Santa Gertrudes a Grande, no IV livro da obra Liber specialis gratiae (O livro da graça especial), no qual se narram as graças especiais que Deus outorgou a Santa Matilde, afirma: “O que escrevemos é bem pouco em comparação com o que omitimos. Unicamente para a glória de Deus e utilidade do próximo publicamos estas coisas, porque nos pareceria injusto manter o silêncio sobre tantas graças que Matilde recebeu de Deus, não tanto para ela mesma, segundo nosso parecer, mas para nós e para os que virão depois de nós” (Mechthild von Hackeborn, Liber specialis gratiae, VI, 1).Com Gertrudes nós nos introduzimos na família do Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da Turíngia, aparentada com o imperador Frederico II, e entramos no Mosteiro de Helfta no período mais glorioso da sua história.
Santa Matilde, desde a sua juventude, acolheu e vivenciou o clima espiritual e cultural criado pela irmã, oferecendo depois sua marca pessoal.
Matilde de Hackeborn, uma das grandes figuras do mosteiro de Helfta e do monaquismo alemão no século XIII, nasceu em 1241 ou 1242, no Castelo de Helft, Saxônia, na nobre e poderosa família Hackeborn, que era possuidora de terras na Turíngia. A terceira filha do barão nasceu tão frágil que se chegou a acreditar estar morta, mas o padre que foi batizá-la profetizou que ela chegaria a ser santa e que Deus obraria grandes coisas por meio dela.
Aos 7 anos, com sua mãe, visitou sua irmã Gertrudes no mosteiro de Rodersdorf. Ficou tão fascinada por esse ambiente, que desejou ardentemente fazer parte dele. Entrou como educanda e, em 1258, converteu-se em monja do convento que entrementes havia se transferido para Helfta, na propriedade dos Hackeborn.
Distinguiu-se pela humildade, fervor, amabilidade, limpeza e inocência de vida, familiaridade e intensidade na relação com Deus, com Nossa Senhora e com os santos. Dotada de elevadas qualidades naturais e espirituais, como “a ciência, a inteligência, o conhecimento das letras humanas, a voz de uma suavidade maravilhosa: tudo a tornava adequada para ser um verdadeiro tesouro para o mosteiro, sob todos os aspectos”. (Ibid., Proemio).
Assim, o "rouxinol de Deus" - como era chamada -, ainda muito jovem converteu-se em diretora da escola do mosteiro, diretora do coro e mestra de noviças, serviço que levou a cabo com talento e infatigável zelo, não somente em benefício das monjas, mas de todo aquele que desejasse acudir à sua sabedoria e bondade.
Iluminada pelo dom divino da contemplação mística, Matilde compôs numerosas orações. É mestra de fiel doutrina e de grande humildade, conselheira, consoladora, guia no discernimento: “Ela - lê-se - distribuía a doutrina com uma abundância que nunca tinha sido vista no mosteiro, e temos grande temor de que nunca se volte a ver algo semelhante. As monjas se reuniam ao seu redor para escutar a palavra de Deus, como a um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos e tinha, como dom singular de Deus, a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada um. Muitas pessoas, não só no mosteiro, mas também estranhos, religiosos e leigos, vindos de longe, testemunhavam que esta santa virgem lhes havia libertado de suas penas e que nunca haviam provado tanto consolo como ao seu lado. Além disso, ela compôs e ensinou tantas orações que, se fossem reunidas, superariam o volume de um saltério” (Ibid., VI,1).
Em 1261, chegou ao convento uma menina de 5 anos, de nome Gertrudes: foi confiada aos cuidados de Matilde, então com 20 anos, que a educou e guiou na vida espiritual até fazer dela não somente sua discípula excelente, mas sua confidente. Em 1271 ou 1272, entrou no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. O lugar acolheu, assim, 4 grandes mulheres - duas Gertrudes e duas Matildes -, glória do monaquismo germânico.
Em sua longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde passou por contínuos e intensos sofrimentos, aos quais acrescentou as duríssimas penitências escolhidas para a conversão dos pecadores. Dessa forma, participou da Paixão do Senhor até o final da sua vida (cf. ibid., VI, 2). A oração e a contemplação foram a fonte da sua existência: as revelações, seus ensinamentos, seu serviço ao próximo, seu caminho na fé e no amor têm aqui sua raiz e seu contexto.
