As tentações de Jesus no deserto mostraram nossa realidade frágil, e deram a certeza da força de que estamos revestidos de Jesus Cristo. Santo Agostinho explica esse momento: “Cristo foi tentado pelo demônio. Em Cristo também tu eras tentado... Se Nele fomos tentado, Nele também vencemos o demônio... Se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer na tentação” (Comentário dos Salmos – CLL39,766). Onde está a vitória de Jesus? Em sua obediência ao Pai. Ele, Palavra de Deus, nutre-Se desta Palavra. Disse ao demônio: “Não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4 – Dt 8,3). Esta Palavra orientará na luta contra o orgulho e na sede do prazer. O tempo da Quaresma é propício para ouvir a Palavra em abundância. Ela é o alimento do tempo de deserto. Quem tem fé na Palavra, em suas dificuldades abre as Sagradas Escrituras e busca o remédio. Na fome e na tentação Jesus se alimentava desta Palavra. Depois que o demônio O deixou, “os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-Lo” (11). Mais do que um drama acontecido entre Deus e Satã num deserto, está o coração do humano Jesus tentado: “Se tu és o Filho de Deus”. Jesus passa por um deserto interior no qual vai formando sua personalidade humana e espiritual. Esses Anjos estão a lembrar de que nas dificuldades temos que ser anjos para os sofredores, principalmente nas crises espirituais. A comunidade é o anjo que abre a Palavra de Deus para orientar. No tempo da Quaresma somos chamados a ouvir a Palavra. Temos também as tentações da ganância, do poder e do prazer desenfreado. O discernimento só acontecerá quando nos abrirmos à Palavra. Sem isso somos engolidos pela voracidade da tentação.
Palavra que instrui
É interessante perceber que a liturgia da Palavra da Quaresma reflete uma fé que se volta ao social, à situação das pessoas necessitadas. Por outro lado a prática religiosa que se tem está voltada para o aspecto devocional mais intimista. A Campanha da Fraternidade corresponde mais à justiça social proclamada por Isaias e Jesus. Já logo no início da Quaresma encontramos o texto do Profeta Isaias ensinando que o verdadeiro jejum é quebrar as cadeias injustas, repartir o pão com o faminto, acolher o pobre... (Is 58,1-9). Jesus, no discurso sobre o juízo final, lido na primeira semana da Quaresma, diz que seremos julgados não pelo aspecto devocional, mas pelo cuidado que tivermos com o pobre, com o sedento, o nu, o prisioneiro, o doente e o peregrino. É a Palavra que nos orientará a viver esta dimensão. Por isso, somente a partir das palavras de Jesus, seus gestos e sentimentos pode-se entender a Palavra de Deus. Os textos da liturgia fazem uma retomada da História da Salvação. Por eles pode-se entender o Mistério Pascal que celebramos. A profecia se realiza em Cristo e na comunidade que celebra. É instrução e celebração.
Palavra memorial
Falamos de memorial. A fé cristã, tendo como o pano de fundo da fé hebraica, tem a dimensão memorial necessária para ajudar entender o que acontece em uma celebração. Jesus, na última Ceia, diz: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Os hebreus, quando celebram a ceia pascal tem esse mesmo conceito. Memória não é uma boa lembrança, mas a atualização do acontecimento a tal ponto que o acontecimento se faz presente. Nós temos a presença pela ação do Espírito Santo. Estamos presentes ao acontecimento. O ato salvador tem a mesma força de salvação do momento realizado. A memória também lembra a Deus suas maravilhas de outrora e pede que renove estas maravilhas.
ARTIGO PUBLICADO EM MARÇO DE 2014
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