1. Irmãs e Irmãos caríssimos
A exortação que acabámos de escutar hoje na carta de São Paulo Apóstolo a Timóteo, ressoa poderosamente no nosso coração pela força com que se cumpriu na vida dos nossos novos beatos: Manuel Gómez González, sacerdote e mártir e Adílio Daronch, jovem acólito e mártir.
Nestes, aquelas palavras de Paulo permanecei firmes naquilo que aprendestes e do qual estais convictos, sabendo de quem o recebestes e que desde a infância conhece a Sagrada Escritura: estes podem instruir-vos para a salvação, que se obtém por meio da fé em Cristo Jesus, encontram magnífico cumprimento e estupenda realização num testemunho que, ainda que diverso na idade e nas funções, uniu-se na palma do martírio e na vitória da Cruz de Cristo!
O Santo Padre Bento XVI, recorda justamente que: "Santo é aquele que, sentindo-se de tal forma atraído pela beleza de Deus e pela sua perfeita verdade, progressivamente por Ele é transformado. Por esta beleza e verdade, está pronto a renunciar a tudo, também a si mesmo. Para ele é suficiente o amor de Deus, que experimenta no serviço humilde e abnegado do próximo, sobretudo de quantos não são capazes de retribuir" (Homilia, 23 de Outubro de 2005).
Pela beleza e verdade de Cristo e do seu Evangelho, os dois novos beatos, renunciaram a tudo, também a si próprios.
2. Manuel Gómez González, nasce a 29 de Maio de 1877 nas proximidades de Tuy-Pontevedra, em Espanha, filho de José e Josefina González. Terminado o percurso de estudos exigido, a 24 de Maio de 1902, recebeu a ordenação presbiteral na sua terra natal e começou a exercer o ministério sacerdotal na sua diocese. A partir de 1904, foi aceite após o seu pedido, na vizinha diocese de Braga, em Portugal, tornando-se pároco de Valdevez e depois, em 1911, de Monsão. Com o surgimento dos problemas políticos e religiosos, em 1913 foi-lhe concedido partir para o Brasil.
Aqui, depois de uma breve estadia no Rio de Janeiro, Monsenhor Miguel de Lima Valverde, acolheu-o na diocese de Santa Maria (Rio Grande do Sul). Por breve tempo foi pároco de Saudade, até que a 7 de Dezembro de 1915, foi-lhe confiada a imensa paróquia de Nonoai, quase uma pequena diocese: aqui desenvolveu uma obra pastoral tão intensa, que em oito anos, transformou o rosto da paróquia, cuidando também dos Índios e devendo também, pontualmente, ocupar-se da vizinha paróquia de Palmeiras das Missões, na qualidade de administrador. Foi precisamente nesta segunda paróquia entregue ao seu cuidado que haveria de sofrer depressa o martírio.
Adílio Daronch, nasce a 25 de Outubro de 1908, perto de Dona Francisca, na zona de Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul), no Brasil. Os seus pais, Pedro Daronch e Judite Segabinazzi, tinham oito filhos: em 1911 a família transferiu-se para Passo Fundo e em 1913, para Nonoai. Adílio fazia parte do grupo de adolescentes que acompanhava Padre Manuel nas suas longas e cansativas viagens pastorais, entre as quais, junto dos índios Kaingang. Fiel acólito, Adílio era também aluno da escola fundada pelo missionário.
Um dia, o bispo de Santa Maria, D. Ático Eusébio da Rocha, pediu ao sacerdote espanhol para ir visitar um grupo de colonos teutónicos brasileiros, instalados na floresta de Três Passos.
O Padre Manuel celebrou a Semana Santa na paróquia de Nonoai, portanto fez a viagem acompanhado pelo jovem Adílio, ignorando os perigos de uma região envolta em movimentos revolucionários.
Esteve um primeiro tempo em Palmeiras: aqui, administrou os sacramentos, mas não deixou de exortar ao dever da paz aos revolucionários locais, pelo menos em nome da fé cristã.
No entanto, os mais extremistas não gostaram da intervenção do religioso, nem de ter dado sepultura com cristã piedade, às vítimas dos bandos locais.
Continuaram depois a sua viagem para Braga e de seguida, para a Colónia Militar onde, a 20 de Maio de 1924, o Padre Manuel celebrou pela última vez a Santa Missa.
Os fiéis indígenas, avisaram o sacerdote do perigo que correria se penetrasse na floresta, mas ele não lhes deu ouvidos, ardendo no desejo de levar-lhes a graça divina.
Chegados a um empório, procurando informações sobre como chegar aos colonos de Três Passos, encontraram militares que gentilmente se ofereceram para os acompanhar. Tratava-se na verdade de uma emboscada propositadamente organizada: Padre Manuel e o seu fiel ministrante, Adílio, então apenas com dezasseis anos, foram na realidade conduzidos para uma remota zona da floresta onde os esperavam os chefes militares.
Juntos, sobre uma elevação, os dois companheiros de martírio, foram amarrados a duas árvores e fuzilados, morrendo assim, por ódio à fé cristã e à Igreja Católica. Era o dia 21 de Maio de 1924.
3. É admirável rever nestes acontecimentos, a mesma vitalidade, o mesmo vigor, a mesma extraordinária força das "Paixões" dos Mártires dos primórdios da era cristã!
