segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

HENRIQUE DE OSSÓ y CERVELLÓ Franciscano, Fundador, Santo 1840-1896

“VIVA JESUS. TUDO POR JESUS”

“Tocou-me em sorte uma boa alma”

Assim fala Henrique de Ossó de si mesmo nuns breves apontamentos autobiográficos, escritos à mão e por obediência, quando ainda era muito jovem. E tinha razão ao dizê-lo. Deus concedeu-lhe uma alma boa, um coração bom, bons pais…Henrique soube tornar frutíferos esses dons recebidos. Não teve uma vida fácil. Soube superar as contrariedades na sua adolescência; as dificuldades quando, sacerdote, iniciou e desenvolveu as suas obras apostólicas; suportou as invejas, calúnias e injustiças da parte dos representantes da Igreja, na sua vida adulta e até à sua morte. De tudo isto saiu fortalecido na sua fé, com a esperança posta só em Deus, e um grande amor a todos, inclusive aos seus próprios difamadores. Assim se forjam os santos.
Durante os 55 anos da sua vida foi mestre e catequista e, acima de tudo, sacerdote. Um sacerdote diocesano comprometido com o seu tempo e com o seu meio ambiente mais próximo, mas projectado sempre para todo o mundo, que quase se tornava pequeno para os seus anseios de estender o conhecimento e amor de Jesus. Teve uma mestra de vida espiritual e apostólica: Teresa de Jesus. Quase poderíamos dizer que uma parte da grande Santa de Ávila se encarnou em Henrique de Ossó e lhe infundiu o seu espírito de oração, o amor a Jesus Cristo e, como fruto de ambos, a quantidade de obras apostólicas que levou a cabo durante a sua vida.

Infância e vocação.

Henrique de Ossó y Cervelló nasce em Vinebre, numa pequeníssima povoação da província de Tarragona, Espanha, situado nas margens do maior rio da Península Ibérica: o Ebro, que configura um pouco os habitantes do seu meio, sobretudo nas proximidades onde vai desaguar, Vinebre. Henrique fala da sua família e diz que teve: "bons pais e santos avós". Uma boa referência.
A morte da sua mãe, aos 14 anos, causada pela cólera, deixa-o desolado. Ela dizia-lhe com frequência: "Meu filho, que alegria me darias se fosses sacerdote". Ele respondia-lhe invariavelmente: “Não. Eu quero ser mestre". Pouco tempo depois, seu pai manda-o para Reus, a trabalhar na loja de tecidos, mais importante da cidade. Henrique, enquanto trabalha por detrás do balcão, vai pensando noutros caminhos para a sua vida. Um bom dia deixa umas cartas de despedida e põe-se a caminho do santuário de Montserrat. Ali, diante da Virgem Moreneta, decide o seu futuro: "Encontrei a minha vocação… Serei sempre de Jesus, seu ministro, seu apóstolo, seu missionário de paz e de amor".
E ali, em Montserrat, uns dias depois, o seu irmão encontra-o,e actua como mediador com seu pai para que o autorize a ir para o Seminário de Tortosa.

Seminarista e sacerdote.

