quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Santa Hildegarda von Bingen, Mística, Profetiza e Escritora – 17 de setembro

     Hildegarda von Bingen nasceu no Condado de Spanhein, Diocese de Maicus, no ano de 1098. Seus pais, Hildeberto e Matilde, provavelmente originários de Bermerschein, no Condado de Spanheim, pertenciam à nobreza do Palatinado.
     Conforme prática comum naquela época, com a idade de oito anos ela foi levada ao Mosteiro de Disibodensberg, ou do monte de Santo Disibode, onde foi colocada sob a direção de Jutta, filha do Conde de Spanheim, que tomou a si o encargo de cuidar dessa menina que dava sinais de grande vocação. Sua virtude sobressaiu de tal modo que, aos 39 anos, quando morre Jutta, as religiosas elegeram Hildegarda como Abadessa.
     Sabe-se que Hildegarda tinha uma saúde muito frágil e que sempre era favorecida por visões, além de ter intuições sobrenaturais de coisas por suceder. Todas essas manifestações sobrenaturais eram por ela narradas com simplicidade a sua tutora e a um dos monges do mosteiro de Santo Disibode, chamado Volmar, que posteriormente exercerá o ofício de seu secretário durante 30 anos.
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     Como ela mesma conta em seus escritos: "Aos meus 40 anos, tive uma visão onde uma voz dizia: ‘Diga o que viste e entendeste, não à maneira de outro homem, mas segundo a vontade dAquele que sabe, vê e dispõe todas as coisas no segredo de seus mistérios’".
     Era uma ordem decisiva que indicava a vocação de Hildegarda, semelhante à dos profetas do Antigo Testamento, os quais eram as bocas de Deus. Sobre esta vocação, Hildegarda insistirá dizendo que "uma voz do Céu mandava-me tudo dizer e escrever, tal qual ouvia e era-me ensinado". Esta voz apresentou-se a ela como “a Luz viva que ilumina o que é obscuro”
Hildegarda menina entregue a Jutta
     Durante muito tempo ela resistiu por humildade e desconfiança. Mais por temor do que por desobediência, continuava a recusar a escrever. Foi então que caiu doente. Confiou sua preocupação ao seu diretor espiritual. Depois de aconselhar-se com os religiosos mais sábios da comunidade e de interrogar Hildegarda, o Prior ordenou-lhe que escrevesse. Assim que ela começou a escrever, imediatamente se viu curada e levantou-se da cama.
     Ajudada pelo monge Volmar, escreveu, entre 1141 e 1151, a sua grande obra Scivias (Conhece as vias do Senhor), uma espécie de Apocalipse sobretudo dogmático e um pouco moral.
     Em 1147, o prior, desconfiando do seu próprio critério, apresentou os escritos de Hildegarda ao Arcebispo Henri, de Mainz, Diocese onde se localizava o Mosteiro de Disibodensberg. Aproveitando a presença do Papa Eugênio III em Trier, onde iria reunir-se um Sínodo preparatório do Concílio de Reims, o arcebispo consultou o Papa.
     Trier é a cidade do Imperador Constantino, que ali residiu com sua mãe Santa Helena até o ano 316. O Papa Eugênio III era um cisterciense formado por São Bernardo. Ele reuniu Cardeais, Bispos e Abades para um alto tema: confirmar mais uma vez as reformas empreendidas pelo Papa São Gregório VII.
     O Papa, desejoso de conhecer melhor o assunto, enviou o Bispo de Verdum, Alberon, ao Mosteiro de Hildegarda, que respondeu com simplicidade às perguntas que lhe foram feitas. Os escritos feitos até então por Hildegarda foram entregues a ele e lidos em voz alta na presença do Arcebispo, dos Cardeais e de todo o clero reunido. Entre os ouvintes estava a maior figura da Cristandade: São Bernardo de Claraval.
