segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Beatos Mártires Irlandeses (+ 1579-1654).

Os mártires irlandeses do século XVI 
Matthew Bruton 
O martírio dos católicos irlandeses estende-se por um período de mais de 150 anos. 
Neste modesto estudo, trataremos dos martírios do século XVI. Nesse lapso de tempo, mais de 300 irlandeses deram a vida em nome da fé. O governo de Londres derramou indiscriminadamente o sangue dos mártires, dentre os quais se contam oito bispos e arcebispos, incluídos os dois bispos da principal sé episcopal da Irlanda. Os métodos de tortura eram crudelíssimos, como bem veremos. Porém, examinamos antes de tudo o contexto político e religioso. 
Em 1533, Henrique VIII da Inglaterra se casou em segredo, como se sabe, com Ana Bolena, tanto assim que, naquela ocasião, ele foi intimado a comparecer diante do Tribunal Romano para que respondesse à queixa da rainha Catarina. Catorze meses depois, o papa Clemente VII declarava a validade do casamento dele com a rainha Catarina e pronunciava sentença que o excomungaria, caso não obedecesse ao decreto. O rei já se decidira a rejeitar a autoridade papal, tomando neste sentido a iniciativa de aprovar várias leis no parlamento. A Irlanda, então, era alvo das reivindicações da coroa inglesa, apesar de esta na verdade controlar apenas a região limítrofe da capital, Dublin. Na segunda metade do século XVI, aconteceram numerosas revoltas, dentre as quais algumas foram de tal vulto que chamaram a atenção e o apoio dos papas da época: a revolta da família Geraldine em 1546, a de Shaun O’Neill em 1561, a do Deão de Desmond em 1579 e enfim, a mais bem-sucedida de todas, a de Hugh O’Neill no começo de 1595. Após Henrique três soberanos governaram a Inglaterra; foram eles Eduardo VI (1547-1553), Maria Tudor, filha de Henrique VIII (1553-1558), e Elizabeth Iª (1558-1603). Eduardo e Maria continuaram ambos a política de Henrique VIII, que era atacar a religião católica. Maria reconduziu o país à religião verdadeira, mas por pouco tempo1. A primeira ação legal que Henrique VIII tentou empreender, a fim de implantar a nova religião na Irlanda, ocorreu em 1º de maio de 1537, quando o parlamento da Irlanda, sediado em Dublin, aprovou uma lei que incluía o seguinte parágrafo: 
§ 5. O rei, seus herdeiros ou sucessores, reis de Inglaterra e senhores de Irlanda, serão admitidos e reconhecidos nesta terra como os únicos chefes supremos de toda a Igreja da Irlanda. 
Na sessão seguinte, proclamou-se: 
§ 1. Qualquer pessoa que por escrito, pregação, ensino ou ato semelhante, sustentar a autoridade e a jurisdição dos bispos de Roma ou de seus mandatários, incorrerá para cada delito na pena de praemunire. 
§ 4. Os titulares de ofícios, laicos ou eclesiásticos, a partir de agora renegarão com juramento o bispo de Roma e sua jurisdição, e reconhecerão o rei como o único chefe supremo da Igreja de Inglaterra e de Irlanda. 
§ 6. Qualquer pessoa, requisitada a prestar o sobredito juramento e recusando-se obstinadamente a fazê-lo, será punida de morte, além de sofrer as demais penas previstas em caso de alta traição. 
O nosso primeiro mártir foi um padre chamado John Travers, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, doutor em teologia, que escrevera em anonimato um tratado célebre, cujo título era: 
Da Autoridade do Romano Pontífice, em que provava claramente que a primazia de Henrique VIII era pura ficção. Os delegados do rei o prenderam e custodiaram na torre de Londres durante quatro meses. Submetido à tortura, mas sempre intransigente, foi declarado culpado de alta traição. Em 20 de julho de 1535, com as mãos amarradas para trás e a corda ao pescoço, conduziram-no até o lugar da execução, que ficava sobre uma grade. Quando alcançou o alto da escada que o levava até ao patíbulo, ele exortou à assistência, de todo o coração, a fim de que rezasse com ardor a Deus – refúgio dos pecadores – para a conversão e salvação do Rei e de todos os heréticos que o seguiam. 