Em 1854, a vida em Espanha não ia nada bem para quem queria dedicar-se à causa de Jesus Cristo. Nem os seminários têm a estrutura e o ambiente propícios para o estudo e a preparação que se requer para uma boa formação teológica e espiritual. Henrique vive em casa de Mosén Alabart, um sacerdote da diocese, tem confessor fixo na catedral, a quem recorre habitualmente, estuda com dedicação sob a tutela do Domine Sena, que lhe ensina Latim e algo muito mais importante: introdu-lo no conhecimento de Santa Teresa de Jesus. Em 1856 começa a estudar Humanidades. Nas actas do final de curso, as notas de Henrique em Filosofia e Teologia aparecem sempre com a classificação de "Meritissimus". Henrique, desenha muito bem, esculpe lindas figuras em madeira com uma simples navalha e canta com muito boa voz. Como se ainda fosse pouco, faz parte da Conferência de S. Vicente de Paulo, com os encargos que trazem consigo: reunião semanal, retiro mensal, e visita aos pobres cada semana; assim entra em contacto com as pessoas mais miseráveis de Tortosa. Passa as férias de Verão em Vinebre, na linda casa de seu pai. Ali reza, ajuda um pouco nas tarefas agrícolas e, durante o tempo que habitualmente todos dedicam à sesta, reúne nas amplas caves da casa, frescas e com muita capacidade, todas as crianças do povo para lhes ensinar o Catecismo. Assim começa a sua missão de catequista e de mestre. De tarde leva-as a passear pelos arredores da aldeia. Em cada verão, todas as crianças esperam  ansiosas a sua chegada à aldeia.
Ao terminar os três anos de Filosofia, os seus superiores e a sua família querem que continue os estudos no Seminário de Barcelona, e ali se matricula no curso 1860-61 para frequentar os estudos de Física e Química como discípulo de um catedrático excepcional: o doutor Jaime Arbós. Henrique e Arbós chegam a ter uma boa amizade e este nomeia-o seu adjunto durante algum tempo. A sua família queria que "luzisse" e subisse na escala das honras académicas, mas Henrique só tinha uma única preocupação: preparar-se bem para ser sacerdote e fazer brilhar, não a sua própria pessoa, mas a de Jesus Cristo.
No verão desloca-se a Benicasim, uma povoação costeira da vizinha província de Castellón, onde vivem os seus tios. Ali o seu corpo recupera as forças enfraquecidas pelos esforços do curso. De Benicasim sobe às próximas montanhas do Deserto das Palmas, onde os Padres Carmelitas têm o seu convento. Com a comunidade carmelita recupera as forças do espírito, passa longas horas em oração e reflexão na ermida de Santa Teresa, situada num dos cumes, de onde vê ao longe o mar e um horizonte tão amplo como os seus sonhos apostólicos. Isto vai repeti-lo durante quase toda a sua vida.
Em Setembro de 1861 volta outra vez a Tortosa como aluno do primeiro curso de Teologia, no seminário. Uns meses depois entra na diocese o novo bispo, D. Benito Vilamitjana y Vila. Rapidamente, Henrique de Ossó não será só um seminarista para o bispo, mas o seminarista que é tratado pessoalmente com ilusão e esperança. Contudo, uns anos mais tarde o panorama mudará radicalmente, surgindo as calúnias e a cruz.
Três anos depois volta a Barcelona, para frequentar o seminário, desta vez como interno, o terceiro ano de Teologia. O seminário é dirigido pelos jesuítas, desempenham muito bem a sua missão, buscam bons colaboradores… Henrique admira o reitor, P. Fermín Costa, mas admira, sobretudo o P. Joaquín Forn, homem sábio, bom professor e bom pai espiritual. Henrique coloca-se sob a sua orientação. Os três anos de Teologia tirados em Barcelona foram brilhantes, assim como o seu comportamento moral e disciplinar. Este período é também de suma importância na consolidação da sua amizades com Sardá y Salvany, Andrés Martorell, Casanovas, Manuel Domingo y Sol, Juan Bautista Altés, que duraria toda a sua vida.
Em 1866, quando termina os estudos em Barcelona, o bispo Vilamitjana reclama-o para Tortosa. Não quer que Barcelona lhe roube o seminarista Ossó que - o bispo sabe muito bem - é um seminarista fora de série. Em Tortosa recebe o subdiaconado, a 26 de Maio, e com ele o encargo do bispo de ser professor de Física dos seminaristas; ao mesmo tempo continua os estudos de Teologia. Termina o curso com as notas mais altas e também examina-se em Barcelona, na faculdade civil, onde adquire grau de Bacharel em Artes.
Finalmente, a 21 de Setembro de 1867, em Tortosa, o bispo Vilamitjana ordena-o sacerdote. E a 6 de Outubro, em Montserrat, celebra a sua primeira missa.
Já é sacerdote para sempre.

