No dia 22 de janeiro de 2016 o Papa Francisco concordou com a beatificação da Venerável Serva de Deus Elisabetta Sanna, uma leiga professa da ordem terceira do Apostolado católico fundado por São Vicente Pallotti. A beatificação aconteceu em 17 de Setembro de 2016 na Sardenha, onde nasceu a “mãe Sanna” – como é chamada a beata.
Elisabetta nasceu, no dia 23 de abril de 1788, na Ilha de Sardenha. Era filha de Salvatore Sanna e Maria Domenica Lai, ambos agricultores, de viva e profunda fé cristã. Tiveram sete filhos, sendo três mulheres, das quais só sobreviveu Elisabetta, e quatro homens, sendo que o primogênito faleceu e o terceiro tornou-se sacerdote.
Naquela região da Sardenha houve uma grande epidemia de varíola, que atingiu a maior parte das crianças. Elisabetta tinha três meses de idade e foi também atingida. Sobreviveu “graças” a uma cirurgia que lhe retirou os nervos dos braços, deixando seus braços “travados” na altura do peito. Podia apenas movimentar os pulsos e os dedos. Daí o testemunho de muitos que a conheceram: sua natural incapacidade de lavar-se o rosto, de pentear-se o cabelo, de assoar o nariz, de fazer o sinal da cruz ou de poder tomar o alimento somente com o auxílio de uma colher ou de um garfo presos a um bastonete, que com muita dificuldade e maestria o fazia chegar à boca.
Elisabetta foi crescendo dentro do clima muito religioso de sua família e de sua paróquia, dirigida por longo tempo por seu tio, Pe. Luís Sanna Soggia. Recebeu a primeira comunhão e acompanhava com muita devoção as cerimônias litúrgicas e as frequentes visitas de sua mãe à igreja, bem como suas orações, jejuns e vigílias.
Com quinze anos já era catequista e costumava reunir suas colegas na igreja paroquial, à tardinha, para a oração do terço ou da via-sacra. Apesar de sua deficiência, nunca foi ouvida lamentar-se de uma tão grande miséria. Pelo contrário, falava como se fosse uma misericórdia de Deus”.
Aos quinze anos, pensando em seu futuro, Elisabetta desejava seguir a vida religiosa e se imaginava no mosteiro de Santa Elisabetta. Nela era clara a ideia de não casar. Sua mãe, porém, tinha outros planos, pois, segundo ela: nenhum convento a aceitaria com aqueles braços deficientes; nenhuma cunhada quereria ocupar-se dela, quando sua mãe morresse; sozinha, como poderia enfrentar a vida? Portanto, deveria casar!
Por incrível e por mais estranho que pareça, Elisabetta recebeu três propostas de casamento.E, embora não pensasse em casar, por obediência e insistência de sua mãe (às vezes até violenta, conforme as testemunhas) e de seu confessor, aceitou o casamento como disposição divina. De fato, aos 13 de outubro de 1807, com 19 anos, Elisabetta casou com Antônio Porcu “para condescender aos conselhos da mãe e do confessor, ao qual era muito obediente, pois via nele a manifestação da vontade de Deus”.
A respeito de Antônio Porcu, Pe. Antônio Luís, irmão de Elisabetta, atestou: “ era um boníssimo cristão, trabalhador e bom pai de família. Tinha quase seis anos a mais de Elisabetta. Era de lindas feições, sadio e robusto”. A própria Elisabetta teria dito, após a morte dele: ”Eu não era digna de tal marido. Tão bom que era!”
Tiveram sete filhos, dos quais cinco sobreviveram. Viviam em perfeita harmonia, de tal forma que serviam de modelo e de bom exemplo. Elisabetta, apesar de sua deficiência, conseguia fazer tudo em casa, inclusive o pão. Sua casa estava sempre limpa e ordenada. O próprio marido, quando seus companheiros caçoavam dele, dizia: “Minha mulher não é como as vossas. Elisabetta tem todas as características de uma mulher santa...” Apesar da impossibilidade de carregar os filhos ao colo ou de abraçá-los, conseguiu criá-los com muito carinho.
Com apenas 18 anos de casados, em 1825, faleceu-lhe o marido, de um mal repentino e grave. Deixou para Elisabetta o cuidado dos cinco filhos, que tinham entre 17 e 3 anos de idade. Ela não perdeu o ânimo. Pelo contrário, acreditava entender o plano de Deus: agora, depois da riquíssima experiência da vida conjugal, as portas se abriam para a tão sonhada consagração religiosa, pelo “voto de castidade perpétua”, que de fato se concretizou, em 1829, diante de seu confessor.
