e levou vida de penitência e oração até
os 89 anos de idade, quando faleceu.
É protectora da cidade de Paris.
Vivendo entre dois mundos — o da Gália romana, que se extinguia, e de cujo desmoronamento foi testemunha, e o da Gália franca, que nascia de suas cinzas e em cuja conversão trabalhou denodadamente — Santa Genoveva serviu de ponto de união entre romanos e bárbaros. E recebeu de Deus a missão de transmitir a fé católica dos vencidos aos vencedores, preparando assim as sementes daquela que seria a nação cognominada Filha Primogênita da Igreja, a França.
Corria o ano 400 de nossa era. O gigantesco Império Romano do Ocidente vivia seus últimos dias. Na província romana da Gália (atual França), em meio aos pagãos que ainda faziam sacrifícios humanos ao deus Thor, o cristianismo começava a lançar suas raízes quando, vinda de além Reno, uma horda de bárbaros devastou a região quase sem encontrar resistência.
“Por que os gauleses, outrora tão bravos, não se defenderam? Porque os romanos, com seu luxo, tinham-lhes dado sua moleza e seus vícios”[1].
Com o tempo, a vida recomeçou com os novos bárbaros sendo assimilados pela população do país.
Foi nesse período que, no ano 422, na pequena cidade de Nannetodorum (hoje Nanterre), nos arredores de Paris, nasceu em uma família cristã Genoveva, que tão importante papel desempenharia na vida da futura nação convertida ao cristianismo.
Instrumento de grandes maravilhas
Seus pais, Severo e Gerôncia, sendo católicos fervorosos, procuraram formar a filha nos mesmos princípios religiosos. Dócil e sempre aberta à ação da graça, Genoveva crescia de modo análogo ao do Menino Jesus: “em graça e santidade diante de Deus e dos homens”.
Quando tinha de sete a oito anos, em 430, passaram por Nannetodorum os Bispos Germano, de Auxerre, e Lobo, de Troyes. Enviados pelo Papa São Celestino I, esse dois luminares da Igreja na época, dirigiam-se à Inglaterra a fim de combater uma perniciosa heresia defendida pelo monge Pelágio. Toda a população católica reuniu-se para ouvir o sermão que Germano pregaria. Como os que são amigos mais íntimos de Deus logo se reconhecem, o grande Prelado discerniu, entre seus ouvintes, a menina Genoveva, que trazia na fronte o sinal dos eleitos.
Quis saber quem era, e falar com seus pais. Quando estes se apresentaram com a filha, São Germano, pondo a mão na cabeça da menina, disse: “Bendito dia aquele em que o Senhor vos concedeu tal filha; os anjos a saudaram sem dúvida no seu nascimento, e Deus Nosso Senhor a destina a ser instrumento de grandes maravilhas”[2].
Voltando-se depois para Genoveva, exortou-a a consagrar-se inteiramente a Deus e a não ter outro esposo que Jesus Cristo. A menina respondeu-lhe que nunca tivera outro desejo senão o de viver como virgem cristã. O Bispo, vendo no chão uma moeda, na qual estava gravada uma Cruz, tomou-a e, entregando-a a Genoveva, recomendou-lhe que a usasse ao pescoço como sinal de sua consagração a Jesus Cristo. Segundo alguns autores, é este o primeiro exemplo que se conhece do uso de medalhas ao pescoço.
Certo dia de festa, sua mãe, que por qualquer motivo não estava de bom humor, negou-lhe permissão para ir com ela à igreja. Como Genoveva insistisse, alegando que havendo se tornado esposa de Jesus Cristo tinha obrigação de servi-Lo do melhor modo, a genitora, irritada, deu-lhe uma bofetada, ficando cega no mesmo instante. Depois de um ano de cegueira, iluminou-se o espírito de Gerôncia, que reconheceu no castigo uma justa punição de Deus. Pediu então à filha, cuja virtude agora reconhecia, que lhe trouxesse água do poço, fazendo sobre ela o sinal da Cruz e lavando-lhe os olhos.
Neste momento, a cegueira foi curada. O episódio revela a humildade da mãe e o Dom dos milagres de que já era dotada a filha.
