Iniciamos o tempo da Quaresma. Na espiritualidade cristã temos tempos propícios para revermos nossa vida e nos dispormos a uma vivência mais coerente do Mistério Pascal de Cristo que celebramos em toda sua intensidade e esplendor na Vigília Pascal (bênção das cinzas). O povo do Antigo Testamento era conclamado pelos profetas a uma conversão para Deus e fazia celebrações penitenciais pelos pecados. Os profetas clamavam: “Voltai a mim com todo vosso coração com jejuns, lágrimas e gemidos” (Jl 2,12). O pecado é a expressão mais acabada de nossa fragilidade. Somos pó e um pó que nem sempre produz vida. A palavra de Deus reconhece: És pó e em pó hás de tornar (Gn 3,19), como está descrito logo no início das Escrituras após a condenação do homem. O homem é como a flor do campo que hoje está viva e, passando o vento, já desaparece (Sl 103,15). A fragilidade do homem faz parte da sua constituição de criatura finita. Esta fragilidade se deteriora em seu ser profundo quando existe o pecado, isto é, a recusa de Deus e a recusa de sua finalidade de buscar a Deus na comunhão dos irmãos. A própria Escritura dá o exemplo deste egoísmo ao narrar a onda de males que cresce após o pecado: Caim mata Abel. Esses males se propagam por todo o universo, prejudicando a própria inocente criação. Lembramos aqui a Campanha da Fraternidade deste ano que trata deste tema: “Fraternidade e vida no planeta”. Se não houver o reconhecimento da fragilidade e a conversão do coração, como sugere Jesus no Evangelho, a terra se tornará, também ela, pó sem vida. O rito das cinzas não é uma lembrança do antanho, coisas da superstição, mas é uma profecia de hoje para salvar as pessoas e o mundo. Por isso Paulo chama para aproveitar bem este tempo favorável: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor, 6,2).
Força para vencer
Na Quaresma lembramos o jejum de Jesus. Ele sofreu a tentação em toda sua vida. E foi vencedor. Fazer penitência não é sofrer. É fortificar-se. As pessoas malham e fazem regimes mortíferos para manter-se em forma. Um atleta está em contínuo exercício para poder vencer a disputa. Do mesmo modo, para levar nossa natureza humana e espiritual a estar pronta para vencer os males que nos cercam e viver saudavelmente, necessita de um treinamento vigoroso. A penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal, rezamos na oração da missa. Houve tempo que a penitência era castigar o corpo. Jesus ensina a domar o coração e a fonte de nossos desejos. O homem vencerá se vencer seu coração e se tornar dono de seus sentimentos, desejos, afetos, ambições, orgulhos. Se o jejum, a penitência, a esmola não entrarem em nosso interior, não estaremos prontos. Se não é provado, não pode ser comprovado.
Tempo de conversão
O clamor da Quaresma é o convite: “Deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Buscai o Senhor e Ele se deixará encontrar. Por isso Jesus diz que é preciso ter o rosto alegre, pois não se trata de dor, mas de mudança de atitude que nos leva ao encontro com Deus. É um tempo de nos recolhermos um pouco mais dentro de nós mesmo e, na oração, conhecer nosso interior e trabalhá-lo para que seja mais apto para enfrentar a mudança que a Páscoa exige de nós: “Nós vos exortamos a não receber em vão a graça de Deus” (2Cor 6,1).
Leituras: Joel 2,12-18; Salmo 50;
2Coríntios 5,20–6,2; Mateus 6,1-6.16-18.
ARTIGO(HOMILIA) REDIGIDO E PUBLICADO
EM FEVEREIRO DE 2011
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