Beata Umbelina, por Adrien Richard Igreja de Nossa Senhora da Assunção, Orgelet (França) |
Por Ir. María del Pilar Perezcanto Sagone, EP -1
Menina exemplar, de temperamento fogoso e dotada de abundantes qualidades naturais, a via do matrimônio parecia ser aquela pela qual Umbelina chegaria à santidade. Mas Deus tinha para ela planos mais elevados…
No longínquo século XII, residia na Borgonha, França, uma nobre família constituída por Tescelino, senhor de Fontaines, sua esposa, a piedosa Alice, e seus sete filhos: Guido, Gerardo, Bernardo – que seria o grande abade de Claraval –, Umbelina, André, Bartolomeu e Nivardo.
No castelo onde a abençoada prole veio ao mundo, a harmonia e o espírito religioso próprio à Idade Média reinavam entre todos, sendo o incentivo mútuo à prática da virtude o pão de cada dia. Conversava-se sobre o Criador com naturalidade, e a fidelidade aos Mandamentos era moeda corrente. Os deveres dos quais a Santa Igreja incumbia os guerreiros católicos – defendê-la e amar-se entre si – eram valorosamente cumpridos por Tescelino, cujo exemplo os filhos logo começaram a espelhar.
Em meio a uma sociedade que considerava a Cavalaria como a melhor expressão das virtudes morais de um varão, os seis meninos da família possuíam todos os predicados para se tornarem figuras famosas e bem-sucedidas. E para Umbelina, a única dama da plêiade de irmãos, o futuro também sorria de modo promissor. Dotada de uma beleza fora do comum, nela se uniam a doçura e a fortaleza, a gentileza e a intrepidez, e não faltariam pretendentes à altura de sua dignidade.
Não era difícil prever um porvir brilhante para cada um dos membros dessa família. O que ninguém poderia imaginar é que eles refulgiriam na História com uma glória muito superior àquela conquistada por qualidades humanas, ainda que elevadas, e atravessariam os tempos enaltecidos pela Igreja com a honra dos altares.
Uma mãe exemplar
Conhecida no ducado por sua profunda despretensão e generosidade para com os necessitados, Alice de Montbard constituiu o sólido alicerce da santidade de seus filhos. De caráter firme e bondoso, ela incutiu-lhes no coração não só o horror ao pecado, como também a generosidade para com Deus, a tal ponto que todos eles souberam renunciar a um bem – a Cavalaria – para abraçar outro maior: a vocação à qual a Providência os destinara, na vida religiosa.
“Não posso esquecer, escreve um dos amigos de São Bernardo, como esta dama ilustre procurava servir de exemplo e de modelo para seus filhos. Estando no lar, casada e no meio do mundo, ela imitava de alguma maneira a vida solitária e religiosa, por suas abstinências, pela simplicidade de suas vestes, por seu afastamento dos prazeres e das pompas do século; retirava-se sempre que possível das agitações da vida mundana, sendo perseverante nos jejuns, nas vigílias, na oração, e compensando com as obras de caridade o que poderia faltar à perfeição de uma pessoa engajada no matrimônio e no mundo”.1
Fervorosa devota de Santo Ambrósio, Alice faleceu na festa deste Doutor da Igreja do ano de 1110, após receber o Viático e a Unção dos Enfermos. Pouco antes de expirar, pediu aos circunstantes que rezassem a Ladainha de todos o Santos. Enquanto recitavam a jaculatória “pela vossa Cruz e Paixão, livrai-nos Senhor”, ela se levantou, fez o sinal da cruz com profunda reverência, elevou os braços ao Céu e recostou-se serenamente, entregando sua alma a Deus.
Diz-se que, de todos os filhos, o que mais sentiu a morte da mãe foi o jovem Bernardo, então com dezenove anos de idade. Atenta à voz da graça, Alice compreendera bem ser ele especialmente chamado pela Providência, e deitara particular atenção em sua formação.
Os frutos desse autêntico carinho materno logo despontaram de maneira excelente: aos vinte e um anos de idade, Bernardo decidiu fazer-se monge cisterciense, ramo reformado dos beneditinos, então incipiente e sem projeção aos olhos do mundo. Muitos familiares, inclusive sua irmã, ficaram desconcertados com a decisão; porém, isso não constituiu o mínimo obstáculo para ele. Se tal era a vontade de Deus, nada o faria voltar atrás.