Na cidade da qual seria a Padroeira
Naquele tempo, não havendo em Paris e redondezas convento para as virgens que se consagravam ao Senhor, estas, para melhor dar o exemplo, permaneciam em suas casas, em meio a todos. Tinham lugar reservado somente na igreja. Quando chegavam a uma idade conveniente (que era habitualmente os 25 anos), apresentavam-se ao Bispo que, depois das preces e cerimônias apropriadas, lhes concedia o véu. Como a virtude de Genoveva e sua piedade eram já eminentes, o Prelado admitiu-a com a idade de 15 anos. A partir de então, como faziam as virgens consagradas, a adolescente passou a alimentar-se apenas de legumes, a beber somente água, e cobriu-se com um cilício, passando longas horas em oração.
Tendo seus pais falecido nessa época, Genoveva mudou-se para a casa de sua madrinha, na cidade de Lutécia, atual Paris, que mais tarde terá a honra de tê-la como Padroeira.
Queriam queimá-la como feiticeira
Pouco depois de estabelecida em Lutécia, Genoveva foi acometida por uma paralisia quase total, acompanhada de fortes dores. Não podia servir-se de nenhum de seus membros. A estranha doença chegou a um auge no qual ela perdeu os sentidos. Permaneceu durante três dias nesse estado, conhecendo-se que estava viva somente pelo fraco pulsar do coração. Durante esse período ela foi transportada, em espírito, entre os coros dos Anjos, dando-lhe Deus a conhecer o muito que deveria fazer e padecer por seu amor no resto de sua vida.
Parte desse sofrimento começou para ela logo em seguida, porque, em sua inocência, comunicara a algumas pessoas indiscretas o grande benefício de que tinha sido objecto. Ora, as almas medíocres não podem suportar que outras vivam em horizontes mais altos. Vingam-se delas pela calúnia e pela difamação. Assim, começaram a dizer que Genoveva aparentava santidade para exibir-se, que suas pretensas virtudes não passavam de fingimento, e outras coisas no género, sem olhar para os bons frutos que produzia. E como a calúnia atrai mais as almas soezes que a verdade, iniciou-se contra a Santa uma verdadeira campanha de difamação, chegando-se ao ponto de querer-se queimá-la como feiticeira.
Ora, sucedeu então que voltava a Lutécia, novamente a caminho da Inglaterra, o ilustre São Germano, agora nimbado por fama universal de santidade e com o crédito de muitos milagres e prodigiosas conversões. Ouviu as calúnias em silêncio. Limitou-se a dirigir-se à casa onde vivia a Santa, sendo nisso acompanhado pela multidão. Lá chegando, saudou-a com profundo respeito e reverência, após o que foi refutando calúnia por calúnia, mostrando, pelo contrário, o mérito dessa virgem diante de Deus. Voz tão autorizada teve uma acção verdadeiramente exorcística, cortando pela raiz todo o vendaval levantado pela maledicência.
A Santa salva Paris diversas vezes
A virtude de Genoveva voltou a brilhar perante os homens. “Ela penetrava, graças a uma luz sobrenatural, no fundo das consciências, e levava a todos, pelo seu discurso inflamado, ao amor de Jesus Cristo. Passava sua vida em oração e lágrimas contínuas. .... Sua abstinência era prodigiosa, e mal se poderia crer se não se visse um excelente modelo na vida de seu mestre e director, São Germano de Auxerre”[3].
Enquanto ela edificava a todos com suas virtudes, uma grande calamidade ameaçava abater-se sobre Paris. O terrível Átila, rei dos mais ferozes bárbaros da época, os hunos, tendo atravessado os Alpes e o Reno, invadia com suas hordas a Gália. Paris estava na sua rota de sangue e destruição. Na consternação geral, muitos pensavam em fugir da cidade, pois por onde passava o “Flagelo de Deus” – como era conhecido –, nada mais crescia no solo devastado.
Genoveva saiu então de seu retiro para exortar o povo a obter misericórdia de Deus, por meio de orações, jejuns e penitências. E àqueles que queriam fugir, disse com autoridade: “Eu vos predigo que, pela protecção de Cristo, Paris será poupada, enquanto os lugares onde vos quereis refugiar tombarão sob o poder do inimigo, não restando lá pedra sobre pedra”[4]. Muitos foram os parisienses dóceis aos seus conselhos que se revezavam na igreja, numa contínua prece ao Céu. Mas novamente o demónio suscitou outros contra ela, alegando que os levava a uma ruína inevitável com suas pseudo- profecias. Os ânimos novamente se acirraram de tal modo, que desejavam outra vez queimá-la. Mais uma vez São Germano, que já gozava da glória celeste, livrou-a, desta feita por meio de seu Arcediago. Este, chegando a Paris, reuniu o povo, mostrando como o Santo Bispo Germano, durante sua vida, havia honrado Genoveva. Citou-lhes os testemunhos que dela havia dado antes de morrer. Com isso, apaziguou de novo a tempestade.
