Pedro chegou à presença do Mestre. Intuitus eum Iesus… “Jesus, fitando-o…” O Mestre cravou o olhar no recém-chegado e penetrou até o mais íntimo do seu coração. Como teríamos gostado de contemplar esse olhar de Cristo, capaz de mudar a vida de uma pessoa! Jesus olhou para Pedro de um modo imperioso e tocante. Nesse pescador galileu, ou melhor, para além dele, Jesus via toda a sua Igreja através dos tempos. O Senhor mostrou conhecê-lo desde sempre: Tu és Simão, filho de João! E também conhece o seu futuro: Tu te chamarás Cefas, que quer dizer Pedro. Nestas poucas palavras condensavam-se a vocação e o destino de Pedro, a sua tarefa neste mundo.
Desde o começo, “a situação de Pedro na Igreja é a da rocha sobre a qual se levanta o edifício”[2]. Toda a Igreja ― e a nossa própria fidelidade à graça – tem como pedra angular, como alicerce firme, o amor, a obediência e a união com o Sumo Pontífice; “em Pedro, robustece-se a nossa fortaleza”[3], ensina São Leão Magno. Olhando para Pedro e para toda a Igreja na sua peregrinação terrena, vemos que lhes podem ser aplicadas as palavras pronunciadas por Jesus: Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa, mas ela não desabou porque estava fundada sobre rocha[4]. Rocha que, com as suas debilidades e defeitos, um dia foi escolhida pelo Senhor: um pobre pescador da Galiléia e os seus sucessores ao longo dos séculos.
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O encontro de Pedro com Jesus deve ter impressionado profundamente os que o presenciaram, familiarizados como estavam com as cenas do Antigo Testamento. O próprio Deus tinha mudado o nome do primeiro Patriarca: Chamar-te-ás Abraão, que quer dizer Pai de uma multidão[5]. Também mudara o nome de Jacob pelo de Israel, que quer dizer Forte diante de Deus[6]. Agora, a mudança de nome de Simão não deixava de revestir-se de certa solenidade, no meio da simplicidade do encontro. “Eu tenho outros desígnios a teu respeito”, foi o que Jesus lhe deu a entender.
Mudar o nome equivalia a tomar posse de uma pessoa, ao mesmo tempo que era designar-lhe uma missão divina no mundo. Cefas não era nome próprio, mas o Senhor impõe-no a Pedro para indicar-lhe a função que desempenharia como seu Vigário e que lhe seria revelada de modo pleno mais tarde[7]. Nós podemos examinar hoje, na nossa oração, como é o nosso amor por aquele que faz as vezes de Cristo na terra: se rezamos diariamente por ele, se difundimos os seus ensinamentos, se o defendemos prontamente quando é questionado ao recordar a doutrina da Igreja, que é a mesma de sempre e que jamais mudará, ainda que mude o que os homens e as sociedades acham ou deixam de achar. Que alegria damos a Deus quando Ele vê que amamos, com obras, o seu Vigário aqui na terra!
II. ESTE PRIMEIRO ENCONTRO de Pedro com o Mestre não foi a chamada definitiva. Mas desde aquele instante o Apóstolo sentiu-se cativado pelo olhar de Jesus e por toda a sua Pessoa. Não abandona o seu ofício de pescador, mas acompanha Jesus e escuta os seus ensinamentos. É bem provável que tenha presenciado o primeiro milagre do Senhor em Caná, onde conheceu Maria, a Mãe de Jesus.
Um dia, às margens do lago, depois de uma pesca excepcional e milagrosa, Jesus convidou-o a segui-lo definitivamente[8]. Pedro obedeceu imediatamente – o seu coração fora sendo preparado pouco a pouco pela graça – e, deixando tudo, seguiu o Senhor, como discípulo disposto a compartilhar em tudo a sorte do Mestre.
Tempos depois, encontravam-se em Cesareia de Filipe e, enquanto caminhavam, Jesus perguntou aos seus: E vós, quem dizeis que eu sou? Respondeu Simão Pedro e disse: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo[9]. Mal pronunciou estas palavras, Cristo prometeu-lhe solenemente o primado sobre toda a Igreja[10]. Como Pedro se lembraria então do que Jesus lhe dissera uns anos antes, quando seu irmão André o levara até Ele: Tu te chamarás Cefas…!
Pedro não mudou de maneira de ser tão rapidamente como mudou de nome. Não manifestou do dia para a noite a firmeza que o seu novo nome indicava. A par de uma fé firme como rocha, vemos nele um caráter às vezes vacilante. Certa vez, chegou até a ser motivo de escândalo para o Senhor, ele que seria o fundamento da Igreja de Cristo[11].
Deus conta com o tempo para formar cada um dos seus instrumentos, como conta também com a boa vontade de cada um deles. Nós, se tivermos a boa vontade de Pedro, se formos dóceis à graça, iremos convertendo-nos em instrumentos idôneos para servir o Mestre e para levar a cabo a missão que nos confiou. Até os acontecimentos que parecem mais adversos, os nossos próprios erros e vacilações, se recomeçarmos uma vez e outra, se abrirmos o coração ao sacerdote na direção espiritual, haverão de ajudar-nos a estar mais perto de Jesus, que não se cansa de suavizar e polir os nossos modos rudes e toscos. E é provável que, em momentos difíceis, cheguemos a ouvir como Pedro: Homem de pouca fé, por que duvidaste? [12] E veremos Jesus ao nosso lado, estendendo-nos a mão.
