Frei Galvão foi um franciscano da Ordem de Alcântara que viveu na pobreza e na obediência. Um simples irmão. Simples em tudo: na sua pessoa, na sua obra, nos seus escritos. O que ele fez foi descrito da seguinte forma: “Não impôs nada, não fez ostentação de nada, não fez nada para impressionar, não exigiu nada”. A força das suas virtudes e o testemunho da sua vida atraíram as pessoas e iluminaram o ambiente onde viveu. A ponto de tornar a sua presença preciosa e insubstituível.
Frei Galvão nasceu em 1739 e faleceu em São Paulo em 23 de dezembro de 1822. Nessa época ocorreram importantes acontecimentos históricos e religiosos no Brasil e em São Paulo…
A sua vida abrange um período que vai desde a era colonial até à transformação do país em império e aos primeiros meses de independência. E é uma história marcada pela presença e ação de missionários da Igreja Católica, incluindo franciscanos, que, durante o governo do Marquês de Pombal, seguidor da filosofia iluminista, sofreram fortes restrições. São Paulo era então capitania, depois província, dependente do Rio de Janeiro. Foi ponto de partida dos bandeirantes-descobridores, garimpeiros de ouro e pedras preciosas, e esteve muitas vezes em guerra para defender seu território contra os espanhóis ou em busca de nativos ou negros importados da África para trabalhar como escravos. É neste difícil contexto que a figura influente deste homem de Deus surge “recomendável pelas suas virtudes” (recomendável pelas suas virtudes), e ao mais alto pela sua caridade, virtudes que o levaram a partilhar as angústias e as esperanças de o seu povo ainda sujeito à escravatura e vivendo num estado de profunda degradação humana e social. Não há dúvida de que foi por sua caridade sem limites que os paulistas quiseram mantê-lo entre eles por toda a vida. Não poderiam viver sem ele, como atesta a carta da Câmara do Senado de São Paulo onde está escrito: “Ele foi o socorro dos pobres”, “o consolo dos aflitos…”.
Depois de estudar com os jesuítas em Belém e ingressar na franciscana em 1760, passou o resto da vida em São Paulo. A sua personalidade e a qualidade da sua formação foram imediatamente notadas pelos seus superiores que lhe confiaram inúmeras tarefas de responsabilidade, bem como pelas pessoas cultas e pelas pessoas que "o ouviam com grande confiança e vinham até ele de regiões distantes, quando eles precisavam dele. Procuravam-no pela sua reputação de homem de paz, “para trazer paz à discórdia, nas famílias e também para resolver assuntos temporais”, dizem-nos os factos. A partir de 1768 assumiu a delicada tarefa de porteiro, pregador e confessor do convento de São Francisco, função que a partir desse momento continuou a ser a sua atividade principal. De fato exercerá até o fim o ministério da confissão no convento franciscano como no “Recolhimento Nossa Senhora da Conceição da Luz”, o convento de irmãs que fundou como laus perennis em 1774, no coração de São Paulo e que continua sendo seu trabalho tangível hoje. Gastou todas as suas energias na sua construção e ali morreu, aos oitenta e quatro anos, num miserável colchão, colocado no chão, atrás do sacrário da igreja.
Uma personalidade muito precisa, límpida, direita, corajosa, de inteligência clara, que lhe permite estar sempre atento às necessidades daqueles que lhe são confiados e que estão prontos a procurar a ajuda mais eficaz; pessoa que revela o seu temperamento forte quando, por exemplo, se trata de denunciar o que é contrário à justiça ou quando defende os fracos e os que sofrem injustiças, como demonstra, entre outras coisas, a sua atitude em 1780, durante o conflito com o capitão-governador de São Paulo, que culminou com a renúncia do governador.
Em 1780, o capitão Martim Lopes de Saldanha, conhecido pelo seu despotismo, condenou à morte um soldado que foi maltratado pelo filho e que, em resposta, o feriu ligeiramente. Uma condenação injusta que provoca a reação dos paulistanos. Entre os defensores do soldado Caetaninho está Frei Galvão, que fica ao lado deste soldado e condena o abuso de poder do governador. No entanto, apesar dos protestos, o soldado foi executado. E, não contente com esta execução, o capitão condena Frei Galvão ao exílio. A ordem é definitiva: o irmão deve deixar São Paulo em até vinte e quatro horas. Mas a notícia do exílio de Frei Galvão espalhou-se imediatamente pela cidade e toda a população mobilizou-se novamente. Em pouco tempo a casa do governador foi cercada por uma multidão de homens armados. O capitão, diante da rebelião popular, não tem escolha senão rescindir a sentença de exílio. E assim que a ordem é revogada, as pessoas vão à procura de Frei Galvão e o trazem de volta ao convento. “O querido santo padre foi encontrado. A cidade agora pode dormir em paz porque recuperou o seu grande tesouro. Isto é o que é relatado nos escritos.
Sim, e é preciso ainda ressaltar que esta fama de santidade é a principal característica de Frei Galvão. Durante sua vida, no momento de sua morte e post-mortem. Até hoje. Os testemunhos falam de uma devoção viva, sem perturbações nem interrupções. Frei Galvão sempre foi objeto de grande veneração em São Paulo e em todo o Brasil, como mostra também a difusão popular das “pilulas de frei Galvão”.
São “papelinhos”, pequenos pedaços de papel enrolados como papillotes nos quais está escrita em latim uma invocação à Virgem Maria. É uma forma de devoção que nasceu de um episódio da vida de Frei Galvão. Desde então, os milhares de fiéis que vão rezar e pedir graças ao seu túmulo tomam e ingerem estes comprimidos feitos hoje pelas irmãs do Mosteiro da Luz.
Frei Galvão, é verdade, fez o contrário do que fazem os “gurus”. Ontem e hoje. Tornou-se extraordinário na sua vida quotidiana de sacerdote, como poderia ser então nestas circunstâncias e como pode ser hoje, sem artifícios nem promessas vãs, sem “efeitos especiais”. Frei Galvão é uma daquelas almas que se engrandeceram diante de Deus e diante dos homens, na humildade e no perfeito cumprimento dos deveres cristãos, sem perturbar as pessoas com fatos aparentemente extraordinários; e conseguiu entrar no coração das pessoas a ponto de permanecer ali ao longo dos séculos.
A importância desta causa, também neste momento da vida da Igreja brasileira, vem daquilo que mostra e comprova o valor de uma vida sacerdotal vivida de forma evangélica e vivida de forma apostólica a serviço dos irmãos. sobretudo dos mais pobres, dos mais necessitados, para glória de Deus. Brasiliensis Ecclesiae decori praeclarissimo . No frei Galvão, o povo de onde provém o irmão e ao qual pertence encontrou um modelo, um incitamento ao bem, à caridade, à oração.
Esta canonização é um ato histórico. Uma data histórica. Antonio de Sant'Anna Galvão é o primeiro santo nascido no Brasil. É cem por cento brasileiro aquele que se eleva à honra dos altares da Igreja universal. Um homem de paz e caridade. E então, não esqueçamos, o Brasil também é o país com maior número de católicos no mundo. E eu diria que foi quase um escândalo, que neste país onde tantas crianças trabalham pela evangelização e são ao mesmo tempo fruto eminente desta evangelização, não houvesse até hoje santo canonizado, nascido nesta terra.
Canonizado em 11 de maio de 2007, pelo Papa Bento XVI.
Cardeal José Saraiva Martins
Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.
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