Em seguida, bradou: 
-Não foi por um crime, caros cristãos, que me tiraram da Irlanda, a minha terra natal, mas sim porque professei a fé católica, com que me alimentei no seio maternal, a exemplo dos meus avós. Está próxima a hora da minha morte, que certamente me abrirá as portas da vida eterna. Declaro que sou padre da Igreja Católica e Apostólica, e foi com estes três dedos (mostrou três dedos da mão direita) que escrevi a obra sobre a autoridade do Romano Pontífice. 
Após o pronunciamento, ao comando do oficial, ele foi enforcado, depois baixado ao solo, para que morresse esquartejado. Aconteceu então algo extraordinário: os verdugos arremessaram a mão direita e as entranhas dele ao fogo e, enquanto as outras partes se reduziam a cinzas, viram que os três dedos que mostrara sobre o cadafalso permaneciam na mesma posição em meio às chamas, e assim os encontraram inteiros e ilesos, como se nunca tivessem sido queimados. Eles ficaram intactos durante muito tempo após a morte do padre2. Os próximos a sofrer o martírio foram os Trinitários de Adare, em Limerick, no sudoeste do país. Era Irmão Roberto o superior do convento. Quando se publicaram os decretos reais, ele os lera e, após reunir a comunidade que então contava com quarenta e dois membros, declarara que o rei era herege e cumpria não aquiescer com o crime. Causou ele uma tal impressão nos ouvintes que todos declararam que estavam prontos a perder a vida na defesa da fé católica. Ao saberem que o convento estava prestes a ser saqueado, eles distribuíram os bens aos pobres e esconderam os vasos sagrados e os ornamentos do altar. Quando os hereges chegaram, ofereceram altos cargos e benefícios ao Irmão Roberto, que os recusou, proclamando a sua devoção à fé católica. Nenhuma agressão, disse ele, afastá-los-ia, ele e a comunidade, dos princípios da verdade. Eles reconheciam tão-somente o Vigário de Cristo como Cabeça da Igreja; e no que respeitava ao Rei da Inglaterra, não o consideravam sequer membro da Santíssima Igreja, mas Chefe da Sinagoga de Satanás. Assim que terminou o discurso, um oficial herético puxou a espada e de um só golpe separou a cabeça e o corpo do santo homem. Os outros membros da comunidade foram presos, alguns morreram em decorrência dos ferimentos, ao passo que outros foram assassinados ou enforcados em segredo3. Enquanto isso, acontecia uma reunião dos diretores da ordem na casa principal dos Trinitários em Dublin, com a finalidade de discutir as medidas a serem tomadas ante o iminente perigo. Eles declararam que o rei era um manifesto herege e, depositando as esperanças na Santíssima Trindade, resolveram-se a dar a vida em prol da verdade. Mal terminara a conferência quando chegaram as notícias do que acabava de ocorrer em Adare. Irmão Teobaldo, o antigo Provincial, exclamara:
-“A Santíssima Trindade abençoou a nossa ordem com um bom começo, assegurando-nos assim que a graça há-de acompanhar-nos até o fim”.
Pouco tempo depois, os delegados reais chegaram a Dublin. O Provincial e o Irmão Teobaldo dirigiram-se ao povo; este último foi de imediato abatido, porque o consideravam artífice da resistência. Capturaram o Provincial e arrastaram-no pelas ruas; ele repetia aos berros a sua lealdade à fé católica. Os juízes advertiram os algozes para que cumprissem o dever e, por isso, com uma machadada puseram termo à vida do Provincial. Abriram-lhe as costelas e arrancaram-lhe o coração; já o corpo, arremessaram-no sobre um monte de estrume. Mas quando caiu a noite, os católicos vieram e resgataram os membros espalhados, a fim de enterrá-los. Os outros religiosos do convento conheceram destino semelhante. O triunfo desses gloriosos mártires aconteceu nos dias 25 e 26 de fevereiro de 1539. Entre os demais soldados da fé mortos sob a tirania de Henrique VIII, há-de incluir-se os dezesseis franciscanos do condado de Monaghan, ao norte, e os cinqüenta cistercienses de Dublin – porém vejamos com mais detalhes o martírio do bispo de Limerick, Cornelius O’Neill. Era ele de ascendência nobre e de humildade e caridade notáveis. Exercera diferentes funções, dentre as quais a de Provincial da Ordem Trinitária. Quando o rei o consultou sobre o divorciar-se de sua legítima esposa, Cornelius ficou do lado da rainha. O rei irritou-se muitíssimo e prometeu vingança. Ao tomar conhecimento das ameaças, o bispo convocou a comunidade trinitária e a ela falou nestes termos:
-“Um mau começo destes não chegará a bom fim. O rei e o reino estão perdidos. A Igreja Católica está em perigo iminente e a heresia há-de ganhar terreno entre nós, a não ser que o poder de Deus nos proteja.”
