O primeiro a
reconhecer a natureza como palavra que falava a Palavra de Deus é o próprio
Criador que, contemplando o que fizera, “viu que tudo era muito bom”. Para
completar reúne toda a beleza da natureza, fez um jardim que é um Paraíso aonde
Deus vinha, na brisa da tarde, falar com o homem (Gn 8,3,1). A natureza era suficiente para
dar ao homem o conhecimento de Deus, como lemos em Paulo: pela natureza o homem
pode conhecer a Deus (Rm
1,10). As frutas possuem palavras sobre o bem e o mal, a sabedoria e a
vida (Gn 3,1ss).
Essa beleza é tão grande que em cada folha, grão de areia, gota d’água, chama
de fogo e mesmo um vento de brisa contêm em si um universo. Por mais que os
cientistas tentem chegar à última explicação, sempre haverá algo mais a
entender e descobrir. É um infinito de maravilhas. Tudo isso fala de Deus: “Os
céus narram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19,1). Todas as
maravilhas que Deus operou pelo seu povo aconteceram na natureza. Os encontros
com Deus realizados pelo povo deram-se em meio aos elementos da natureza. Jesus
debulhava as belezas do Reino nas flores do campo, nos campos dourados para a
colheita, nas árvores, nas plantações e no trabalho do homem. Para vir a nós,
viveu a natureza humana profundamente implantada na realidade da natureza. Para
nos deixar Sua vida, no sacramento da Eucaristia usou o pão e o vinho, frutos
da terra e do trabalho das pessoas. Trouxe-nos a salvação no lenho da cruz.
1003.
Jesus falava dos lírios
Jesus
era extremamente sensível à natureza. Quanto mais somos de Deus, mais o vemos
na natureza e ouvimos sua palavra. Quem, ao ver a beleza de uma flor ou outro
elemento criado e não é capaz de ouvir aí seu Criador, é porque já morreu em
seu coração. Se não digo ‘Tu me encantas, ó Deus, e me amas com este presente’,
sou ainda incompleto, imaturo e insuficiente. Quando Jesus, assentado sobre o
monte anunciava a síntese de sua Palavra dizia da beleza das flores.
Certamente, naquela relva com um simples lírio do campo na mão, que hoje cresce
e amanhã já está seco, dizia-nos que não devemos preocupar, pois estamos nas
mãos de Deus (Mt
6,28-30). Os santos viam nas flores os recados de Deus. Quanto mais amarmos
a Deus, mais O veremos na beleza do mundo. Quanto mais amamos a natureza, mais
O veremos nela.
1004.
As dores do mundo
Se
há uma natureza serena e de misteriosa beleza, há também perturbações. Que
significam os cataclismos, as dores de um animal, a extinção de espécies e
tantos males que o mundo sofre? Paulo explica que a “a natureza foi submetida à
vaidade – não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu – na
esperança de ela também ser libertada da corrupção para entrar na liberdade da
glória dos filhos de Deus” (Rm 8,20-21). Talvez possamos entender que, pelo pecado, foi
destruído o justo equilíbrio de relação da pessoa com a natureza. O Mal não
está na natureza, mas em nós que lidamos com ela a partir do Mal. Também esta
situação é uma Palavra que nos interpela a bem viver com os elementos naturais.
Assim a natureza está na esperança de ela também ser libertada da escravidão da
corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos Deus (Rm 8,20-21). A
espiritualidade se coroa com as flores, e também chora com o mundo.
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