Sacerdote em Tortosa

Poucos meses depois, em Setembro de 1868, rebenta em Espanha a revolução chamada por uns “la Septembrina”, e por outros “la Gloriosa”, que obriga a Rainha Isabel II a exilar-se em França. Os militares triunfantes, de clara linha anticlerical, põem novas normas no país. O seminário de Tortosa é confiscado e fecha-se, e os seminaristas são enviados para as suas famílias. Henrique passa todo o ano em Vinebre. Após a revolução, Henrique regressa a Tortosa. As consequências da revolução fazem-se notar sobretudo nas crianças, que andam “como ovelhas sem pastor”, imitando o que ouviram e viram durante um ano sem religião e sem norte. É necessário começar com a catequese, encontrar catequistas e dar-lhes a formação adequada. O bispo nomeia  Henrique como director geral da catequese da diocese. Aí começa o seu magistério catequético. O êxito dos seus esforços é grande. Os mesmos meninos que antes cantavam “Viva a soberania nacional”, cantam agora o “Ave-Maria” pelas ruas de Tortosa; em poucos meses são já mais de 1.200. Ossó é um bom estratega, sabe que são as crianças que melhor podem convencer os pais –“pelas crianças à conquista dos homens”-, cria uma associação para o ensino da doutrina cristã, que ele dirige, motiva e planifica. Forma equipa com outros, sacerdotes, seminaristas e leigos. Todos começaram as catequeses com as palavras que serão, para sempre, um “leit motiv” no apostolado de Henrique: VIVA JESUS.
Começámos com alguns jovens seminaristas tão santa obra e, passados alguns dias, reunimos como uns quinhentos entre meninos e meninas. Continuou a sua actividade de forma  progressiva, e ao despedirmo-nos para ir de férias contávamos cerca de oitocentos.
O ano de 70 a 71, foi já mais numerosa a participação, estava mais organizada; ao fazer por S. José uma visita em todas as sessões catequéticas (eram oito) ao santo glorioso para consagrar ao seu coração as crianças, os inscritos não baixaram de mil e duzentos.
Este é o único segredo infalível para obter uma restauração social nos nossos dias: o cultivar a inocência, fazendo-a crescer na ciência de Deus no amor da Religião. Estes meninos, sacerdotes!, que agora vedes com indiferença pelas ruas e praças ouvindo só blasfémias e perversas doutrinas, e vendo escandalosos exemplos, serão um dia pais de família, empunharão os bens do governo de uma cidade, de um povo ou talvez de toda uma nação: e se são educados no temor de Deus, amarão a Religião e os seus ministros, educarão os seus filhos na piedade e florescerá a prática da Religião.
Anos mais tarde, em Março de 1878, criará para as crianças uma pequena obra de apostolado que acompanhará a catequese propriamente dita e à qual pôs o nome de Rebanhito do Menino Jesus.
A sua obra catequética, o seu livro Guia Prático do Catequista, a sua visão transcendente da importância da catequese fez com que, em Novembro de 1998 a Sagrada Congregação declarasse Santo Henrique de Ossó e Cervelló o padroeiro dos catequistas espanhóis. Merecia-o.
Torna-se sumamente difícil resumir cronologicamente, a obra apostólica do sacerdote Ossó. São tantas, realizadas simultaneamente e de tal amplitude que a brevidade de umas poucas páginas resulta insuficiente!
Em 1870 funda, para os jovens camponeses a Pia Associação da Puríssima Conceição. Em 71 um jornal semanal intitulado O Amigo do Povo, em oposição a outro anticlerical intitulado O Homem.
Em Outubro de 1872 aparece o primeiro número da Revista Mensal “Santa Teresa de Jesus”, que Henrique funda e dirige durante toda a sua vida, e que a Companhia continua anos depois da sua morte, a publicá-la com o nome de Revista “Jesus Mestre” até ao ano 2005. Também em 1872 publica o Guia Prático do Catequista, O Espírito de Santa Teresa e uma Novena a S. José.