Aconselhara à comunidade a venda do monastério e a distribuição do preço da venda aos pobres; aconselhara também às demais ordens religiosas e ao clero secular sob a sua jurisdição a venda dos bens. Quando soube do assassinato dos religiosos de Adare, convocou toda a fraternidade e, entoando solenemente o Te Deum, implorou com ardor à Santíssima Trindade para que lhes desse a coragem e força de imitar os irmãos que lhes precederam no martírio. Próximo à festa de São João, o bispo Cornelius pregou na catedral ante uma grande audiência. Ele fez uma exposição acerca das provas da fé católica e da legitimidade da autoridade do papa; declarou que as ordens do rei eram heréticas e que ele, seus conselheiros e quem o obedecesse estavam anatematizados. Os representantes do rei hesitaram em agredirem-no dentro da igreja, porém mais tarde, durante a noite, dirigiram-se até a casa do bispo. Eles foram recebidos e disseram que o bispo devia obediência ao rei sob pena de morte imediata. Lançando-se ao solo e elevando os olhos ao céu, exclamou Cornelius: 
-“Senhor, hoje Vos ofereci o sacrifício incruento do Corpo de Jesus Cristo, meu Senhor. Acolhei agora o sacrifício da minha vida, em honra e glória de Vosso Nome.” 
E fitando uma imagem da Santíssima Virgem, orou: 
-“Sancta Trinitas, unus Deus, miserere nobis”. 
Após o quê, o algoz, com um só golpe de espada, separou-lhe a cabeça e o corpo4. Em seguida, os representantes do rei capturaram os religiosos que estavam na casa e os mataram. No dia seguinte, os quarenta e seis religiosos restantes, que recusaram prestar juramento, também foram assassinados. Mais seis conventos da ordem, a exemplo dos já mencionados, demonstram idêntica fortaleza moral. Saltemos alguns anos até o momento em que Elizabeth chega ao poder. Esse episódio funesto aconteceu em 17 de novembro de 1558. Ela envia o conde de Sussex como deputado à Irlanda, ordenando-lhe “regulamentar o culto a Deus, segundo o modelo do culto da Inglaterra, e editar as prescrições mais recentes.” Em 1560, indiferente às leis de Felipe e Maria, o parlamento irlandês declarou o que segue: 
§ 8. Todos os arcebispos, bispos e demais ministros eclesiásticos e juízes temporais, bem como oficiais e pessoas que recebam estipêndio de sua Alteza neste reino, prestarão juramento e declararão que sua Majestade, seus herdeiros e sucessores, são os únicos governantes supremos do reino, em assuntos espirituais e temporais. 
§ 12. Qualquer pessoa que por escrito, impresso, ensino, pregação, declaração, ato, com conhecimento de causa e premeditação, sustentar de moto próprio a autoridade e a jurisdição de qualquer príncipe estrangeiro, prelado, etc., e seus auxiliares, será, na primeira infração, despojado de todas as posses e bens, e, se as posses e bens não alcançarem o montante de 20£, será aprisionado por um ano sem possibilidade de liberdade sob fiança e perderá todas as benesses e dignidades; na segunda infração, incorrerá na pena de praemunire; na terceira infração, será punido de morte como em caso de alta traição. 
