A própria Mariam contaria muitos anos mais tarde que, como num sonho, lhe parecia ter entrado no Paraíso onde viu a Virgem, os Santos e também os pais, e a Gloriosa Trindade. Ouviu então uma voz que lhe disse: "O teu livro ainda não está todo escrito". Acordando, se encontrava numa gruta onde passou vários dias com febre, sendo assistida por uma jovem senhora que parecia ser uma religiosa e que vestia um véu azul. Esta a atendia, alimentava e fazia dormir. Depois de quatro semanas, aquela senhora conduziu-a a igreja dos Franciscanos, deixando-a lá. Curada, mas só, pois não poderia voltar para sua família adotiva, com o ajuda de um franciscano Mariam se colocou como doméstica a serviço de famílias não abastadas em Alexandria, Beirute, Jerusalém. Nesta cidade fez o voto de castidade perpétua no Santo Sepulcro. Em 1863, a família Nadjar, para a qual trabalhava, se transferiu para Marselha, França, levando-a consigo. Em 1865, Mariam entrou em contato com as Irmãs de São José de Marselha. Tinha 19 anos, mas só parecia ter 12 ou 13. Falava mal o francês e possuía uma saúde frágil, mas foi admitida no noviciado. Sempre disposta aos trabalhos mais pesados, ela passava a maior parte do tempo lavando ou na cozinha. Mas, dois dias por semanas revivia a Paixão de Jesus: Mariam recebia os estigmas (que na sua simplicidade acreditava ser uma enfermidade) e toda classe de graças extraordinárias começaram a manifestar-se. Algumas irmãs ficaram desconcertadas com o que se passava com ela, e, ao final de dois anos de noviciado, não é admitida na Congregação.
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Carmelo de Pau |
Em 14 de junho de 1867, Mariam entrou no Carmelo de Pau (Baixo Pirineus), apresentada por sua antiga mestra de noviciado, Irmã Verônica da Paixão, que declarou: "esta pequena árabe é um milagre de obediência". Em 27 de julho de 1867 tomou o hábito carmelitano adotando o nome de Maria de Jesus Crucificado. A sua condição de analfabeta a colocava entre as conversas e para ela, que aspirava somente servir, assim estava bem. Mas foi decidido colocá-la entre as coristas, e a obrigaram a aprender a ler e a escrever, porém sem sucesso. Em 1870 voltou a ser conversa. Em 1870, com um pequeno grupo de Irmãs, Mariam parte para a Índia, para fundar o primeiro mosteiro de carmelitas daquele país, em Mangalore. A viagem de barco foi uma aventura e três religiosas morreram antes de chegarem. Reforços são enviados e no final de 1870 a vida claustral pode ser iniciada. Os fenômenos extraordinários, que ela procurava esconder, continuaram na terra de missão. Ao mesmo tempo ela era a alma da fundação, enfrentando todos os trabalhos pesados e dando atenção aos problemas inerentes a uma nova fundação. Durante seus êxtases, as irmãs às vezes podiam ver seu rosto resplandecente na cozinha ou em outro local. Mariam participava em espírito dos acontecimentos da Igreja, por exemplo, nas perseguições na China. Parecia estar possuída exteriormente pelo demônio, que a fazia viver terríveis tormentos e combates. A superiora e o bispo, porém, começam a duvidar da autenticidade das manifestações extraordinárias, acusando-a de visionária, de ter uma imaginação oriental muito ardente etc. Apesar das tensões, ela emitiu os votos no término de seu noviciado, em 21 de novembro de 1871. Como as tensões continuassem, ela foi enviada de volta ao Carmelo de Pau em setembro de 1872. As Irmãs que a perseguiram reconheceram mais tarde o seu erro e expressaram o seu arrependimento. Em Pau ela retomou sua vida simples de Irmã conversa, feita de muito trabalho entremeado de episódios prodigiosos. Dom de profecia, ataques do demônio ou êxtases, entre todas essas graças divinas ela sabe, de maneira muito profunda, ser ‘nada’ diante de Deus, e quando fala dela mesma se chama "o pequeno nada", é realmente a expressão profunda de seu ser. Iletrada como era, encantada com a natureza, compunha belíssimas poesias e inventava melodias para cantá-las. É bom frisar que todos os fatos extraordinários são vividos por Irmã Maria com grande humildade e simplicidade. Muitas pessoas a procuravam para serem reconfortadas, aconselhadas, e pedir orações. Em 28 de junho de 1873, pela manhã, a Priora a encontrou sentada em um pequeno banco diante de uma janela aberta: "Madre - ela disse - todos dormem. E Deus, tão cheio de bondade, tão grande, tão digno de louvores, é esquecido!... Ninguém pensa nEle!... Vede, a natureza O louva; o céu, as estrelas, as árvores, as ervas, todas as criaturas O louvam; porém o homem, que conhece seus benefícios, que deveria louvá-Lo, dorme!... Vamos, vamos, despertemos o universo! Jesus não é conhecido, Jesus não é amado!”
