Foi nomeado Bispo desta cidade francesa quando apenas contava 22 anos de Idade. Foi ele que baptizou Clovis, reis dos francos e está na origem da apelação conhecida da França como “filha mais velha da Igreja”.
A 16 de março do ano 455, o imperador Valentiniano III sucumbia sob os golpes de dois soldados da Guarda Imperial, no Campo de Marte. Com sua morte, extinguia-se a dinastia dos Teodósios, última estirpe a reinar sobre Roma, e apressava-se o fim de um Império já em declínio. A partir daquele dia, o trono dos césares seria disputado durante mais de vinte anos por governantes efémeros, joguetes das manobras políticas ou das paixões humanas desenfreadas. Velho e desgastado, o Estado Romano se desagregava antes de cair definitivamente, minado em seu interior, corroído em suas bases pela decadência dos costumes, bem como pela desorganização política, militar e financeira. “Entre os romanos já não havia educação, mas corrupção moral e intrigas, a vida de família estava destruída”.
De outro lado, as sucessivas invasões dos bárbaros do norte haviam enfraquecido o poderio e a coesão da Roma de outrora. No entanto, “não foram os bárbaros que destruíram o Império, ele mesmo se aniquilou; os estrangeiros foram meros executores da sentença de morte pronunciada pela Ordem moral contra o mundo antigo”.
Naquela crucial quadra histórica, a Divina Providência suscitou varões como São Severino, Santo Isício, Santo Avito de Vienne — e, mais tarde, Santo Agostinho de Cantuária, São Bonifácio ou São Columbano —, que haveriam de ser germes de uma nova era nascida dos escombros do Império Romano do Ocidente.
A figura desses homens de Deus, aureolada pela fama de suas virtudes — e quantas vezes por numerosos milagres! — exercia poderosa influência entre os bárbaros. Guerreiros de aspecto aterrador, eram eles homens ávidos por conhecer as verdades sobrenaturais e, ao tomar contacto com os prelados e os religiosos, despertavam para a luz matinal da Religião Cristã, a qual lhes aparecia com o esplendor da aurora.
Bispo de Reims aos 22 anos
Remígio nascera em Laon, no ano 437, de nobre família galo-romana. Desde muito cedo, sua inteligência e uma especial facilidade para a oratória despertaram a admiração de seus mestres e condiscípulos. A fama de sua eloquência espalhou-se a tal ponto que, em 459, quando o Bispo de Reims faleceu, foi ele escolhido para substituí-lo.
A actuação desse jovem de apenas 22 anos à frente de tão importante sé episcopal revelou, em pouco tempo, o acertado da escolha. “São Remígio era um Bispo de uma ciência notável e primeiro tinha se impregnado do estudo da retórica, mas de tal maneira se distinguia também pela santidade, que se igualava a Silvestre nos milagres” — descreve São Gregório de Tours em sua célebre Historia Francorum.
A caridade e doçura do jovem Prelado logo conquistaram os corações dos fiéis, pelos quais se desdobrava, aliviando a todos os que solicitavam seu auxílio, quer com esmolas materiais, quer com o consolo e a instrução do espírito. Todavia, sem abandonar o cuidado daqueles, pelo Baptismo, já pertencentes ao redil de Cristo, São Remígio ardia no desejo de conquistar novas almas.
A tribo dos francos sálios
Ao norte de Reims, no actual território da Bélgica, havia se estabelecido a tribo dos francos sálios. Em sua origem, talvez, a mais modesta dentre as germânicas, no decorrer dos anos ela alcançou preponderância em todos os campos, sobretudo na arte militar. Suas qualidades não passaram despercebidas ao olhar atento do Bispo de Reims, o qual via pairar sobre esse povo um especial desígnio de Deus. Impelido pelo seu coração de apóstolo, desejava ele atraí-lo para o seio da Igreja.
Remígio fixara sua atenção, sobretudo, no rei Childerico, quem, em 464, retornara junto aos seus após ter passado oito anos exilado na Turíngia. Durante dezasseis anos de paciente apostolado, esforçou-se por atrair a alma do chefe franco para abraçar a Fé Católica. Este, contudo, resistia. Se, por um lado, mantinha bom relacionamento com os eclesiásticos e lhes dava seu apoio, por outro, continuava ferrenhamente apegado a seus deuses.
Certo dia, entretanto, chegou à sé episcopal de Reims a notícia de que Childerico acabava de falecer, na força da idade, sem haver manifestado nenhum desejo de receber o Baptismo. Todos os esforços de Remígio caíam de súbito por terra! Tantas esperanças acumuladas ao longo de quase duas décadas desfaziam-se como uma miragem...