O primeiro mártir do governo de Elizabeth foi, em 1569, um franciscano chamado Daniel O’Dullian, do convento de Youghal, ao sul5. Sob as ordens do senhor deputado, o capitão Dudal e suas tropas o levaram à Porta da Trindade, amarram-lhe as mãos às costas e, ligando aos seus pés grandes pedras, ergueram-no por cordas três vezes, do solo até ao alto da torre, e o deixaram lá certo tempo. Após padecer vários golpes e torturas, penduraram-no de ponta cabeça a um moinho próximo ao mosteiro. Assim pendurado não murmurou, antes repetia as orações como bom cristão, quer em voz alta, quer em voz baixa. Enfim, os soldados receberam ordens de usarem-no como alvo; para que os sofrimentos fossem mais longos e cruéis, os artilheiros não deveriam atingir a cabeça ou o coração mas, quanto lhes aprouvesse, qualquer outra parte o corpo. Depois que muitas balas já o haviam atingido, alguém, num ato de cruel piedade, carregou a espingarda com duas balas e a descarregou no coração do mártir. Ele morreu em 22 de abril. Dermot O’Mulrony e dois irmãos da mesma ordem foram os próximos a sofrerem o martírio, em 1570, no condado de Tipperary6. Em 21 de março soldados ingleses sitiaram o convento, de tal modo que ninguém conseguiria escapar. Os três subiram ao campanário da igreja e suspenderam a escada. Os soldados atearam fogo, a fim de incendiar a torre da igreja; foi então que o santo homem, baixando a escada, desceu voluntariamente para salvar a igreja; ao apoiar o pé no primeiro degrau, benzeu-se e entoou o salmo Miserere. Os soldados, que não se comoveram com a cena, socaram-no e machuram-no até que finalmente lhe golperam a cabeça. Viu-se então uma coisa extraordinária: quando lhe cortaram a cabeça, não escorreu do corpo sequer uma gota de sangue. Ao presenciarem o fato, os soldados esquartejaram o corpo, mas o sangue mesmo assim não escorrera. Antes de contar os padecimentos de um dos mais eminentes mártires irlandeses, o arcebispo Dermot O’Hurley, de Cashel, em 1584, mencionemos de passagem alguns dos mártires mais notáveis desse intervalo de quinze anos. O primeiro é o arcebispo de Cashel, Maurice Gibon. Ele morreu na prisão em Cork, em 6 de maio de 1578, após recusar-se de prestar juramento. Outro mártir é Hugh Lacy, bispo de Limerick. Henrique VIII foi o primeiro a prendê-lo, e depois Elizabeth, quando o bispo contava 60 anos, porque recusava-se a prestar juramento. Ele morreu em decorrência dos maus tratos, em 26 de março. Nesse mesmo ano, soldados ingleses mataram dois franciscanos no interior do mosteiro, que se situava no condado de Mayo; eram eles os irmãos Phelim O’Hara e Henry Delahyde; o primeiro mataram diante do altar-mor do mosteiro, após o haverem despido. Nesse mesmo ano, muitos foram os bispos martirizados. Edmund Tanner, bispo de Cork, foi o primeiro, morrendo na prisão de Dublin, após padecer cruéis torturas. O segundo foi Patrick O’Hely, bispo de Mayo. Alguns minutos antes da morte, profetizou o falecimento do chefe do condado, que era um impiedoso perseguidor dos católicos. Três dias depois, uma doença acometeu o homem que, às portas da morte, declarou que a doença era um castigo de Deus, porque matara o bispo. O semblante do bispo e dos mártires conservava uma expressão de calma e contentamento, durante os catorze dias em que os corpos ficaram dependurados. De mais a mais, exalava dos corpos um perfume