Glória da Ordem Dominicana
Irmão leigo dominicano contemporâneo de São Martinho de Porres, e como ele notável pela caridade e pelo dom de milagres
São João de Macías nasceu em Rivera del Fresno, diocese de Badajoz, na agreste Extremadura espanhola. Era rei o grande Felipe II, e Papa Gregório XIII. Sua família era pobre, mas abundante em bens espirituais e dons da graça.
João Macías perdeu seus pais muito cedo. Ele e a irmã foram criados por um tio. Assim que atingiu a idade da razão, foi-lhe confiado o cuidado do rebanho de sua casa. Espírito metafísico, desde pequenino ocupava seu tempo em rezar e meditar. Suas preces eram agradáveis a Deus.
Poço de São João Macias, em Rivera del Fresno, sua cidade natal
Certo dia apareceu-lhe um menino de extraordinária beleza, que lhe disse: “Eu sou João Evangelista. Deus confiou-te à minha guarda por causa de tua piedade. Não tenhas, pois, medo algum”. O Evangelista disse-lhe também que algum dia o menino partiria para terras remotas, onde haveria de ser erigidos templos e altares em sua honra.
Como João Macías ignorava quem fosse propriamente São João Evangelista, este lhe apareceu novamente alguns dias depois, e transportou-o ao Céu, dizendo que era a sua pátria. Depois disso continuou a aparecer-lhe com frequência e com ele conversar.
Mudança da Espanha para o Novo Mundo
Entretido com Deus e seus santos nessa vida recolhida, virtuosa, calma e aprazível, João Macías acabava de completar 20 anos de idade. Em 1619, levado por um impulso interior, foi para Jerez de la Frontera e depois para Sevilha, então a cidade comercial mais inquieta da Espanha, de onde partiam as grandes empresas para o Novo Mundo. Lá entrou para o serviço de um mercador que fazia negócios nas Américas, acompanhado-o numa de suas viagens. Esta durou 49 dias, atracando finalmente o navio no porto de Cartagena de Índias, ao norte da Colômbia. Ali o mercador, sob o pretexto de que João Macías não era suficientemente instruído para o serviço de que necessitava, abandonou-o à sua própria sorte.
O que fazer? Não tendo outra profissão que a de pastor, pouco comum na América, João Macías ficou “ao Deus dará”. Levado mais uma vez por um impulso interior decidiu ir para Lima, capital do vice-reinado do Peru.
Foram 900 léguas percorridas a pé ou em lombo de burro através das solidões, passando por privações incríveis, até chegar a seu destino depois de quatro meses e meio de viagem.
João Macías dedicou-se então ao trabalho no campo nos arredores de Lima durante dois anos.
Irmão leigo na Ordem de São Domingos
O tempo passava, João Macías estava para cumprir 36 anos e ainda não encontrara sua vocação definitiva. Foi então que o Céu o inspirou a entrar na Ordem dominicana como irmão leigo.
Na capital do vice-reinado do Peru as vocações eram tantas que existiam dois conventos dominicanos — o de Santa Maria Madalena e o de Nossa Senhora do Rosário —, ambos com uma centena de frades. João Macías seria a glória do primeiro, enquanto que, no de Nossa Senhora do Rosário, São Martinho de Porres já brilhava por seus milagres.
No noviciado, João Macías foi modelo de observância. Julgado digno de fazer a profissão solene, esta ocorreu no dia 23 de janeiro de 1623. Foi então designado para a portaria do convento, apesar de sua propensão para a vida contemplativa. Durante 20 anos esse foi o teatro de sua ardente caridade.
Começou então a trilhar a via das mortificações e austeridades. Não concedia a seu corpo senão o absolutamente necessário para não morrer. Disciplinava-se diariamente, passava em oração quase todas as noites, e levava rudes cilícios. Sua cela era muito pobre: um estrado de madeira coberto com couro de boi por cama, uma cadeira rústica e uma arca. O único adorno do aposento era uma tela representando Nossa Senhora de Belém.
A íntima união com Deus deste irmão leigo manifestava-se em fatos extraordinários. Por exemplo, no momento da elevação da Sagrada Hóstia, na Missa conventual, ele não precisava estar presente para adorar a Deus-hóstia, pois contemplava milagrosamente da portaria o que se passava na igreja, apesar das várias paredes intermediárias.
Comunicação com o Céu e com o Purgatório
Certa noite em que a comunidade rezava o ofício no coro, o convento foi sacudido por violento terremoto. Os religiosos correram para o jardim do claustro, considerado como o lugar mais seguro. Frei João corria também quando uma voz, vinda do altar de Nossa Senhora do Rosário, chamou-o pelo nome: “Frei João, aonde vais?”. Respondeu ele: “Estou fugindo, como os demais, dos rigores de vosso divino Filho”. Nossa Senhora então lhe disse: “Regressa e estejas tranquilo, pois aqui estou eu”. Voltando para junto do altar, Frei João Macías pediu fervorosamente à Virgem que se compadecesse do povo cristão. Imediatamente cessou o tremor de terra.