Ter-se-ia enganado? O sonho, tanto tempo acariciado, não teria sido apenas uma quimera, fruto de sua imaginação?
Clóvis sucede a seu pai, Childerico
Muitos outros missionários teriam desanimado ante esse aparente fracasso. Não, porém, o Bispo de Reims. Sua alma, exercitada na virtude, possuía a têmpera do herói e a confiança do profeta. Longe de desalentar o enérgico Prelado, a morte do rei dera-lhe ainda mais audácia.
Childerico deixara como sucessor o filho Clóvis, um adolescente de 15 anos, que os francos se apressaram em proclamar rei. Tornava-se indispensável, logo de início, ganhar-lhe a amizade, bem como inculcar-lhe um santo respeito pela Igreja e por seus representantes.
Remígio dirigiu-lhe, então, uma missiva na qual se harmonizavam o afecto do pai e a autoridade do mestre: “Primeiramente, deveis cuidar que o juízo do Senhor não vos abandone, e que vosso mérito se mantenha na altura aonde o levou vossa humildade; porque, segundo o provérbio, as acções do homem se julgam pelo seu fim. Deveis rodear-vos de conselheiros dos quais possais vos ufanar. Praticai o bem, sede casto e honesto. Mostrai-vos cheio de deferência para com vossos Bispos, e recorrei sempre a seus conselhos. Diverti-vos com os jovens, mas deliberai com os anciãos, e, se quereis reinar, mostrai-vos digno”. Essa sua carta era o primeiro passo de uma longa caminhada que levaria o jovem rei às fontes baptismais da Catedral de Reims.
Um coração fechado para a graça
Durante dez anos, Clóvis contou com a amizade e o apoio de São Remígio para governar o seu reino. E apesar do coração do chefe franco não dar sinais de abrir-se para a graça, nesse período, a influência do Bispo sobre ele aumentava e se robustecia. “O rei pagão aprendia a inclinar-se diante da superioridade moral do sacerdote de Cristo. O homem a quem a voz popular atribuía a ressurreição de um morto ia tornar-se instrumento da ressurreição de um povo”.
Em 491, Clóvis ficara viúvo. Remígio mediu o risco que corriam os interesses da Igreja se ele resolvesse casar-se com uma princesa pagã ou, pior, afeita à heresia ariana. Sabia o quanto a superstição de Basina, esposa de Childerico, havia constituído um obstáculo para a conversão deste. Por isso, em combinação com Avito, Bispo de Vienne, Remígio propôs ao rei franco casar-se com Clotilde, filha do rei dos burgúndios, que era cristã e fora, desde a infância, educada pelo próprio Avito.
Clóvis aceitou. No ano seguinte, celebraram-se as núpcias na cidade de Soissons, sob os auspícios e as bênçãos do Bispo de Reims. Agora este tinha uma poderosa aliada dentro da própria residência real. Com efeito, cheia de fervor, Clotilde compreendera conferir-lhe sua união com Clóvis a missão de convertê-lo e, por isso, “não cessava de recomendar-lhe que conhecesse o verdadeiro Deus e abandonasse os ídolos”.
A almejada conversão
O tão anelado dia chegou na primavera de 496, quinze anos após a ascensão de Clóvis à realeza. Segundo nos conta São Gregório de Tours, a rainha fez então vir em segredo São Remígio para “incutir no rei a palavra da salvação”.
Começando por mostrar-lhe a inutilidade dos ídolos, o santo Prelado de Reims instruiu o rei nas verdades da Fé. Falou-lhe de Nosso Senhor Jesus Cristo, de seus milagres e de seus divinos ensinamentos enquanto Clóvis escutava-o embevecido. Quando, porém, ouviu relatar a dolorosa Paixão de Jesus, com espontânea energia e rusticidade o monarca ter-se-ia tomado de cólera e exclamado: “Ah! Por que não estava eu lá com os meus francos?”.
Seus francos, com efeito, arrebatados de sobrenatural entusiasmo, perceberam os avanços de seu soberano rumo à conversão, e haviam decidido seguir seu exemplo. Quando, pois, este os convocou, a fim de comunicar-lhes sua resolução, bradaram a uma só voz: “Nós rejeitamos os deuses mortais, piedoso rei, e estamos prontos a seguir o Deus imortal que Remígio anuncia”.
“Remígio, não temas!”