de odor agradável7. Agora examinaremos a vida e o martírio do arcebispo de Cashel, Dermot O’Hurley8. Nascido em Limerick, onde o pai ganhava o pão como criador de gado, ele estudara teologia e direito canônico em Lovaina, onde obteve o doutorado nessas duas matérias. Quando o nomearam arcebispo de Cashel em 1581, empreendeu uma viagem até à Irlanda. Ele aportou ao norte de Dublin e dirigiu-se a Slane, ao célebre condado de Meath. Ali residiu em segredo na casa do proprietário do lugar, cujo nome de família era Flaming. Ele não queria que o vissem em público, nem à mesa, nem em conversas com ninguém, porém aos poucos começara a participar das refeições e a falar com os membros da família. Aconteceu de um dia um dos membros do Conselho Privado (que reunia os conselheiros da rainha Elizabeth), chamado Robert Dillon, foi jantar com a família. Quando estavam sentados à mesa, a conversa tomou um rumo que deu azo a uma interessante discussão; durante o colóquio, algumas palavras do bispo revelaram erudição. Imediatamente Robert Dillon começou a desconfiar de que se tratava de um sacerdote católico disfarçado e contou o fato ao tesoureiro do condado. A família deu-se conta do ocorrido e recomendou ao arcebispo a fuga. Porém, mais tarde, os ingleses ameaçaram Flaming e o obrigaram a atrair o bispo. Assim, Flaming persuadiu o prelado a retornar a Dublin, para que pudesse provar a inocência. Lá então o interrogaram, mas como os ingleses não conseguissem provar nada contra ele, após diversos processos, em primeiro lugar trataram de torturá-lo, para enfim executá-lo. Os carrascos imaginaram para ele uma crudelíssima forma de tortura. Puseram-lhe os pés e as penas em botas repletas de azeite, prenderam-lhe os pés no pelourinho e atiçaram fogo embaixo. O azeite, aquecido nas chamas, infiltrara-se na planta dos pés e nas pernas, excruciando-os de modo que pedaços de pele despegaram-se das carnes e porções de carne, dos ossos expostos. O calor das labaredas devorou o corpo do bispo, que não obstante exsudava suor frio. Muitas foram as vezes que gritava: 
-“Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim”. 
Certa tortura chegou a tal ponto que ao fim o bispo ficara imóvel. O torturador, com medo de o haver matado – o que seria exceder as ordens recebidas – buscou um médico para reanimá-lo. Depois de duas semanas, o bispo melhorou um pouco, após o que os ingleses intentaram diversos meios de convencê-lo a abandonar a fé; propuseram-lhe altos cargos, e até mesmo a sua irmã levaram para que o persuadisse a deixar a luta, mas não conseguiram nada. Como um novo governador estivesse prestes a assumir o cargo, o titular decidira que era melhor encerrar o assunto, procedendo à execução. Em 29 de junho de 1584, ele foi enforcado. Conta-se que muitos milagres aconteceram sobre a sua sepultura. As leis então vigentes ainda não eram satisfatórias aos olhos dos protestantes, por isso um édito do governo inglês declarou o seguinte: 
A partir de agora, se um padre for descoberto, será ipso facto culpado de alta traição; por isso, seja ele em primeiro lugar enforcado, e então, depois de o baixarem ainda vivo ao solo, decapitado, estripado e queimado; seja a sua cabeça pendurada num poste e exposta em lugar público e freqüentado. Se alguém receber ou sustentar um padre, sejam os seus bens confiscados e a pessoa enforcada sem piedade. 