Parece revermos o Santo Pontífice Sisto II, na emboscada fatal no cemitério de Calisto, enquanto ensinava a Palavra Divina e dali conduzido ao martírio, sem ser abandonado pela fiel escolta dos seus Diáconos, que quiseram partilhar do seu fim e glória! Também ao Padre Manuel, poderemos aplicar as palavras que São Cipriano dirigiu a Sisto: "sacerdote bom e pacífico"; também no seu acólito Adílio, poderemos evocar a glória de Tarcísio, mártir da Eucaristia: o primeiro por levá-la aos irmãos, o segundo pelo serviço no ofertá-la à Majestade Divina!
Esta Igreja não esqueceu assim o heróico testemunho do pároco e do acólito, mortos por amor do Evangelho e numerosos devotos apressaram-se a acorrer às suas sepulturas e a invocar a ajuda do Senhor através das suas intercessões.
Hoje a Igreja reconhece a vitória do pároco e do seu acólito, prestando-lhes a homenagem da glória e reconhecendo a sua poderosa intercessão, implora a sua celeste ajuda e olha para o seu exemplo!
4. A celebração da Eucaristia, no centro da vida dos Beatos Manuel e Adílio, brilha no seu testemunho com a potência e o fascínio do mistério encarnado: para que a Palavra de Deus ressoe no mundo, para que se cumpram os Mistérios da salvação, para que se renove sobre o altar o sacrifício da Cruz, para que se celebre na oferta da própria vida a comunhão dos Divinos Mistérios, para que os homens venham a atingir a salvação. Por isso, aqueles desafiaram os perigos e desprezando as ameaças, ofereceram juntos o próprio holocausto, a fim de que a sua radical comunhão, brilhasse alta como luz nas trevas do homem, vencido pelo ódio e pela violência, vítima da luta fratricida e assassina que semeia nos corações o extremo veneno da própria e alheia ruína e condenação!
Ao seu apóstolo Timóteo, São Paulo na segunda leitura, que acábamos de escutar, dirigia-se-lhe assim: Suplico-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que virá julgar os vivos e os mortos, pela sua manifestação e o seu Reino: anuncia a palavra, insiste em toda a ocasião oportuna e inoportunamente, insiste, corrige, exorta com toda a magnanimidade e doutrina.
Devemos considerar-nos afortunados, irmãos caríssimos, porque a nós foi hoje concedida uma graça especial: a de compreender o quanto está viva a Palavra de Deus, porque estas palavras vimo-las realizadas nos nossos Beatos!
Vimos um pastor e uma criança estimar a própria vida, exclusivamente por relação a Deus e à salvação eterna dos irmãos; vimo-los considerar um ganho a sua perda para ganhar o Reino de Deus; vimos este Reino começado aqui na terra, onde Deus visita os aflitos, consola os atribulados e volta a oferecer-se pelos pecadores; ouvimos anunciar a Palavra de Deus no coração da floresta, com fidelidade e insistência.
Escutámos a voz do sacerdote suplicar, corrigir e exortar, com toda a magnanimidade e doutrina, para que nos corações voltasse a paz e para que os pecadores se convertessem e vimos também nós hoje, um jovem elevar as mãos do pai, como aconteceu um dia com Moisés, a fim de que a luta fosse sustentada até à vitória e implorada a graça do céu, no qual participaram com o próprio serviço!
Também nós fomos testemunhas de tudo isto, irmãos caríssimos, e vimos cumprirem-se as promessas prefiguradas desde o Antigo Testamento na perene primavera da Igreja e descobrimos a verdade da Aliança em Cristo na perenidade do seu vigor, vivido no testemunho dos Mártires!
5. Hoje, se o Filho do homem voltasse, segundo a sua promessa, encontraria ainda acesa a chama da fé sobre a terra: encontrá-la-ia viva e resplandecente sobre esta Igreja do Brasil, encontrá-la-ia alimentada no sangue dos seus Mártires, encontrá-la-ia segura e ardente no testemunho dos Beatos Manuel Gómez e Adílio Daronch.
Encontraria ainda sobre a terra, também nos nossos corações, porque hoje, ainda que débeis e fragilizados pela sua miséria e pelos seus pecados, estes são fortalecidos na memória dos Santos Mártires e encontraram estímulo na sua força: a fé em Cristo Senhor, único salvador e redentor do homem, nós hoje a afirmamos e professamos nesta comunhão dos Santos, que nos une no único Credo e que nos estimula ao mesmo testemunho.
Como sublinhava Bento XVI: "... O Senhor não fecha os olhos diante das necessidades dos seus filhos e, se por vezes parece insensível aos seus apelos, é só para os pôr à prova e temperá-los na fé. Este é o testemunho dos santos, este é especialmente o testemunho dos mártires, associados de um modo mais estreito ao sacrifício redentor de Cristo" (Angelus, 14.8.2005), como o estiveram efectivamente, de modo exemplar, os nossos dois novos Beatos.
Beatos Manuel e Adílio, dai-nos também hoje o vosso socorro, que reconhecemos poderoso, à nossa súplica e oferecei do céu a vossa intercessão junto do trono do Altíssimo: dirija Ele o seu olhar sobre as nossas misérias e sobre as nossas necessidades, sobre os nossos conflitos e sobre os ódios que destroem o coração do homem, que oprimem os fracos e que sufocam a sua graça!
Venha o Príncipe da paz a sustentar a batalha da sua Igreja, desça com as nossas fileiras para que triunfe a sua Palavra e intercedam por nós os Beatos Mártires Manuel e Adílio, a fim de que possamos um dia com eles, cantar os louvores do Senhor, ali onde Cristo reina glorioso entre as falanges do céu! A Ele o louvor e a glória pelos séculos, amém!
Frederico Westphalen (Brasil), 21 de Outubro de 2007
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