O caminho da espiritualidade está sempre às voltas com
a fragilidade. Aliás, é o normal da vida. Somos frágeis porque finitos;
frágeis, porque marcados pelo pecado original e pelos pecados de cada dia. “O
justo peca sete vezes e se levanta” (Pr 24,16); quer dizer, muitas vezes. Assim
nós nos encontramos diante de uma dificuldade: ‘Como pregar o evangelho sendo
pecadores’? Ou ‘como ouvir um pregador, sabendo que é frágil como nós ou mais
do que nós’? Certamente somos conscientes da realidade de pecado e da fragilidade.
O povo diz que dizer que não temos pecado já é um pecado. Certamente que não
temos necessidade de pecar. Mas acontece. Pregamos o Evangelho, sabendo-nos
devedores. Deveríamos, criar vergonha, não abrir a boca e não anunciar Jesus? O
pregador santo tem um trunfo, pois prega mais pela vida do que com as palavras.
E nós? Seria falsidade? A grande resposta podemos encontrá-la nessas palavras:
‘somos os primeiros ouvintes de nossa pregação’. É necessário ser maduro e
distinguir entre a verdade e quem a diz. A jumenta do Balaão falou (Nm
22,22-34), nem por isso era uma santinha. Era bem recalcitrante. Aos pregadores
compete serem, mesmo conscientes de sua fraqueza, anunciadores da verdade e do
caminho do bem. O anunciador do Evangelho errará se colocar seus pecados como
virtude. Não posso justificar o mal só porque não posso viver o bem; É um mal
pior. Penso que há uma identificação injusta, digamos, entre Jesus e o pregador
frágil. Jesus também era frágil. Ele não cometeu pecado, mas assumiu nossos
pecados. O pregador tem o pecado, mas a verdade que anuncia está em Cristo,
nossa justificação. Quem anuncia, na verdade, é Cristo. Nós podemos ser bons ou
maus veículos dessa Palavra. Muita fragilidade não é mais do que os cravos que
nos pregam à cruz de Jesus sofredor. Contudo, não se justifica o mal, mas se
estimula à pregação pela palavra, pela vida e pelos exemplos. Isso não se
refere só aos padres, mas a todos.
455.
Espinho na carne
Imitando Paulo podemos repetir suas palavras: “temos um espinho na
carne” (2Cor 12,7). Não se sabe o que seja esse espinho: ou uma doença ou uma
dificuldade ou mesmo a perseguição dos falsos irmãos que não lhe davam paz; Era
um calo dolorido. Isso nos leva a compreender também suas palavras na carta aos
Romanos quando explica que faz o mal que não quer e não faz o bem que quer (Rm
7,14-25). Nós temos nosso espinho, seja um defeito humano, uma dificuldade, um
erro que nos persegue, um pecado que nos esbofeteia (2Cor 7,12). É mau
justificar o próprio erro. Bom é lutar sempre. A todos se exige a vida
correspondente ao que se ensina. Por outro lado, nossas imperfeições nos fazem
misericordiosos para com os outros, pois carregamos os mesmos males. Somos frágeis,
mas fiéis e confiantes na graça e misericórdia de Deus. Não pouco nos ajuda a
oração do povo de Deus. A espiritualidade da fragilidade nos faz
misericordiosos.
456.
Carregai os fardos uns dos outros
O Simão
cirineu não é somente um homem que ajudou Jesus em sua caminhada para o
Calvário. Ele é um evangelho vivo que ensina a carregar a cruz uns dos outros.
Na verdade não era Simão quem carregava a cruz. Era Jesus quem carregava Simão,
que levava a cruz de nossa frágil humanidade. “Carregai os fardos uns dos
outros e cumprireis toda a lei” (Gl 6,2), escreve Paulo. Carregar os fardos é
levar juntos a cruz da fragilidade. A compreensão que temos uns pelos outros, a
aceitação da correção, o esforço de caminhar juntos, são um evangelho que
anuncia a atitude redentora de Jesus. Carregou nosso fardo.
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