III. JESUS TEVE especiais manifestações de afeto para com Pedro; no entanto, nos momentos dramáticos da Paixão, quando Jesus mais precisava dele, quando estava só e abandonado, Pedro negou-o.
Depois da Ressurreição, porém, numa ocasião em que Pedro e os outros Apóstolos tinham voltado ao antigo ofício de pescadores e se achavam em plena faina, Jesus foi procurá-lo especialmente a ele, e manifestou-se através de uma segunda pesca milagrosa, que lhe evocaria aquela outra após a qual o Mestre o convidara definitivamente a segui-lo e lhe prometera que seria pescador de homens. Agora, Jesus espera os discípulos nas margens do lago e, servindo-se de coisas materiais – uns peixes, umas brasas… –, sublinha diante deles o realismo da sua presença e reata ao mesmo tempo o tom familiar que imprimia ao seu convívio com os discípulos. Quando acabaram de comer, Jesus disse a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?…[13]
Depois anunciou-lhe: Em verdade te digo: Quando eras jovem, tu te cingias e ias aonde querias; quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará aonde não queres ir[14]. Quando São João escreveu o seu Evangelho, esta profecia já se tinha cumprido; é por isso que o Evangelista acrescenta: Jesus disse isto para indicar com que morte Pedro havia de glorificar a Deus. Depois o Senhor recordou a Pedro aquelas palavras memoráveis que um dia, anos atrás, nas margens daquele mesmo lago, tinham mudado para sempre a vida de Simão: Segue-me.
Uma piedosa tradição conta que, durante a cruenta perseguição de Nero, Pedro saía de Roma, a instâncias da própria comunidade cristã, em busca de um lugar mais seguro. Junto às portas da cidade, cruzou-se com Jesus que carregava a Cruz. E quando Pedro lhe perguntou: “Aonde vais, Senhor?” (Quo vadis, Domine?), ouviu a resposta do Mestre: “Vou a Roma para deixar-me crucificar novamente”. Pedro entendeu a lição e voltou para a cidade, onde o esperava a sua cruz.
Esta lenda parece um último eco daquele protesto de Pedro contra a cruz, quando o Senhor anunciou pela primeira vez a sua paixão[15]. Pedro morreu pouco tempo depois. Um historiador antigo refere que o Apóstolo pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, por sentir-se indigno de morrer como o seu Mestre, de cabeça para o alto. O martírio do Príncipe dos Apóstolos é recordado por São Clemente, seu sucessor no governo da Igreja romana[16]. Pelo menos desde o século III, a Igreja comemora neste dia, 29 de junho, o martírio de São Pedro e São Paulo[17], o dies natalis, o dia em que aqueles que foram as duas colunas da Igreja viram novamente a Face do seu Senhor e Mestre.
Apesar das suas fraquezas, Pedro foi fiel a Cristo, até dar a vida por Ele. Isto é o que lhe pedimos ao terminarmos esta meditação: fidelidade, apesar das contrariedades e de tudo o que nos seja adverso. Pedimos-lhe fortaleza na fé, como o próprio Pedro pedia aos primeiros cristãos da sua geração: que saibamos resistir fortes in fide[18]. “Que podemos pedir a Pedro para nosso proveito, que podemos oferecer em sua honra senão esta fé, na qual têm as suas origens a nossa saúde espiritual e a nossa promessa, por ele exigida, de sermos fortes na fé?”[19]
Esta fortaleza é a que pedimos também à nossa Mãe Santa Maria, para sabermos conservar a nossa fé sem ambigüidades, com serena firmeza, seja qual for o ambiente em que tenhamos de viver.
Fonte: Francisco Fernández Carvajal
[1] São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. VII, pág. 113.[2] Paulo VI, Alocução, 24-XI-1965.[3] São Leão Magno, Homilia na festa de São Pedro Apóstolo, 83, 3.[4] Mt 7, 25.[5] Cfr. Gen 17, 5.[6] Cfr. Gen 32, 28.[7] Cfr. Mt 16, 16-18.[8] Cfr. Lc 5, 11.[9] Mt 16, 15-16.[10] Mt 16, 18-19.[11] Cfr. Mt 16, 23.[12] Mt 14, 31.[13] Jo 21, 15 e segs.[14] Jo 21, 18-19.[15] Cfr. Otto Hophan, Los Apóstoles, Palabra, Madrid, 1982, pág. 88.[16] Cfr. Paulo VI, Exort. Apost. Petrum et Paulum, 22-II-1967.[17] João Paulo II, Angelus, 29-VI-1987.[18] 1 Pe 5, 9.[19] Paulo VI, Exort. Apost. Petrum et Paulum, 22-II-1967.
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