A fundação do Carmelo de Belém
Nossa Senhora havia predito que Irmã Maria seria a alma propulsora da fundação de Carmelos na Palestina. A fundação em Belém era algo muito complicado por motivos políticos. O Bispo de Biarritz escreveu uma carta ao Papa Beato Pio IX expondo o projeto das religiosas do Carmelo de Pau e pedindo sua autorização para concretizar a fundação. O Papa apoiava o projeto e aprovou-o. Depois de uma peregrinação a Lourdes, no dia 20 de agosto de 1875, um pequeno grupo de carmelitas embarcou para esta aventura. Irmã Maria de Jesus Crucificado zarpou com elas para o Oriente Médio. Os locais sagrados já estavam nas mãos de muçulmanos e cismáticos. A alegria de estar na Terra Santa foi totalmente ofuscada por esse fato. A alegria de Irmã Maria esvaiu-se. Escreve seu biógrafo, o Pe. Estrate. “Visitando o Cenáculo, onde os muçulmanos fizeram uma mesquita, o rosto de Sóror Maria, que resplandecia de alegria celeste, ficou pálido e abatido; seus olhos tinham uma expressão de dor infindável: “Eu digo a Jesus, contou ela mais tarde: Como, Senhor podeis permitir coisas semelhantes, posto que Vós sois Deus? Ah! Isto é forte demais! Se eu fosse Jesus, jamais suportaria uma tal profanação! Mas logo pedi perdão a Jesus, acrescentando: ‘Senhor, tende piedade de mim, escusai minha ousadia, é meu amor por Vós que me fez soltar esse brado. Se eu fosse Jesus, faria como Vós, eu teria paciência, porque teria em meu coração vossa bondade infinita’. Oh! Senhor, em quantas almas ainda mais abomináveis que esse Cenáculo Vós sois obrigado a descer! Eu compreendo a profanação desse lugar santo pensando em todas as Comunhões indignas e sacrílegas em vossa Santa Igreja!" (op.cit. p. 282) O Senhor mesmo guiava Irmã Maria na escolha do local e na forma de construção do novo Carmelo. Como ela era a única que falava árabe, encarregava-se particularmente de seguir os trabalhos “imersa na areia e na cal”. A comunidade instalou-se no dia 21 de novembro de 1876, enquanto certos trabalhos continuaram. Irmã Maria preparou também a fundação de um Carmelo em Nazaré, viajando até lá para comprar o terreno, em agosto de 1878. Durante essa viagem Deus revelou a ela o lugar de Emaús, o qual foi adquirido. De volta a Belém, retomou a vigilância dos trabalhos sob um calor sufocante. Quando levava aos trabalhadores algo para beber, Irmã Maria caiu de uma escada e partiu um braço. A gangrena avançou muito rapidamente e ela morreu poucos dias depois, em 26 de agosto de 1878, aos 32 anos.
O dom de Profecia
A Irmã Maria recebeu o dom de profecia. Em 1868, a piedosa carmelita anunciava a guerra franco-prussiana que viria em 1870, cobrindo de luto e vergonha a França e dando azo à explosão comunista da Comuna de Paris. Durante um longo êxtase em que ela falou do nada da vida, da cegueira dos pecadores, da perda das almas e dos males da Igreja, disse chorando: “Senhor, tende piedade de nós! Santa Virgem, afastai as desgraças que nos ameaçam. Rezai pela Igreja. A guerra chegará logo, como eu vou rezar pela Igreja!” (Pe. Estrate, op. cit., p. 81) Em 6 de julho de 1870, Nosso Senhor lhe mostrou a trama das forças secretas que querem aniquilar Roma enquanto cabeça da Cristandade e destruir a Igreja. Seu biógrafo, Pe. Estrate acrescenta sobre a narração do martírio do venerável M. Baptifault, sacerdote missionário em Yun-nan, na China, publicada no jornal de Paris l'Univers, em 21 de janeiro de 1875: “Nós já o tínhamos escrito, ditado pela pessoa que o senhor sabe, no dia 17 de setembro de 1874, às 8 horas da manhã, apenas algumas horas após a realização desse drama sangrento, tão longe de nós, em Yun-nan, na China, e sem que nada de humano possa explicar a exatidão do fato e dos detalhes os mais minuciosos aqui ditados a tão grande distância por nossa piedosa vidente” (op. cit., p. 298-299). Na primeira semana da Quaresma de 1876, a santa carmelita teve uma visão que, além de concordar com La Salette, insiste no pedido de penitência feito pela Mãe de Deus em Lourdes e Fátima: “Nosso Senhor tinha em suas mãos um monte de fogo; Ele olhava para a França com uma espécie de compaixão e amor; o fogo escorria e caía entre seus dedos, estava prestes a cair por inteiro, mas o Senhor dizia e repetia: ‘Pede perdão, pede perdão!’ Pobre França, acrescentava ela, pobre França, se ela soubesse, se ela compreendesse, e sobretudo, se ela quisesse! Deus a ama tanto!” (Pe. Estrate, op. cit., p. 291)
Relacionamento especial com Santo Elias
A bem-aventurada carmelita tinha uma relação mística especial com Santo Elias, fundador do Carmelo, que lhe aparecia e lhe dava conselhos. Durante a possessão mencionada anteriormente, ela não podia comer nada, mas “em diversas ocasiões, várias freiras viram frutos misteriosos na boca da noviça. Duas ou três delas tiveram o privilégio de comer deles” (Pe. Estrate, op. cit. p.180-181). Nas anotações do Carmelo ficou registrada esta observação: “Esses frutos tinham a aparência de uma grande amêndoa, seu odor era de incenso e tinham o gosto de plantas aromáticas. Interrogada sobre a proveniência desses frutos, a noviça respondeu: ‘Eles vêm do local onde estavam Adão e Eva: é o fruto de que se alimenta Elias’ (Notas do Carmelo)” (Pe. Estrate, op. cit., p. 181, nota 1). Ela foi beatificada pelo Papa João Paulo II a 13 de novembro de 1983, e foi canonizada a 17 de maio de 2015, em Roma.
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