     A conclusão da assembleia é atribuída a São Bernardo: "É preciso impedir que se apague uma tão admirável luz animada pela inspiração divina". Este Santo conhecera Hildegarda e pediu que o Papa divulgasse tão grande graça concedida por Deus à Igreja no seu pontificado, e a confirmasse com sua autoridade.
     O Papa seguiu seu conselho, escreveu a Hildegarda: "Nós ficamos admirados, minha filha, que Deus mostre em nosso tempo novos milagres. Nós te felicitamos pela graça de Deus. Conserve e guarde esta graça" (*). Pediu ele ainda que ela relatasse com frequência tudo que lhe fosse revelado por intermédio do Espírito Santo.
     A santa relatou ao Papa Eugênio III, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira da voz celeste relativamente ao pontífice. Anunciava uma época difícil, cujos primeiros sinais já se manifestavam:
     “As próprias montanhas, que são os prelados, em lugar de se elevarem continuamente a comunicações íntimas com Deus, a fim de cada vez mais se transformarem na luz do mundo, descuidam-se e obscurecem-se. Daí a sombra e a perturbação que reina nas ordens superiores. E porque vós, grande Pastor e Vigário de Cristo, deveis buscar luz para as montanhas e conter os vales, dai preceitos aos senhores e disciplinas aos súditos. O Soberano Juiz recomenda-vos que condenais e repilais de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para vossa grande confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade, mas sede compassivo com as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as dores daqueles que O temem”.
     Começou assim uma nova vida para Hildegarda. Sua fama, não só devido a seus escritos, mas também aos milagres, difundiu-se além do Reno. Muitos vinham visitá-la. Ela penetrava nos pensamentos dos peregrinos e afasta-se dos que se aproximam com más intenções ou para provar sua virtude. Exortava à conversão à Fé verdadeira os judeus que vinham ouvi-la. Hildegarda livrou do demônio uma possessa de Colônia, que os sacerdotes da Abadia de Brauweisler não tinham conseguido expulsar. 
    Santa Hildegarda mantinha correspondência com Papas, Bispos e altas autoridades temporais, como, por exemplo, os Imperadores Conrado III e Frederico Barbaruiva, da Alemanha.
     Frederico Barbaruiva pediu que a Santa o visitasse em seu palácio de Ingelheim, perto de Mainz. Os detalhes desse encontro são conhecidos pelas cartas do Imperador e das respostas de Santa Hildegarda. Ela não se intimida diante de tão ilustre destinatário e o adverte em termos proféticos e pede que o Imperador "vele pelos costumes dos Prelados que caíram na abjeção", exortando-o a que "tome cuidado para que o Supremo Rei não te lance por terra por culpa da cegueira de teus olhos. Seja tal, que a graça de Deus não te falte".
     O Imperador lutou contra o Papado, destituiu o Arcebispo de Mainz, fiel a Roma, mandou suas tropas arrasar Milão e nomeou nada menos do que quatro antipapas apenas durante o pontificado de Alexandre III.  Ficou surdo às exortações da Santa!
     Correspondia-se ela com São Bernardo de Claraval, que lhe escreveu em termos elogiosos e sobrenaturais: "Agradeço a graça de Deus que está em ti. Eu te suplico de lembrar-te de mim diante de Deus..."
     Ela recebera a vocação de aconselhar, segundo os caminhos de Deus, não só as mais altas autoridades da época, mas também pessoas simples que a ela recorriam pedindo um conselho. A todos Hildegarda respondia com o tom que caracterizava o seu estilo, isto é, com solenidade, humildade e severidade.
     Santa Hildegarda anunciou a eclosão de uma terrível heresia que ergueria o povo contra o Clero, porque este "tinha uma voz e não ousou levantá-la", o que permitiu ao inimigo "oferecer os seus próprios bens, enchendo os olhos, as orelhas e o ventre de todos os vícios!" Pouco tempo depois, explodiu a heresia dos cátaros, descrita por ela com detalhes que surpreendem os historiadores. Ela vai além, prevendo a vitória da Igreja sobre essa heresia.