Um dos seus anos mais plenos é 1873. Funda a Associação de Filhas de Maria Imaculada e Teresa de Jesus, para formar mulheres que, sendo como Maria, leiam e se impregnem do espírito e doutrina de Teresa de Jesus. Essas mulheres serão as que podem construir “um mundo de santos”.
Começa a surgir outra das características de Ossó: a sua confiança na mulher como elemento transformador da sociedade. A Associação expande-se como fogo pela Catalunha, Valência e Aragão e em poucos meses atinge um número de 700 associadas.
Em Julho de 1874 assina a dedicatória do livro mais difundido: O Quarto de Hora de oração, para ensinar a orar. Durante a vida do autor chega a atingir 15 edições, e actualmente continua a editar-se, atingindo já a 58. Em 75 publica um pequeno livro de meditação para crianças intitulado Viva Jesus.
1876 marca a vida de Henrique de Ossó. Uma visita, no ano anterior, aos lugares onde viveu e morreu Santa Teresa de Jesus, põe em movimento a sua inesgotável criatividade.
No mês de Março assina os estatutos da Irmandade Josefina, criada “para levar Cristo aos homens”. Simultaneamente funda o Rebanhito do Menino Jesus, para as crianças. No dia 2 de Abril, naquele ano, domingo da Paixão, sente a forte inspiração de fundar a Companhia de Santa Teresa de Jesus, com a finalidade de tornar Jesus conhecido e amado por todo o mundo, por meio da oração, da educação cristã e do sacrifício da própria vida. Nesse mesmo ano, nove jovens provenientes da associação de Maria Imaculada e Teresa de Jesus comprometem-se a começar o caminho segundo as indicações do Padre Fundador. A Companhia estende-se rapidamente por Espanha, Portugal, América e Argélia, durante a vida de Henrique. Posteriormente ainda mais.
Em 1877 Henrique de Ossó organiza uma peregrinação de milhares de pessoas aos lugares teresianos. Mais de 4.000 peregrinos visitam Ávila e Alba de Tormes. Em Salamanca, com outros admiráveis teresianistas estabelece as bases da Irmandade Teresiana Universal, e alguns dias depois, em Montserrat, escreve o plano dos Missionários de Santa Teresa de Jesus, publicado em 1882.
Em 1879 fazem os votos as primeiras Irmãs da Companhia de Santa Teresa. Henrique dedica-se de alma e corpo à formação dessas mulheres das quais espera que transformem o mundo.
Vai e vem de Tortosa a Tarragona, onde está a primeira comunidade. Ao mesmo tempo, prega, orienta exercícios espirituais às jovens em diversas povoações, continua a dar apoio às várias associações e escreve incessantemente na Revista Santa Teresa de Jesus. Viaja a Portugal e a Orán para fixar ali a Companhia. Prepara, juntamente com algumas personalidades eclesiásticas de Espanha, o Terceiro Centenário da Morte de Santa Teresa.
A actividade imparável de Henrique de Ossó assenta e tem o seu fundamento na vida de união com Jesus Cristo e nos ensinamentos de Teresa de Jesus.
Quantas vezes me perguntei a mim mesmo: O que é que passa no meu interior? O que é que observo no meu coração? De onde me nasceu essa força irresistível, nunca sentida, que impetuosamente me empurra a conhecer e a seguir o caminho da virtude unido à forte coluna da oração? De onde vem, que me sinta vivamente impelido a professar mais carinho a tudo o que é belo e grande na nossa pátria, e seja verdadeira jóia religiosa nacional? Que é isto? De onde dimana? Depois de reflectir respondo: Tudo é obra da Virgem avilesa.
A Oração diária, os exercícios espirituais em cada verão, os dias de descanso espiritual no seu queridíssimo santuário de Montserrat…são para ele uma fonte inesgotável de riqueza interior, de amor de Deus experimentado, vivido e expresso em obras apostólicas para o crescimento do Reino. Só desde essa vertente orante se pode explicar a sua incessante actividade e a sua profundidade espiritual.

