval, quando Arcebispo de Québec, no Canadá, lutou como um leão contra a invasão protestante da América do Norte quase sem apoio do governo real. Ele estruturou de tal maneira a Igreja Católica no Canadá, que magotes de heroicos soldados franceses, caçadores de peles e tribos indígenas recém convertidas ao Catolicismo resistiram ao avanço de corpos expedicionários protestantes ingleses de grande envergadura e poder de fogo. Ao mesmo tempo, algo inimaginável acontecia: o Sagrado Coração de Jesus aparecia a uma humilde religiosa de um convento pouco conhecido e enviava históricas mensagens a Sua Majestade, o rei Luís XIV. As mensagens foram comunicadas a Santa Margarida Maria Alacoque, religiosa no convento da Ordem da Visitação em Paray-le-Monial, na Borgonha.
A santa religiosa entregou à sua Superiora as cartas, onde vertia as promessas que tinha ouvido antes, destinadas ao rei com datas de 23 de fevereiro de 1689, 17 de junho de 1689 e 25 de agosto de 1689. O Sagrado Coração se dirigia a Luís XIV lembrando-o de que “seu nascimento temporal fora obtido através da devoção aos méritos da Minha Santa Infância”, segundo o próprio Menino Jesus havia revelado à Venerável Margarida do Santíssimo Sacramento.
O exemplo espiritual transmitido por Sœur Marie des Vallées chegou a São Luís Maria Grignion de Montfort (1673–1716), que o incorporou na essência de seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem e da devoção da Sagrada Escravidão de amor à Mãe de Deus.
Assim, vemos os dois aspectos de Nosso Senhor, sua Santa Infância e seu Sagrado Coração, marcarem todo um século e mais, pois no século XIX uma Santa iria fazer da devoção ao Menino Jesus uma marca profunda na sua espiritualidade: Santa Teresinha do Menino Jesus, com a sua pequena via. Ela adotou o nome de “Teresinha do Menino Jesus” quando recebeu o hábito religioso de freira carmelita.
Santa Teresinha de Lisieux, a “Pequena Flor”, tinha um profundo e permanente amor pelo Menino Jesus. Muitas vezes ela se considerava um pequeno brinquedo nas mãos dele, como escreveu em sua autobiografia: “Faz algum tempo, eu havia me oferecido ao Menino Jesus para ser seu brinquedo. Disse a Ele que não me utilizasse como um daqueles brinquedos caros, que as crianças se contentam em olhar sem se atreverem a tocar neles, mas que me visse como uma bola sem valor, que pode ser jogada ao chão, ou chutada... ou, se desse vontade, ser apertada contra o coração. Em poucas palavras: eu queria divertir o Menino Jesus, agradá-lo, entregar-me aos Seus caprichos de criança”.
Este sentimento permaneceu com ela durante toda a vida. Abaixo, uma breve oração que ela fez ao menino Jesus, uma prece perfeita para o Natal:
Ó, Pequeno Menino Jesus, meu único tesouro, eu me entrego a todas as suas vontades. Não busco outra alegria que não seja o seu doce sorriso. Concedei-me as graças e as virtudes da sua Santa Infância, para que, no dia do meu nascimento no Céu, os anjos e santos possam me reconhecer como Sua pequena esposa. Amém.
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