No primeiro livro da obra Liber specialis gratiae as redatoras recolhem as confidências de Matilde indicadas nas festas do Senhor, dos santos e, de modo especial, de Nossa Senhora. É impressionante a capacidade que esta santa tinha de viver a Liturgia em seus vários componentes, inclusive os mais simples, levando-a à vida monástica cotidiana. Algumas imagens, expressões, aplicações talvez estejam longe da nossa sensibilidade, mas se considerarmos a vida monástica e sua tarefa de mestra e diretora de coro, perceberemos sua singular capacidade de educadora e formadora, que ajuda suas irmãs a viverem intensamente, partindo da Liturgia, cada momento da vida monástica.
Na oração litúrgica, Matilde deu particular importância às horas canônicas, à celebração da Santa Missa, sobretudo à Santa Comunhão. Nesse momento, ela frequentemente se elevava em êxtase, em uma intimidade profunda com Nosso Senhor em seu Coração ardentíssimo e dulcíssimo, em um diálogo estupendo no qual pedia iluminação interior, enquanto intercedia de modo especial por sua comunidade e por suas irmãs. No centro estão os mistérios de Cristo, aos quais Nossa Senhora remete constantemente, para caminhar pela senda da santidade: “Se desejas a verdadeira santidade, fica perto do meu Filho; Ele é a própria santidade que santifica tudo” (Ibid., I,40). Nesta sua intimidade com Deus está presente o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores, os pecadores. Para ela, céu e terra se unem.
Suas visões, seus ensinamentos, as circunstâncias da sua existência são descritos com expressões que evocam a linguagem litúrgica e bíblica. Capta-se, assim, seu profundo conhecimento da Sagrada Escritura, seja tomando símbolos, termos, paisagens, imagens ou personagens. Sua predileção era pelo Evangelho:
“As palavras do Evangelho eram para ela um alimento maravilhoso e suscitavam em seu coração sentimentos de tal doçura, que frequentemente, pelo entusiasmo, não conseguia terminar sua leitura... A forma como lia estas palavras era tão fervente, que suscitava a devoção em todos. Assim também, quando cantava no coro, estava toda absorta em Deus, transportada por tal ardor, que às vezes manifestava seus sentimentos com os gestos... Outras vezes, elevada em êxtase, não ouvia quem a chamava ou a movia e com dificuldade recuperava o sentido das coisas exteriores” (Ibid., VI, 1).
Em uma das suas visões, o próprio Jesus lhe recomenda o Evangelho; abrindo-lhe a ferida do seu dulcíssimo Coração, disse-lhe: “Considera quão imenso é meu amor; se queres conhecê-lo bem, em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente que no Evangelho. Ninguém jamais sentiu a expressão de sentimentos mais fortes e mais ternos que estes: como meu Pai me amou, assim eu vos amei (Jo 15, 9)” (Ibid., I,22).
A discípula Gertrudes descreve com expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde de Hackeborn, duríssimos, mas iluminados pela presença da Beatíssima Trindade, de Nosso Senhor, de Nossa Senhora, de todos os santos, e também de sua irmã de sangue, Gertrudes. Quando chegou a hora em que o Senhor quis levá-la com Ele, ela lhe pediu para poder viver mais um pouco no sofrimento pela salvação das almas, com o que Jesus aquiesceu, contente com este último sinal de amor.
Matilde tinha 58 anos. Percorreu o último trecho do caminho caracterizado por 8 anos de graves doenças. Sua obra e sua fama de santidade se difundiram amplamente. Chegada a sua hora, “o Deus de Majestade (...), única suavidade da alma que o ama (...), cantou-lhe: Venite vos, benedicti Patris mei... (Vinde, benditos do meu Pai, vinde receber o Reino) e a associou à sua glória” (Ibid., VI,8).
Santa Matilde de Hackeborn nos confia ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora. Convida a louvar o Filho com o Coração da Mãe e venerar Maria com o Coração do Filho: “Eu vos saúdo, ó Virgem veneradíssima, neste dulcíssimo orvalho, que do Coração da Santíssima Trindade se difundiu em vós; eu vos saúdo na glória e no gozo com que agora vos alegrais eternamente, Vós que, com preferência a todas as criaturas da terra e do céu, fostes escolhida antes ainda da criação do mundo! Amém” (Ibid., I, 45).
Matilde percorreu um caminho de íntima união com Nosso Senhor, entrando em diálogo com o seu dulcíssimo e ardente Coração, fonte de luzes interiores e ocasião de intercessão pelas suas irmãs. Pouco após a sua morte, a sua obra e a sua fama de santidade já tinham se difundido grandemente.
Matilde faleceu em 19 de novembro de 1299 com 59 anos de idade. A fama e a importância que a ela atribui sua discípula, Santa Gertrudes de Helfta, a Grande, acabou por fazer sombra a Santa Matilde, que a partir do século XVI passou para um segundo plano.
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