Tudo estava pronto para a cerimónia do Baptismo realizar-se no dia seguinte, solenidade do Natal do Senhor. Entretanto, naquela noite Remígio tremia... Uma dessas provações características das vias proféticas abatia-se sobre ele, fazendo surgir em seu interior uma angustiante pergunta: em seu grande empenho pela conversão do rei franco, trabalhara de facto exclusivamente para a glória de Deus? Ou ter-se-ia esforçado movido por meras preocupações terrenas?
De repente, um raio de luz iluminou o local onde o homem de Deus rezava em completa escuridão, e uma voz forte fez-se ouvir: “Remígio, não temas!”. Nesse momento, ele pôde contemplar, numa visão, as gloriosas consequências desse Baptismo, para a Gália e para a Igreja. Sim, o santo Bispo não se enganara, esse acontecimento ia dar origem a uma nação eleita, que viria a ser durante séculos sustentáculo do Papado e contribuiria primordialmente para o florescimento da Religião Católica.
Ante o olhar maravilhado do venerável eclesiástico passou um desfile de guerreiros magníficos, alguns dos quais santos, que punham sua espada a serviço da Fé. Todavia, a esta cena gloriosa sucederam-se outras de desolação: o triste espectáculo das infidelidades desse povo predestinado, afundando no pecado e no esquecimento de Deus. E, enquanto imerso nessas cogitações oscilava entre o júbilo e o horror, outra voz, cheia de suavidade e doçura, sussurrou a seus ouvidos: “Não tenhas medo, porque Eu estou aqui, e vigio”.
Remígio recobrou a calma. Agora podia caminhar sereno, certo de contar com o mais precioso auxílio. A Virgem Santíssima, como Mãe bondosa, velaria pela jovem nação dos francos.
“É este o Reino dos Céus?”
Foi ainda sob o impacto dessa visão grandiosa que, na tarde do dia seguinte, Remígio avançou em cortejo pelas ruas de Reims, conduzindo pela mão o rei Clóvis, rumo à catedral. O prédio, muito menor e mais simples, comparado ao actual, fora ornado de cortinas brancas e iluminado por milhares de círios aromáticos, como símbolo da beleza espiritual da Mãe Igreja que nesse dia acolhia os francos como filhos.
“Todo o templo do baptistério estava impregnado de um odor divino e Deus cumulou os assistentes de tal graça que eles se sentiam transportados em meio aos perfumes do Paraíso”. O próprio Clóvis, deslumbrado ante o esplendor da decoração e dos cânticos, deteve-se na soleira do recinto sagrado e perguntou a Remígio: “É este o Reino dos Céus que tu me prometes? — Não, mas é o começo do caminho que a ele conduz”, respondeu o Bispo.
A cerimónia transcorreu com a maior solenidade possível. Nela, três mil francos, sem contar as mulheres e as crianças, receberam o Baptismo junto com o Rei. Entre eles estavam sua irmã, a princesa Albofleda, e o pequeno Thierry, nascido do primeiro matrimónio de Clóvis. Como Simeão, Remígio por fim podia cantar: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz...” (Lc 2, 29).
Nasce uma nova nação
A vontade de Deus era, porém, de que ele continuasse ainda por muitos anos seu labor apostólico na Gália. Contando agora com a protecção do rei, Remígio podia dedicar-se a erradicar a idolatria, anunciando por toda parte o Evangelho de Cristo. Todos quantos dele se aproximavam saíam beneficiados: os pagãos se convertiam, os cristãos recebiam o pão da doutrina, os hereges abjuravam seus erros, os Bispos sentiam-se animados a seguir seu exemplo.
Nos últimos anos de sua vida, quis o Senhor adornar com a coroa do sofrimento aquela fronte venerável, já nimbada de glória: numerosas doenças enfraqueceram seu corpo, sem lograr, contudo, abater-lhe o ânimo ou amortecer sua caridade. Finalmente Remígio rendeu sua alma a Deus em 530, aos 93 anos de idade e 70 de ministério episcopal.
No decorrer dos séculos, sua figura, longe de se esvanecer nas brumas do passado, pareceu tomar maior realce e revelar a verdadeira envergadura de seu espírito. Por sua fidelidade ao chamado de Deus, São Remígio tornou-se profeta de uma nova era e patriarca de uma nação católica à qual permanece vinculado para sempre, como mediador das graças que do Céu baixam sobre ela. (Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP, Revista Arautos do Evangelho, Jan/2012, n. 121, p. 32 a 35)
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