E Bernardo não iria sozinho: tendo incentivado um a um de seus irmãos a se entregarem a Deus por completo, todos eles o seguiram. O próprio pai terminaria seus dias como irmão leigo na comunidade de Claraval.
A última a abandonar o mundo para abraçar as vias da perfeição foi Umbelina, completando-se assim a “coroa de sete estrelas celestes que a mãe de São Bernardo porta no Reino dos Céus”.2
Família da Beata Umbelina Igreja de Santa Úrsula, Montbard (França) |
Dama de caráter fogoso, modelado na virtude
Umbelina possuía um caráter fogoso, que os progenitores souberam modelar no santo temor de Deus. Conta-se que cavalgava com destreza e participava de arriscadas caçadas com o pai e irmãos. Atravessava sarças e espinheiros, e quando caía se levantava com a agilidade e despreocupação de um combatente. Sua formosura refletia a pureza de sua alma, na qual brilhava a virtude fundamental para realçar toda qualidade ou dom: a humildade.
Como todos os irmãos se tornaram religiosos, as propriedades e fortuna da família se concentraram nas mãos da jovem Umbelina. Pouco depois, ela se casou com Guy de Marcy, sobrinho do duque da Borgonha. Embora tivesse assumido a vida matrimonial com seriedade, logo se deixou arrastar pelas vaidades do mundo, entregando-se a diversões e passatempos fúteis e procurando gozar ao máximo do luxo e das pompas que sua condição lhe proporcionava.
Uma visita a Claraval
Certo dia, cheia de saudades de seu amado irmão Bernardo, Umbelina foi visitá-lo no Mosteiro de Claraval, do qual era abade. Quem a recebeu foi outro de seus irmãos, André, que na ocasião exercia a função de porteiro. Ao ver a irmã engalanada de modo aparatoso, acompanhada de um faustoso séquito, o jovem religioso não pôde esconder seu espanto e reprovação. Pediu que ela aguardasse enquanto ia comunicar ao abade a visita que o esperava.
Alguns instantes depois André retornou com um recado que fez Umbelina prorromper em pranto: Bernardo não iria recebê-la. Entendendo que o desprezo do irmão se devia aos excessos de luxo com que se apresentava – sinal de haver ela cedido às ilusões do demônio –, reconheceu seu deplorável estado espiritual e insistiu com André: “Sou pecadora, mas pelos pecadores Cristo morreu. É porque sou má que busco a companhia e o conselho dos bons. Se meu irmão não estima o seu próprio sangue, que não despreze nem desampare minha alma. Venha ver-me, mande-me fazer o que bem entender, pois estou disposta a executar o que ele queira de mim”.3
O santo abade, inteirando-se da boa reação de Umbelina, encheu-se de compaixão e mandou chamar todos os demais irmãos para vê-la. Com a firmeza e doçura que lhe eram próprias, o Doutor Melífluo lembrou-lhe o exemplo da virtuosa mãe, persuadindo-a de que a santidade não era incompatível com o matrimônio. E a exortou: “Será possível que somente tu, entre tantos irmãos, serás escrava de teu corpo, enquanto eles se preocupam apenas com a saúde de sua alma? Tantos suspirando pelo Céu, e somente tu sepultada na terra? Tantos pensando a cada instante na morte, e tu como se fosses permanecer para sempre no mundo? Prevalecerá o teu critério, e somente tu te gloriarás na podridão que servirá de pasto para os vermes, e viverás para sempre esquecida do bem e utilidade de tua alma? Com que hás de restituir na outra vida esses deleites passageiros, essa glória momentânea e tanto gasto supérfluo?”4
Conversaram longamente… Umbelina sentiu-se banhada como por uma água fresca e perfumada. Compreendeu que só em Deus se encontra a verdadeira felicidade e que todas as riquezas da terra jamais saciariam sua sede de infinito.
Quando a suntuosa comitiva partiu de Claraval, Umbelina havia tomado uma importante decisão.
Encontro de São Bernardo com sua irmã Umbelina na Abadia de Claraval, por Andreas Meinrad von Ow Mosteiro da Floresta, Sigmaringa (Alemanha) |
Mudança repentina e completa
De volta ao Castelo de Fontaines, Umbelina começou uma nova vida: abandonando todos os excessos de luxo, passou a seguir uma rotina permeada de austeridades, com mortificações e longos períodos dedicados à oração.