Seu irmão, Pe. Antônio Luís, foi quem passou a ajudá-la no cuidado dos filhos e a responsabilizar-se por sua educação e por seu futuro.
Na Quaresma de 1829, esteve em Codrongianos Frei Luís Paulo de Ploaghe, um franciscano que conhecia a Terra Santa. Em diversas pregações falou sobre os Santos Lugares e Elisabetta ficou de tal forma impressionada que decidiu conhecer os “lugares banhados pelo sangue do Redentor”. Nos primeiros meses de 1830, dirigiu-se ao seu confessor, Pe. José Valle, e lhe expressou o desejo ardente de ir à Terra Santa. Este mostrou-lhe os perigos e os imprevistos de uma viagem tão longa e lhe mostrou a inconveniência de deixar os filhos sem mãe. Ela o escutou e lhe obedeceu, mas, em julho do mesmo ano, voltou a fazer o mesmo pedido ao Pe. Valle que, por fim, decidiu deixá-la ir e se ofereceu para acompanhá-la.
O argumento, que mais tarde Pe. Valle aduziu em favor da partida de Elisabetta à Terra Santa, foi o seguinte: sua ida à Terra Santa não só não era um prejuízo para a família, mas, pelo contrário, um bem, pois aquela família, passando aos cuidados de seu irmão Pe. Antônio Luís, teria um futuro melhor... Para Elisabetta, na verdade, tornara-se quase uma obsessão ir à Terra Santa, pois sua vida estava por demais voltada às coisas de Deus e ao permanente desejo de consagrar-se totalmente a Ele, desde sua infância. Era a voz de Deus a falar-lhe bem alto. Agora decidiu segui-la.
Aos 24 de junho de 1831, juntamente com seu confessor, Pe. José Valle, Elisabetta partia em direção à Terra Santa. No dia 29 desembarcaram no porto de Gênova, à espera de um outro barco que os levaria naquela direção. Logo apareceu um que iria até Chipre. Ao apresentar seus passaportes, foi-lhes dito que necessitavam do visto do Ministro de Turim, e isso levaria um mês... Não teriam dinheiro suficiente para permanecer um mês em Gênova e então decidiram ir a Roma. “Eis aqui - diz Pe. Valle - a manifestação da Divina Providência: vamos a Roma e de lá, se os céus quiserem, partiremos para a Terra Santa!”
A viagem durou de 9 a 23 de julho, em carroça, carreta, a pé, entre fome, sede e o sol quente do verão europeu. Uma verdadeira aventura, sobretudo para uma deficiente. Ao longo da viagem, visitavam cidades, igrejas, santuários e outros lugares santos, como Cássia (Santa Rita).
Ao chegar a Roma, Pe. Valle conseguiu logo ser capelão do Hospital de Santo Espírito. E Elisabetta? Pe. Valle conseguiu para ela um quartinho, no último piso de um casarão paralelo à fachada da Igreja de Santo Espírito, junto à rua que conduz às colunas da Basílica São Pedro. Além disso, deixou-lhe algum dinheiro e, sempre que podia, visitava-a e levava-lhe algum alimento, até que ela mesma conseguisse arranjar-se sozinha. Diga-se de passagem: Elisabetta era analfabeta e só sabia falar o sardo, dialeto da Sardenha, que ninguém em Roma entendia, a não ser um ou dois confessores do Vaticano.
Ao encontrar esse lugar para Elisabetta, Pe. Valle a recomendou a algumas senhoras, que moravam em quartos vizinhos, e dela se fizeram amigas. Ela, por sua vez, com sua maneira edificante de portar-se, atraiu logo a simpatia delas, de tal forma que em seguida a levaram a visitar igrejas, a assistir programações religiosas...
Seus dias transcorriam entre visitas a igrejas, muitas missas diárias na Basílica ou em outras igrejas que havia nos arredores, adoração ao Santíssimo Sacramento, novenas, via-sacras, visitas a doentes e a pobres, bem como o cuidado das coisas e das roupas do Pe. Valle, que em pouco tempo teve que deixar a capelania do Hospital do Santo Espírito. Era para ele mãe e irmã: cozinhava, lavava a roupa, confeccionava meias e barretes etc.