Já no ano seguinte, sobreveio o martírio de Richard Creagh9, arcebispo da principal sé episcopal da Irlanda, Armagh. Oriundo de Limerick, ele se estabeleceu primeiro como comerciante mas pouco tempo depois se decidiu a abraçar o sacerdócio. Estudou em Lovaina e mais tarde retornou a sua terra natal para administrar os seus concidadãos. Deixou-os após algum tempo e foi morar em Roma, onde conheceu o Papa Pio V, que o nomeou arcebispo. Por duas vezes meteram-no em prisão, e por duas vezes conseguiu escapar. A terceira vez foi a última. Conduzido a Londres, levantaram falsas acusações contra ele, inclusive um bispo apóstata. A reclusão foi longa e no mais das vezes dura. Apesar disso, aproveitou o tempo para ajudar os outros sacerdotes aprisionados, aconselhando-os à prática da virtude e instruindo-os em temas sagrados. Certa vez o diretor da prisão tentou persuadi-lo a escutar o sermão de um herege, e como recusasse, arrastaram-no à força. Mas assim que o pregador começou a atacar a fé católica, o arcebispo Creagh interrompeu-o para contraditá-lo. Depois de numerosas e vivazes trocas de palavras, finalmente reconduziram o arcebispo de volta à cela. Os seus raptores chegaram à conclusão de que não poderiam convencê-lo a abjurar a fé, a despeito de todas as tentativas. Dessa forma, certo dia envenenaram um pedaço de queijo, que lhe deram a comer. Sem nenhum temor, ele o comeu de boa vontade mas logo notou o que lhe prepararam. Logrou chamar a tempo um padre na cela vizinha, fez a derradeira confissão e entregou o espírito em 14 de outubro. Falta ainda mencionar o Padre Walter Fernan, que morreu em 12 de março de 1597. Levado pelos hereges a Dublin, foi preso e forçado a ficar de pé durante quarenta horas sem dormir. Então o flagelaram, esfregaram sal e vinagre nas feridas, e depois lhe perguntaram se queria prestar o juramento de supremacia. Respondeu o padre com firmeza que preferia morrer a prestar um juramento que mencionasse uma mulher na qualidade de chefe da Igreja, porquanto São Paulo dissesse que a mulher deveria permanecer em silêncio na igreja. Enquanto o estripavam, exclamava Pe. Fernan: “Senhor, eu encomendo a minha alma às Vossas mãos” e entregou o espírito a Deus. 
Conclusão 
Que é possível concluir deste pequeno estudo dos mártires irlandeses do séc. XVI? 
Antes de tudo, que os ingleses eram agressivos: eles não conheceram limites nem medidas, ante um povo que era católico, na tentativa de lhes extirpar a antiga religião. Eram permitidos todos os métodos de tortura e ataques contra igrejas. Nem a hierarquia da Igreja se respeitou, vide os bispos assassinados. Em segundo lugar, que todas as regiões do país, de norte a sul e de leste a oeste, foram atingidas. Enfim, que foi total o ataque contra a fé e a população da Irlanda. E a situação não melhorou com o passar dos anos. Apesar de tudo, o povo irlandês permaneceu católico e, tal qual aconteceu em outros países, a perseguição não extinguira a chama da fé mas ao contrário a alimentou. 
Para quem queira aprofundar-se: 
MURPHY S.J., Our Martyrs, Sealy, Bryers & Walker, 2010. Myles O’REILLY B.A, Memorials of those who suffered for the catholic faith in Ireland in the 16th, 17th and 18th centuries, Burns, Oates & Co., 1868. Com a aprovação do autor 
- Tradução: Permanência 
1.Para uma história geral da Irlanda consultar HAVERTY, Martin, The History of Ireland, Ancient and Modern, Dublin, 1860 e D’ALTON, Rev E. A., History of Ireland from the Earliest Times to the Present Day, 1907.
2.BRIDGEWATER John, Historia Ecclesiae Catholicae in Anglia adversus Calvino-papistas et Puritanos sub Elizabetha Regina 1583-1594 
3.Vide MORAN, Cardinal Francis Patrick, History of the Catholic Archbishops of Dublin since the Reformation, Dublin, 1864, p. 23
4.MORAN, Cardinal Francis Patrick, Ibid, p 26 
5.Vide MORAN, Cardinal Francis Patrick, Specilegium Ossoriense, Vol III, p. 41 
6.BRUODIN, Rev. Pe. Anthony O.S.F., Propugnaculum Catholicae Veritas, Catalogus Martyrum Hibernorum pro defensione Catholicae fidei occisorum regnantibus Henrico VIII, Eduardo VI, Elizabetha, et Jacobo, Libraria Franciscana, Merchants Quaym Dublin, 1669, p. 454. 
7.Bruodin, Rev. Pe. Anthony O.S.F., Ibid, p. 432. 
8.Vide Rothe, David, Bispo de Ossory, Analecta Nova et Mira de Rebus Catholicorum in Hibernia pro fide et religione gestis., Colônia, 1616-1619, p. 423. 
9.Roathe, David, Ibid, p. 465.

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