A profecia da Santa cumpriu-se à risca, pois apesar de Átila ficar correndo da cidade de Champagne a Orléans e de Orléans a Champagne, não avançou até Paris. Finalmente, foi derrotado por uma coligação de romanos, francos e visigodos, na estupenda vitória de Chalons-sur-Marne, em 451.
Alguns anos mais tarde, Paris foi sitiada, desta vez por Meroveu, terceiro rei dos francos. Os romanos, que ainda aí conservavam forte guarnição, resistiram vários anos, até caírem ante essa nova força. “Não se deve espantar se Santa Genoveva, que estava lá, não evitou esse golpe, pois não tinha intenção de se opor aos desígnios de Deus, que queria fazer dessa cidade a capital do mais florescente reino que jamais houve sobre a Terra”[5].
Entretanto, durante esse prolongado cerco, que reduziu Paris à mais extrema penúria, “Genoveva, compadecida de tanta fome, juntou grande quantidade de trigo. Conduziu-o a Paris através de inúmeras dificuldades, salvando assim a vida daquele povo aflito”[6].
“Essa magnânima caridade, acompanhada de muitos milagres, deu novo lustro às suas virtudes, fazendo-a ser venerada mesmo pelos pagãos. Chilperico, pai de Clóvis, estimava tanto a nossa santa que nunca se atreveu a negar-lhe coisa alguma que pedisse”[7]. Foi às suas instâncias que ele construiu um magnífico templo primitivamente consagrado aos Apóstolos São Pedro e São Paulo e mais tarde dedicado a essa Santa. Muitos consideram que ela contribuiu poderosamente para a conversão de Clóvis. A seu pedido, este primeiro Rei cristão da França libertou prisioneiros, deu grandes esmolas ao Clero e aos pobres, e edificou várias igrejas.
Seguindo o exemplo de Genoveva, muitas jovens consagraram-se a Deus, algumas delas, como Santa Aude, sob sua direcção, chegaram a santidade eminente. A rainha Santa Clotilde, esposa de Clóvis, tinha Genoveva em alta consideração, e sempre que possível ia entreter-se com ela.
A fama dessa Santa chegou tão longe, que o famoso São Simão Estilita, do alto de sua coluna na Ásia Menor, pediu a peregrinos franceses que o recomendassem às orações dela.
Cheia de anos e de virtudes, Santa Genoveva entregou sua puríssima alma a Deus em 512. Toda Paris chorou.
Milagrosa actuação post mortem
No ano 887, do Céu, novamente salvou ela sua cidade de Paris, sitiada pelos terríveis normandos. Pela primeira vez sua urna, cinzelada pelo famoso Santo Elói, foi levada pelo Clero e Magistrados, o que fez levantar milagrosamente o cerco, no momento em que o inimigo se preparava para o assalto final.
E, em 1129, quando a epidemia chamada “dos ardentes” – porque provocava alta temperatura e fazia inúmeras vítimas em Paris – grassava na cidade, sua intercessão foi decisiva. Outra vez, a urna contendo seus restos percorreu a cidade, curando-se repentinamente 14 mil enfermos.
Plinio Maria Solimeo
[1] Sabine du Jeu, Sainte Geneviève, Les Éditions du Clocher, Toulouse, 1939, p. 4.
[2] Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1946, p. 32.
[3] Les Petits Bollandistes, Vie des Saints, d’aprés de Père Giry, par Mgr Paul Guérin, Paris, Boloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo I, p. 95.
[4] Sabine du Jeu, op. cit. p. 26.
[5] Les Petits Bollandistes, op.cit., p. 97.
[6] Santos de cada dia, organização do Pe. José Leite, S.J., Editorial A.O., Braga, 1993, p. 19.
[7] Abbé Croisset, Año Cristiano, Madrid, Saturnino Calleja, 1901, tomo I, p. 27.
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