     Santa Hildegarda é mística, profetiza, escritora, pregadora, conselheira, médica e compositora. Seus outros dois livros que compõem a trilogia hildegardina são: o Líber vitae meritorum ou Livro dos Méritos, onde são apresentados os grandes dados da moral do século II; e o Líber divinorum operum ou Livro das obras divinas, de caráter científico, contendo ilustrações de grande precisão e originalidade. Ela compôs ainda diversas obras de menor importância sobre assuntos variados, como o Tratado de Medicina. Compôs também 77 sinfonias em um estilo similar ao gregoriano.
     Santa Hildegarda viveu seus últimos anos no convento de Eibingen, o terceiro fundado por ela na outra margem do Reno. Foi o único que se salvou dos bárbaros e das guerras. Uma das religiosas narra a morte de Santa Hildegarda: "Nossa boa Mãe, depois de combater piedosamente pelo Senhor, tomada de desgosto da vida presente, desejava cada dia mais evadir-se desta Terra para unir-se com Cristo. Sofrendo de sua enfermidade, ela passa alegremente deste século para o Esposo celeste, no octogésimo ano de sua existência, no dia 17 de setembro de 1179".
     Em 1233 foi feito um inquérito sobre as suas virtudes e os seus milagres, ordenado pelo Papa Gregório IX, mas não chegou a bom termo.
Sta. Hildegarda com seu secretário
      Ao longo do século XIII se desenvolveu um culto popular dirigido a ela, em 1324 o papa João XXII autorizou sua veneração pública, e suas relíquias foram autenticadas no encerramento do século XV. Finalmente seu nome foi inscrito como santa na primeira edição do Martirológio Romano, de 1584, aprovada pelo papa Gregório XIII, e sua inclusão foi ratificada na edição revista de 2001 publicada sob os auspícios do papa João Paulo II, que a descreveu como "uma santa extraordinária, uma luz para seu povo e sua época que nos dias de hoje brilha ainda mais intensamente".
     A partir da segunda metade do século XX o interesse pela sua figura histórica e seus escritos renasceu, especialmente através dos estudos monumentais de Marianna Schrader, Christel Meier e Aldegundis Führkötter, e com as traduções feitas dos originais latinos para o inglês por Otto Müller, tornando acessível seu trabalho para um público muito mais vasto, de modo que atualmente sua produção já é objeto de análises particularizadas por um bom número de acadêmicos da Europa e Estados Unidos, destacando-se Peter Dronke, Barbara Newman e Heinrich Schipperges, entre muitos outros.
     Para dirimir quaisquer dúvidas que ainda pairassem sobre o seu estatuto de santa, em 10 de maio de 2012 o papa Bento XVI proclamou publicamente sua santidade e determinou que seu culto fosse estendido à Igreja Universal na forma devida aos santos, ratificando definitivamente a inclusão do seu nome na lista dos santos católicos. Em 7 de outubro do mesmo ano, através de Carta Apostólica, foi honrada com o título de Doutora da Igreja, considerando a ortodoxia da sua doutrina, a sua reconhecida santidade, a importância dos seus tratados e sua influência sobre outros teólogos.
Abadia de Santa Hildegarda em Rüdesheim
(*) A carta é uma das 390 que aparecem no livro recentemente publicado na Alemanha sob o patrocínio da Abadessa Walburga Storch OSB, da própria Abadia de Santa Hildegarda, em Rüdesheim-Eibingen.

    “Por que Deus quis que ela tivesse essas visões? Porque o verdadeiro católico tem que ter uma filosofia da História. Ele deve saber que sua época é um elo entre o passado e o futuro, e deve interpretar os acontecimentos de sua época não como acontecendo só hoje, mas como nascidos de mil fatores do passado e gerando mil coisas no futuro. É um processo, é uma coisa que gera outra, que gera outra, que gera outra, que gera outra. Para nós conhecermos este processo veio esta revelação”.

Fontes: Catolicismo setembro 1998; Pe. Rohbacher

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