Com a cruz sobre os ombros…

A vida nunca é fácil. Mas na vida dos eleitos de Deus é costume aparecer invariavelmente a cruz. Certamente porque “o discípulo não é mais do que o Mestre”.
Henrique de Ossó experimentou a cruz durante dezassete longos anos, e de facto morreu crucificado.
A história começa no dia 12 de Outubro de 1877, com a inauguração do convento das Carmelitas Descalças vindas para Tortosa a pedido de Henrique de Ossó. O solar está cedido por uma senhora a Henrique e a outros amigos sacerdotes; o convento foi construído com esmolas conseguidas principalmente através daRevista Santa Teresa e por pedidos de Ossó. No ano seguinte, 1878, junto ao convento, coloca-se a primeira pedra do edifício que há-de ser a Casa Mãe e o Noviciado da Companhia de Santa Teresa de Jesus, com grande alegria por parte de todos: Bispo, sacerdotes amigos, Carmelitas descalças…
A 12 de Outubro de 1879, precisamente um ano depois, as Irmãs da Companhia tomam posse do edifício, ainda em construção, começam a viver nele. No dia seguinte as Carmelitas Descalças apresentam um recurso à Provedoria de Tortosa pelos “graves danos que a Casa Madre da Companhia lhes causa”. Começa, desta forma um longo litígio judicial que continuará ainda depois da morte de Henrique de Ossó que terminará com a destruição da Casa Mãe e a devolução do solar em questão.
O que passou? O que aconteceu depois? A razão e a experiência provam que muitas pessoas são inconstantes nos seus afectos, influenciáveis nas suas conclusões…Outras consentem sentimentos como a inveja, o desagrado pelas alegrias dos outros, os desejos por ocupar os primeiros lugares, de ser os mais valorizados e apreciados…Alguns são cobardes e temem manifestar-se em defesa dos que são traídos, curvam-se perante a imposição dos mais fortes, ou querem fazer valer a sua própria autoridade por cima de tudo e de todos, até mesmo da justiça mais elementar…Uns poucos desonestos e corruptos, ocultam provas, falsificam documentos e fazem qualquer coisa para que prevaleçam os seus interesses e não os da justiça. 
Tudo isto conduz ao pleito, ou melhor dito, aos pleitos que sucessivamente Henrique de Ossó viveu nos seus últimos dezasseis anos da sua vida. Primeiramente, na Diocese de Tortosa e seguidamente no Tribunal Metropolitano de Tarragona; no tribunal Pontifício de Madrid e finalmente no tribunal Pontifício de Roma.
Acusam-no as Carmelitas, acusam-no alguns dos seus próprios amigos, até o Bispo, de se ter apropriado do que não lhe pertence: o enorme solar onde se encontra o convento das Carmelitas e onde se construiu a Casa Mãe e Noviciado da Companhia de Santa Teresa de Jesus. É algo que não tem explicação.
Ossó recorre uma e outra vez às sucessivas instâncias, não por teimosia mas porque crê que deve defender o que não é seu: o direito de construir naquele solar (no qual ele pessoalmente não tinha querido construir naquele momento) e os dotes das Irmãs da Companhia aplicados na construção do edifício. A parte oposta tem na sua mão o poder e aplica-o mal: Voltam-se para a pessoa de Henrique e para a Companhia de Santa Teresa de Jesus com tal rancor que se torna visível nas palavras aplicadas em muitas ocasiões e nas acções manifestamente injustas, como é o interdito a que submetem a Casa Mãe e o Noviciado durante dois anos. O Bispo Vilamitjana, antigo amigo, que sempre entusiasmou e abençoou as obras apostólicas de Henrique, que o animou a continuá-las…volta-se contra ele e chega a destruir a sentença favorável emitida pelo Tribunal Metropolitano de Tarragona obrigando a substituí-la por outra desfavorável. A seguir, os documentos onde se prova a boa fé de Henrique no pleito, a rectidão do seu agir e a injustiça daqueles que o acusam, desaparecem misteriosamente ao chegar às altas instâncias do Vaticano. Uma mão negra coloca-os onde não é fácil chegar para que não se possam encontrar, aparecerão passado quase um século. Os advogados que defendem Henrique de Ossó aconselham-no a que ponha o pleito em tribunal civil, assegurando que sairá vencedor. Nunca o fez. Não pode denegrir a Igreja que ama de todo o coração.
