Flaviano, sucessor de São Proclo, ocupou a sede patriarcal de Constantinopla durante os três anos de 446-449. Seu governo coincidiu com uma época agitadíssima da Igreja Oriental. Heresias, graves dissensões e lutas intestinas perturbavam a paz e tornavam quase insuportáveis a permanência na capital do império grego. Flaviano, envolvido fatalmente nas agitações político-religiosas daquele tempo, com a solidez de suas virtudes, com a firmeza de seu carácter conservando-se sempre superior e absoluto senhor da situação, apresenta a figura dum grande Patriarca, digno da admiração de todos os tempos. A modéstia, unida à firmeza, à paciência imperturbável nas situações mais críticas, fizeram com que não se esquecesse nunca de sua alta posição e das obrigações a ela ligadas.
Logo após a sua eleição para Patriarca se deu um fato, presságio de lutas vindouras. Segundo o costume daquele tempo, o Patriarca eleito enviara ao Imperador os tais chamados eulógias, isto é, pão bento, símbolo da paz e concórdia. A oferta de Flaviano foi devolvida, com a rectificação que só seriam aceitas eulógias de ouro. O Patriarca respondeu: “Ouro e prata não me pertencem”.
Quando a heresia monofisítica do arquimandrita Eutiches começou a ganhar terreno em Constantinopla, Flaviano se lhe opôs, com toda a energia e franqueza apostólica. Principiou com esta campanha a subida para o Calvário do intemerato antístite. Eusébio de Doriléia, com um solene protesto contra a nova doutrina, dera sinal de alarme. Flaviano convocou um Concílio local em Constantinopla (448); que examinou a doutrina eutichiana e a condenou. Contra o autor foi lançada a excomunhão. Tendo na questão o apoio incondicional do grande Papa Leão I, Flaviano não mais hesitou em entrar em luta aberta contra os poderosos amigos de Eutiches. Os que como tais se revelaram, eram o eunuco Crisáfio, favorito e tesoureiro do Imperador Teodósio II e Dioscuro, Bispo de Alexandria; dois formidáveis adversários, cuja política outra mira não visava, a não ser deposição e expulsão do Patriarca. Para alcançar este fim, todos os meios, por mais indignos que fossem, lhes eram aceitáveis. Vendo que o Patriarca não cedia, nem ameaças com o desagrado do Imperador lhe faziam modificar a atitude, trataram de alcançar de Teodósio a autorização para convocar um concílio, com o intuito de, como diziam, restabelecer a paz religiosa. O Concílio, chamado o latrocínio de Éfeso, realizou-se (449), sob a presidência de Dioscuro. Compareceram 135 Bispos. De um sínodo, onde só inimigos tinham representação, que justiça Flaviano podia esperar? De fato o sínodo de Éfeso foi a expressão da paixão, do ódio, do despotismo sem freio contra o Bispo católico.
A primeira humilhação foi à absolvição solene de Eutiches e a reabilitação de sua doutrina condenada. Seguiu-se a vergonha de Bispos subalternos declararem deposto o superior e pronunciarem contra ele a sentença da excomunhão. De nada valeu a apelação de alguns Bispos, que de joelhos suplicaram a Dioscuro que não cometesse tamanha injustiça e retirasse a sentença pronunciada contra Flaviano. A injustiça aí não parou. De chofre apareceu um bando de gente armada, entre outros, monges fanatizados chefiados pelo afamado Barsumas, que com paus e facas se atiraram aos Bispos católicos, exigindo-lhes debaixo de terríveis ameaças, a assinatura do documento da deposição e condenação de Flaviano. Sem exemplo na história eclesiástica foi o tratamento bárbaro que Flaviano mesmo sofreu, no meio dos inimigos. O próprio Dioscuro (segundo outros Barsumas) pisou-o com os pés e as feridas que recebeu dos outros fanáticos foram tão graves, que morreu três dias depois.
O triunfo dos inimigos teve pouca duração. Dois anos depois se realizou o Concílio ecuménico de Calcedónia, que restabeleceu a honra do grande Patriarca, dando-lhe o título de Mártir glorioso, que morreu em testemunho da fé verdadeira. O Papa Hilário, que, como comissário apostólico, tinha presenciado as cenas horríveis do sínodo de Éfeso, construiu uma Igreja em honra do Bispo Mártir. Nela se vê um quadro artístico que representa o martírio de S. Flaviano.
Nota: A Igreja ensina que há em Jesus Cristo duas naturezas, a divina e a humana. A pessoa, porém, é uma só, a de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. A heresia de Nestório, condenada pela Igreja, vê em Jesus Cristo duas pessoas, uma divina e uma humana, uma bem diferente da outra. Eutiches ensinou, contrariamente a fé católica, e ao Nestorianismo que em Jesus Cristo há só uma natureza. Que estas heresias, todas orientais pudessem causar tanta desordem e serem defendidas com tanta paixão, tem em parte sua explicação no carácter dos orientais, que pendem mais para a especulação teórica que os ocidentais. Quase sempre havia naquelas questões fortes elementos políticos e pessoais, que faziam com que degenerassem em espectáculos, como os que observamos na vida de S. João Crisóstomo e S. Flaviano.
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