Ter um pároco negro em 1852, no auge da escravidão no Brasil, bem demonstra os grandes passos que já se davam no povo de Deus e na Igreja antes de existirem as leis que acabariam com o flagelo da escravidão no nosso país.
Filho de Dona Lourença Justiniana de Jesus, o menino Francisco de Paula Victor foi batizado oito dias após o seu nascimento pelo padre Antônio Manoel Teixeira. Escravo, Victor não viveu como escravo. Graças a Senhora Marianna Bárbara Ferreira, que dava dignidade para os seus escravos, tomou o menino Francisco como afilhado e sob a sua generosidade o proveu de leitura, o ensinou a escrever, a tocar piano e a aprender ao francês, tendo como preceptor o Reverendo Padre Joaquim Ferreira de Coimbra, conhecido como Padre Mestre.
Francisco de Paula Victor foi alfaiate. Com a ajuda de sua madrinha Dona Marianna Bárbara Ferreira, o Padre Antônio Felipe de Araújo, então pároco da Campanha da Princesa da Beira informou ao Bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, que o jovem Francisco de Paula Victor queria entrar no Seminário, mesmo sabendo que naquela época havia algumas dificuldades por causa de sua cor e por ser filho de pai desconhecido, ou seja, filho “de mãe solteira”. Mas, Dom Viçoso superou todas as dificuldades canônicas e acolheu o jovem candidato no Seminário São José, na episcopal cidade de Mariana, para onde se dirigiu a de cavalo, chegando em 05 de março de 1849.
O Diácono Francisco de Paula Victor foi ordenado no dia 14 de junho de 1851, com a idade de 24 anos. A sua primeira missa foi cantada pelo Padre Victor na sua natal cidade da Campanha, onde permaneceu por cerca de um ano, até que chegou a notícia de sua transferência para Três Pontas, quando foi nomeado pároco em junho de 1852.
Conta-se que: À época em que o padre negro chegava em Três Pontas, a vila reunia em sua maioria fazendeiros que faziam riqueza com o trabalho dos escravos. E se no seminário, onde Deus é chamado todos os dias, a reação em aceitar um padre negro foi difícil, em Três Pontas ela poderia ter se tornado uma tragédia. Ele também não foi bem recebido em Três Pontas. O povo simples o aceitava bem, mas os graúdos… Por exemplo, o visconde de Boa Esperança falava: ‘nós pedimos um padre sábio, um padre bom e manda aqui um negão’. Mas Padre Victor foi para amar o povo e perdoar os inimigos. E foi preciso muita sabedoria e persistência para derrubar o grande preconceito que havia na época. Ele passou por agressões, missas rezadas para uma igreja praticamente vazia, piadas ofensivas. Mas a bondade e a caridade que o religioso continuou a dedicar aos moradores da vila, apesar de todas as humilhações, pouco a pouco conquistou até os fazendeiros mais ricos da região e ele passou a ser conhecido como o lendário padre negro de Três Pontas.
Alguns traços da personalidade do Padre Victor são dignos de muita atualidade: a sua voz grave e de sua personalidade rígida, justa, porém bondosa. Padre Victor morava em um casarão simples e vivia praticamente de doações. À medida que a estima por ele aumentava, também aumentava o que lhe era doado. Mas nada a ele pertencia. Conta-se que um homem pobre foi a Padre Victor com o estômago vazio pedir o que comer. Victor havia acabado de se encontrar com um dos muitos fazendeiros que passaram a frequentar a igreja após se admirar com o padre negro, e dele ganhou uma quantia de réis para ajudar na paróquia. O envelope com o dinheiro estava no bolso do religioso, e sem pensar, ao ouvir o pedido do homem, o entregou tudo. Quando o pedinte viu a grande quantia que estava no envelope, voltou correndo para devolver a maior parte e só ficar com o suficiente para comer. Em sua cabeça, o padre se enganou ao lhe dar tanto dinheiro. Mas Padre Victor disse: “eu já lhe dei o que tinha e não quero de volta. Fique com tudo”.
As crianças o adoravam. Em determinado momento, Padre Victor resolveu profissionalizar a educação e fundou uma escola, a primeira de Três Pontas. Ali reuniu filhos de gente simples e gente rica para aprender de professores que trouxe de fora e dele mesmo. Deu aulas no Colégio Sagrada Família até quando a saúde dele permitiu. Logo depois, iniciou a reforma da capela para se tornar a Igreja Matriz de Nossa Senhora D’Ajuda, até hoje em pé em Três Pontas, e onde estão imunados seus restos mortais.
Mas para tornar esses planos realidade foi preciso muito dinheiro. Mesmo precisando investir nas duas obras, Padre Victor não diminuiu seu lado caridoso e continuou dando tudo o que tinha para todos. De repente, o dinheiro começou a faltar e as dívidas se acumularam.
Uma denúncia foi feita ao Bispado de Mariana sobre os títulos não pagos (ainda) pelo padre de Três Pontas, e Victor foi chamado a prestar contas ao bispo. Conta-se que ao chegar à sala de Dom Viçoso, seu velho padrinho, Victor colocou seu chapéu na parede e ele permaneceu dependurado, mas no lugar não havia gancho para segurar o chapéu.
Triste com sua desorganização financeira, Padre Victor voltou para Três Pontas com uma decisão drástica: iria pedir demissão da paróquia já que um grande mal havia feito (sem querer) para aquela comunidade. Os moradores se espantaram com a possibilidade de perder o pároco querido e resolveram fazer algo.
Conta-se que em uma noite se reuniram todos na porta da casa do padre e lhe entregaram um envelope com todas as suas dívidas quitadas. O povo mesmo reuniu dinheiro para isso e o fizeram prometer que não deixaria Três Pontas.
Ali, naquela cidade bonita do abençoado Sul de Minas, solo sagrado que germina santos para a Igreja Católica, Padre Victor permaneceu por 53 anos até deixar este mundo, com odores públicos de santidade. Morreu, piamente, no dia 23 de setembro de 1905 após ter um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
O Beato Padre Victor foi elevado às honras dos altares em 14 de novembro de 2015.
O milagre para sua beatificação:
A professora Maria Isabel de Figueiredo sonhava ser mãe, mas não podia engravidar. Foram dois anos de tratamentos e muitas desilusões, até que ela pediu ajuda a Padre Victor durante uma novena. “Eu pedi na novena de 2009 para o Padre Victor que intercedesse a Deus para que eu engravidasse, já que era meu sonho ser mãe. E também, como é tradição na novena, que escreva um pedido e o padre sempre fala que esses pedidos são queimados, no último dia da novena, e que a fumaça é levada aos céus. Então eu escrevi o pedido, com muita fé, acreditando que um dia eu poderia receber essa graça. E em agosto de 2010 me veio a notícia que eu estava grávida sem nenhum tratamento”, conta. E contrariando as previsões médicas, mais uma vez, ela espera agora por outra filha. “Essa gravidez é a comprovação da cura, do milagre que eu recebi porque mais uma vez, sem tratamento nenhum, estou grávida esperando mais uma menina. Graças ao Padre Victor”, agradece a professora.
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