Por diversas vezes e por insistência de seus familiares, particularmente de seu irmão Pe. Antônio Luís, com quem mantinha frequente correspondência, através do Pe. Valle, que por sua vez seguia as instruções do Pe. Loria - o confessor de Elisabetta, em Roma, que entendia o sardo - esteve por retornar à sua família, em Codrongianos, ao menos para ver seus filhos. Infelizmente, ao propor-se, logo adoecia e não tinha condições de viajar. A última tentativa foi quando o Dr. Petrilli, diante da possibilidade de ela empreender tal viagem, obrigou-se a responder em consciência: “Sofrendo há muito tempo de uma molestíssima palpitação, sou de opinião que, empreendendo uma outra viagem semelhante à anterior (da Sardenha a Roma), poderia ir ao encontro de um mal-estar ainda pior”. Tanto ela como seu confessor entenderam como vontade divina que permanecesse em Roma para sempre.
O encontro com Pallotti teria começado provavelmente em 1832, quando, tendo ouvido muito falar dele e de sua santidade, desejou tê-lo como confessor. A primeira confissão aconteceu na igreja das Graças, na festa do Redentor. Este fato marcou a trajetória de 18 anos de orientação espiritual (até a morte de Pallotti) e de amizade entre Sanna e Pallotti. O incrível é que Pallotti não conhecia o sardo (única língua que Elisabetta falava) e no entanto ele a entendia e se fazia entender por ela.
A ideia de voltar a Codrongianos, imaginando que sua família estivesse precisando dela, continuava a persegui-la, embora soubesse que sua saúde não lhe permitia tal viagem. Certo dia Pallottti lhe disse: “Coragem, filha! A tua família não tem necessidade de ti. Ao contrário, será a maravilha e a inveja de toda a vila”. A profecia se realizou, pois o irmão sacerdote lhe escreveu que estava maravilhado e edificado com sua família, que servia de exemplo a toda a vila e fazia inveja a todos...
Até 1839 Elisabetta se ocupou do Pe. Valle, que depois retornou à Sardenha. Ocupava-se igualmente do Cardeal Soglia, cuidando dele todos os dias e todo o dia. Deixada a Casa Soglia, passou a se ocupar em tudo da instituição dos Sacerdotes da Missão Católica, fundada por Pallotti. Trabalhava para eles e para as Palotinas. Cuidava dos paramentos sagrados da liturgia e das toalhas dos altares. Com Dona Rinaldi, que era como uma irmã para ela, fazia as orações e os exercícios de piedade e, muitas vezes, as refeições. Dona Rinaldi ajudava-a na limpeza do quarto e em sua higiene pessoal. Enquanto isso, Elisabetta “era ao extremo compassiva com os pobres, ajudava-os o quanto podia, dando-lhes quase tudo o que recebia da caridade do povo. Visitava os doentes nos hospitais e especialmente naquele de San Giacomo, instruindo-nos na Doutrina Cristã e motivando-os a receberam os sacramentos. Procurava acabar com as discórdias nas famílias”.
Pallotti havia aberto um orfanato para meninas em Santa Ágata e outro na Ladeira de Santo Onofre, no Gianícolo, além de quatro escolas noturnas para artesãos, e Elisabetta fez seu todo o apostolado do seu Diretor Espiritual (Pallotti), com o qual propunha “reavivar a fé com todos os meios oportunos e reacender a caridade em todo o mundo a fim de que acontecesse, quanto antes, segundo o desejo de Jesus Cristo, um só rebanho com um só Pastor”.
Pe. Rafael Melia atestou dela: “Não existia nela nenhum apego à sua vontade, nenhum interesse próprio. Nunca agia por conta própria ou por sua vontade, mas somente para cumprir a vontade de Deus, que lhe vinha manifestada na obediência” (ao seu Diretor Espiritual).
Em 1850, morre Pallotti. Em 1857, morre Elisabetta. Sua morte foi precedida de uma febre muito forte e de uma inflamação no peito, de que sofria frequentemente e que suportava com “admirável resignação e paciência”.
Era 17 de fevereiro de 1857. Estava presente à sua morte apenas o Vigário Cooperador da Basílica São Pedro. Nenhum de seus amigos e amigas. A esse respeito diz Pe. Amoroso: “Uma morte na solidão e na mais extrema pobreza... Mas alguma coisa começou a ressoar por longo tempo”.
Seu corpo ficou exposto por dois dias, sobre tábuas, na entrada do edifício onde estava sua pequena habitação. Durante os dois dias, foi grande a afluência de gente de todas as classes sociais. Muitos diziam: “Morreu Santa Elisabetta!” “Morreu a Santa!”...
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