Surge outra cruz talvez mais dolorosa. A menina dos seus olhos, a sua Companhia de Santa Teresa de Jesus, por quem entrega tudo o que tem, tanto a sua pessoa como os seus bens, quer voar só e, como não está preparada, afunda-se na rejeição e oposição ao seu Padre e Fundador.
Henrique de Ossó tem umas frases que não são só frases, mas sim verdades vividas quando carregava a cruz sobre as suas costas: “Tudo isto é contradição de bons” e “nenhuma adversidade nos destruirá se não nos dominar a iniquidade”. Ele não experimenta a iniquidade, mas uma enorme dor juntamente com uma grande paz interior. Repelido, julgado e condenado por quem mais ama: a Igreja. Afastado de quem lhe deve a vida: a Companhia de Santa Teresa de Jesus.
É nestas circunstâncias que a morte o surpreende, em 1896.
Durante esses anos escreveu muito. Além dos artigos na Revista Santa Teresa de Jesus, escreve: Devoção dos Sete Domingos a S. José, Mês de Santa Teresa de Jesus, Novena a Santa Teresa de Jesus, Constituições, Plano Provincial de Estudos, e outros escritos para a Companhia de Santa Teresa de Jesus, Tríduo em honra de Santa Teresa de Jesus, o dia 15 de cada mês, em honra de Santa Teresa, Regulamento para as Filhas de Maria Imaculada e Teresa de Jesus, o Tesouro da Juventude, Devocionário, Três Florinhas a Nossa Senhora de Montserrat, Catecismo dos operários e dos ricos, tirado à letra da Encíclica do Papa Leão XIII de De opificum conditione, o Devoto Josefino, Ramalhete do Cristão, O Tesouro da infância, Um Mês na Escola do Coração de Jesus, Regulamento do Menino Jesus, Sete Moradas no Coração de Jesus, Tributo amoroso a São Francisco de Sales, Maria no Coração dos seus Filhos, Apontamentos ou pequeno tratado da vida mística segundo a doutrina de Santa Teresa de Jesus, Novena ao Espírito Santo…A lista não está completa porque ainda faltam pequenos livros que não se enumeram para não se tornar maçador.
Cansado fisicamente e espiritualmente, mas nunca derrotado, refugiou-se no convento franciscano de Gilet (Valência), no mês de Janeiro de 1896. Na sua cabeça e no seu coração há ainda mil projectos para realizar para tornar vivo o lema que preside a todas as suas obras: “Viva Jesus. Tudo por Jesus”. Ele já deu tudo por Jesus, mas não o sabe. O TUDO tornar-se-á realidade na noite de 27 de Janeiro. Nesse dia fez uma completa e sentida confissão com um dos Padres Franciscanos. Antes de se retirar para descansar comentou com um irmão da comunidade: “Que céu tão belo, irmão! Se por fora é assim, o que não será por dentro? Poucas horas depois, Deus veio buscá-lo para que conhecesse esse céu tão belo e do qual sentia nostalgia.
É enterrado no cemitério dos Franciscanos, como qualquer um dos frades, sem nada que lhe pertencesse. No dia seguinte, quando souberam a notícia, chegam as Irmãs da Companhia. Anos mais tarde, destruída já a Casa Mãe da Companhia e construído o novo Noviciado em Tortosa, a Companhia faz a trasladação dos restos mortais do seu Padre Fundador para a capela do edifício, onde actualmente repousam.
Depois de um longo processo para a beatificação e canonização, aparecem, por fim, quase milagrosamente, os documentos comprovativos da sua integridade, da sua abnegada fidelidade à justiça e do seu amor pela Igreja. Henrique de Ossó e Cervelló é declarado SANTO por João Paulo II, em Madrid, em 16 de Junho de 1993. “Ditoso o homem que teme o Senhor”.
Pilar Rodríguez Briz, stj

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