Ao cabo de dois anos, pediu ao esposo autorização para retirar-se a um convento, pois sentia claramente a voz da graça chamando-a a uma vida de total renúncia a tudo o que é terreno, de holocausto contínuo em louvor a Deus. Embora ainda não tivessem filhos, não foi fácil a Guy aceder. Só depois de haver ponderado bem e se certificado de ser aquela a vontade de Deus, consentiu, e logo sentiu profunda alegria de alma.
Tendo acertado a questão matrimonial segundo a disciplina da Santa Igreja, ela ingressou afinal no convento beneditino de Jully-sur-Sarce, do qual Isabel de Forez, sua cunhada, era abadessa.
Umbelina avançou a passos largos no caminho da santidade, mostrando-se exemplar na obediência, radical nas austeridades, humilde a todo momento. Realizava com simplicidade os trabalhos mais baixos, desejando expiar assim a vida mundana que havia levado. Passava muitas noites em contínua oração, meditando a dolorosa Paixão de Nosso Senhor.
Ficou surpresa ao ser eleita priora do convento por unanimidade, quando Isabel foi enviada a dirigir uma nova casa. Nesse cargo, soube transmitir a fortaleza e a doçura de seu Esposo, Jesus Cristo, a ponto de alguns a terem qualificado como versão feminina do grande abade de Claraval.
Alegre até na morte!
A alegria dos Santos transparece inclusive na morte. Ao completar cinquenta anos de idade, dos quais dezesseis transcorreram na vida religiosa e cerca de onze como abadessa, Umbelina sentiu que as forças começavam a lhe faltar. Ao ser informado do delicado estado de saúde da irmã, já obrigada a guardar o leito, São Bernardo dirigiu-se a Jully em companhia de André e Nivardo.
Estar com Bernardo era o maior anseio de Umbelina, e bastou ouvir-lhe a voz para recobrar o alento e iniciar uma agradável conversa com os três irmãos. Declarou o quanto era feliz por ter seguido os conselhos de Bernardo, dizendo-lhe: “A melhor vida, que é a de minha alma, devo-a à tua persuasão e doutrina; agora é tempo de prosseguires, para livrar-me, como espero, das penas eternas”.5
Após um breve convívio, no qual ela se mostrava contente e animada, os irmãos resolveram deixá-la e recolher-se na hospedaria do convento. Contudo, poucos instantes depois, um Anjo apareceu para o confessor de Umbelina, que também se encontrava ali, e advertiu-lhe que ela estava prestes a expirar. Logo as tábuas do assoalho começaram a ranger sem que ninguém as tocasse e, tendo todos no mosteiro acorrido para ver o que sucedia, o sacerdote lhes avisou da iminente morte da abadessa.
São
Acorreram então para junto de seu leito e ela, sorridente, foi cumprimentando um a um dos que chegavam, até o momento em que exclamou o Salmo: “Lætatus sum in his quæ dicta sunt mihi: in domum Domini ibimus” (121, 1).6 Seu rosto se encontrava iluminado por um brilho celestial. Depois de alguns instantes, fixou o olhar no céu e com inefável serenidade entregou sua alma a Deus. Era o dia 21 de agosto de 1141.
Segundo narram alguns, seu corpo exalava uma forte fragrância que confortava a todos os circunstantes, e seu belo rosto dava a ideia de que não havia passado por nenhuma enfermidade.
Bernardo assiste à morte de sua irmã Umbelina Igreja de São Leodegário, Gigny (França) |
“Amar é servir”
Se quiséssemos sintetizar a vida da Beata Umbelina em três palavras, bastaria remontarmos ao lema que ela mesma tomou para si: “Amar é servir”. Conta-se que tal frase lhe foi enviada por São Bernardo, escrita num pequeno pergaminho, como resposta a uma carta na qual a irmã se queixava da quantidade de afazeres dos quais estava incumbida e que quase não lhe deixavam tempo para a meditação.
Ela considerava essas três palavras tão valiosas quanto um extenso tratado, pois lhe apontavam o ideal para o qual vivia, o motivo pelo qual deveria sempre dar de si mesma, resistindo ao cansaço sem desanimar, sentindo-se irritada sem o demonstrar e continuar desejando a solidão sem ter jamais um momento para si.
Como bem expressou certo autor, essa frase fazia soar no coração de nossa Bem-Aventurada a voz de seu querido irmão Bernardo, como a repetir-lhe constantemente: “Umbelina, nosso Amado é um amante zeloso que não tolera regateios no sacrifício. Trabalha por Ele até à morte, e faze-o sorrindo!”7 ◊
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