Certa noite em que rezava junto ao altar de Nossa Senhora, ouviu golpes que uma mão invisível dava sobre o altar. Sobressaltado, viu então um vulto rodeado de chamas que lhe disse: “Sou frei João Sayago, que acabo de morrer e necessito muito de tuas orações e de teu auxílio. Para que, satisfazendo assim a justiça divina, saia destas penas expiatórias”. Este frade vivia no mosteiro do Santíssimo Rosário, tendo expirado à mesma hora em que apareceu ao santo. Alguns dias depois tornou a aparecer rodeado de luz, dizendo que a Virgem bendita o havia tirado do Purgatório graças às orações e penitências de Frei João Macías.
Ao morrer, São João de Macías acabou por confessar que havia libertado um milhão e 400 mil almas do Purgatório!
Em outra noite, um noviço, impressionado com o cadáver de Dom Pedro de Castilha, que havia sido enterrado naquela manhã no convento, dirigiu-se à igreja para acender as velas para o ofício noturno. Quando chegou perto do altar, deparou-se com as sandálias de Frei João. Este se encontrava elevado acima do solo, em êxtase. Não distinguindo na obscuridade do que se tratava, julgou ser o espectro do defunto que lhe aparecia. Dando um grito, começou a correr, tropeçou e caiu. Os religiosos acudiram e o encontraram estendido no solo com o hábito em chamas, devido à vela que levava. Nem toda essa confusão conseguiu tirar o santo de seu êxtase. O noviço ficou gravemente enfermo, sendo curado pelas orações de São João Macías.
O prodigioso burrico provedor
Para poder socorrer o convento e seus pobres, Frei João Macías servia-se de um expediente muito prático: enviava todos os dias às ruas de Lima um burrinho carregado com dois grandes cestos para recolher esmolas, sem condutor nem guia. O animal desempenhava-se exemplarmente deste ofício, dirigindo-se aos lugares a que estava acostumado. Ao chegar à porta da mercearia ou casa particular onde deveria receber esmola, parava e não se movia até que alguém pusesse no cesto a esmola combinada. Desse modo o burrinho atravessava toda a cidade. Como todos já o conheciam, enchiam seus cestos com esmolas. Ninguém se atrevia a tirar nada, pois o animal sabia defender com mordidas e coices as doações recebidas.
Todos os dias às cinco da manhã, depois de tocar a alvorada, São João Macías levava para a cozinha os alimentos destinados à comida dos pobres. Quando faltava algo, saía esmolando até conseguir.
Servia ajoelhado os nobres empobrecidos
Depois, por volta do meio-dia, começava a distribuir as refeições aos necessitados. Para os sacerdotes e pessoas gradas caídas em pobreza, havia um refeitório reservado, onde o santo os servia ajoelhados. Aos pobres “envergonhados” (em geral pessoas de alta condição social que haviam caído na miséria) enviava secretamente a comida com alguma esmola. Não descuidava também dos enfermos, aos quais, além da comida, enviava remédios. Sua imensa caridade estendia-se às viúvas, aos órfãos e a outros desamparados.
Apesar da multidão crescente de pobres, e de o convento não ser rico para atender a tantas demandas, nunca faltava comida, pois esta era milagrosamente aumentada segundo as necessidades.
São João Macías dividia a reza do Rosário em três partes: uma pelas almas do Purgatório — que muitas vezes vinham pedir a esmola de suas preces —, outra pelos religiosos do convento, e a terceira por seus parentes.
O vice-rei D. Pedro de Toledo y Leyva, Marquês de Mancera, consagrou, em 1643, os Reinos do Peru à Virgem do Rosário
Embora sem nenhuma instrução, Frei João de Macías possuía a verdadeira sabedoria de Deus, sendo consultado pelas principais pessoas da cidade, inclusive pelo vice-rei D. Pedro de Toledo y Leyva, Marquês de Mancera. Este, em 1643, consagrou os Reinos do Peru à Virgem do Rosário, escolhendo-A como Patrona e Protetora daquelas terras.
São João de Macías faleceu no dia 18 de setembro de 1645, aos 60 anos de idade.(*)
Plinio Maria Solimeo
E-mail do autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br
Notas:
(*) Obras consultadas:
Frei Tomás Jacinto Cipolletti, O. P., Vida del Beato Juan Masías, Tipografía Liga Sagrada, Cusco, 1949.
Les Petits Bollandistes, Le B. Jean Massias d’Espagne, religieux dominican, in Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo XII, pp. 11 e ss.
Edelvives, Beato Juan Massias de España, dominico, in El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1955, tomo V, p. 342.
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