Fernando de Navascués/ReL
Conhecemos algumas pinceladas por meio dos Evangelhos canônicos e dos Atos dos Apóstolos acerca de Nicodemos e de alguns outros fariseus relevantes do Judaísmo contemporâneo que se acercaram ao nascimento da Igreja ou se incluíram como seguidores do cristianismo nascente. Gamaliel estava entre eles.
Tem-se erroneamente uma percepção de total separação entre judeus e cristãos desde os primeiros momentos do cristianismo. Porém a realidade foi diferente. A esperança da chegada do Messias nos séculos anteriores e posteriores ao ano zero atraiu muitos judeus ao seguimento de Jesus. Uma esperança judaica que desapareceu com o tempo, sobretudo com a destruição de Jerusalém no ano 70, pelas mãos dos romanos, e no século II com as revoltas judias de Bar Kojba.
A reflexão teológica posterior dos judeus entenderia que a verdadeira chegada do Messias seria no final dos tempos com a implantação do autêntico reino messiânico, muito diferente do que se esperava nesses séculos em torno do ano zero.
Conhecemos judeus convertidos ao cristianismo. Nicodemos, por exemplo, doutor da Lei e membro do Sinédrio, por esse fato não se pode estranhar que também Gamaliel conhecia os cristãos. Através do Novo testamento sabemos duas coisas claras sobre ele: que foi mestre de Saulo de Tarso (At 22,3), isto é São Paulo – outro fariseu convertido ao cristianismo -, e que em uma reunião do Sinédrio Gamaliel deu um sábio conselho que reivindicaria o senso comum e a conseguinte salvação da vida dos Apóstolos (At 5,34-42).
O grande conselho de Gamaliel
Os Apóstolos, que preferiam obedecer a Deus ao invés dos homens, como disse São Pedro no Atos dos Apóstolos (5,25), pregavam o ensinamento de Jesus apesar da proibição dos judeus.
Certo dia, numa das reuniões do Sinédrio, discutiu-se sobre este tema, e houve quem propôs matar os apóstolos para evitar o contágio de suas doutrinas. O conselho de Gamaliel foi muito claro: “Agora, pois, eu vos aconselho: não vos metais com estes homens. Deixai-os! Se o seu projeto ou sua obra provém de homens, por si mesma se destruirá; mas se provier de Deus, não podereis desfazê-la. Vós vos arriscais a entrar em luta com o próprio Deus” (At 5,38-39).
Apesar desta proposta tão atrevida, os demais consentiram e depois de açoitá-los, deixara-os livres. Desta maneira salvou os Apóstolos de sua morte. De acordo com tradições cristãs orientais que remonta ao Patriarca de Constantinopla Focio no século IX, Gamaliel foi batizado por São João e São Pedro, junto com seu filho Simeão.
Sabemos que faleceu em torno do ano 50. Seu corpo ficou perdido durante vários séculos e finalmente foi encontrado no século V, e foi levado ao ocidente onde atualmente se encontra o catedral de Pisa, Itália. Sua festa se celebra desde os inícios do cristianismo no dia 3 de agosto, dia em que descobriram suas relíquias em Jerusalém.
Temos ainda outra pista sobre Gamaliel. Conta-se que apareceu em sonhos a São Luciano, no século V. Há uma coleção de oito tábuas pintadas por Bernardo Daddi e depositadas nos Museus Vaticanos, no ano de 1345, que descrevem o martírio de Santo Estevão e a história do descobrimento de seus restos mortais segundo é contada a Lenda Áurea de Jacobo de Vorágine.
A segunda, intitulada “A aparição de São Gamaliel”, a São Luciano, revela o lugar de sua própria sepultura, assim como a dos santos, Abbio, Nicodemos e Estevão.
Gamaliel, o judeu
Gamaliel era neto de Hillel, um dos rabinos que mais teve influência no judaísmo a partir do século I. Dele são conhecidas suas sete regras para o estudo e a interpretação da Bíblia. Gamaliel, por sua vez, chegou também a ser doutor da Lei e príncipe (Nasí) do Sinédrio, o máximo tribunal religioso judeu.
Gamaliel, ademais, foi o primeiro príncipe do Sinédrio a receber o título de Rabbán, “nosso mestre”. O livro dos Atos dos Apóstolos diz que ele era “um doutor da Lei com prestígio diante de todo o povo” (At 5,34).
Contam algumas fontes que quando Jesus ainda era criança “se perdeu” no Templo de Jerusalém durante três dias, um dos mestres da Lei com que falava era Gamaliel, e o próprio Hillel.
Neste momento da vida de Jesus, contam as mesmas fontes, o próprio Jesus havia feito a Gamaliel uma profecia que se cumpriu no dia de sua crucificação. O cumprimento da mesma fez com que ele se arrependesse e se batizasse.
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