No desmoronamento do Império Romano do Ocidente, a Providência suscitou São Bento “como uma luz no meio das trevas, ou como um médico enviado por Deus para curar as chagas da humanidade nessa época” [1]
Em seu livro Diálogos, em que narra a vida de Santos, São Gregório Magno dedica o capítulo II a São Bento. Assim principia ele:
“Houve um homem de vida venerável pela graça e pelo nome, Bento, que desde sua infância teve a cordura de um ancião. Com efeito, adiantando-se pelos seus costumes à idade, não entregou seu espírito a prazer sensual algum, senão que, estando ainda nesta Terra e podendo gozar livremente as coisas temporais, desprezou o mundo com suas flores, como se estivessem murchas”[2].
São Bento era oriundo da nobre família Anicia, que dera a Roma cônsules e imperadores, e nasceu no povoado de Sabino, em Núrcia, na Úmbria, por volta de 480. Quatro anos antes, o rei dos bárbaros hércules depunha o último imperador romano, Rómulo Augústulo, fazendo cessar assim o domínio que tinha Roma sobre todo o mundo civilizado de então.
Da irmã gémea de Bento, Escolástica, sabe-se que foi consagrada a Deus desde sua infância, mas não se têm pormenores de sua vida, senão pouco antes de sua morte.
Barbárie alastra-se na época de São Bento
Acompanhado de sua ama de leite, Bento foi enviado a Roma para estudar. Ali permaneceu certo tempo. Mas aconteceu que, “invadido pelos pagãos das tribos arianas, o mundo civilizado parecia declinar rapidamente para a barbárie durante os últimos anos do século V: a Igreja estava dividida pelos cismas; cidades e países desolados pela guerra e pilhagem; vergonhosos pecados campeavam tanto entre cristãos como gentios. Nas escolas e nos colégios os jovens imitavam os vícios de seus maiores”[3].
Por isso Bento foi viver, ainda com sua ama de leite, na cidadezinha de Efide, onde, auxiliado “por muitos homens honrados”, instalou-se perto da igreja de São Pedro. Foi nesse pequeno lugar que ele operou o primeiro milagre de que se tem notícia. Tendo sua ama emprestado de gente pobre da redondeza um jarro de barro, colocou-o de mau jeito sobre a mesa; este tombou, caiu ao solo e partiu-se. Vendo a mulher chorar amargamente porque não podia devolver o jarro quebrado, Bento juntou os cacos e rezou sobre eles, “com os olhos cheios de lágrimas”. No mesmo instante o jarro se reconstituiu, como se nunca se tivesse partido.
Recolhimento na solidão de Subiaco
A fama do milagre espalhou-se pela cidade, e era exatamente o que Bento não queria. Por isso, resolveu retirar-se para um lugar inteiramente isolado, onde pudesse estar a sós com Deus. Desta vez, sem levar consigo nem sua ama, foi para uma região agreste, montanhosa, a umas quatro milhas de Roma, chamada Subiaco. Lá encontrou um monge, Romão, que sabendo de seus desígnios, deu-lhe um hábito de eremita e indicou-lhe uma gruta tão inacessível, que dificilmente alguém poderia encontrá-lo. E o mesmo São Romão fazia descer o pão para alimento de Bento, por uma cordinha à qual amarrara uma sineta.
Nesse recolhimento total, o solitário viveu durante três anos. Foi quando, segundo a tradição, um sacerdote de Monte Preclaro, que planejara seu jantar para o domingo de Páscoa, viu em sonhos Nosso Senhor que lhe disse: “Meu servidor morre de fome numa caverna, e tu te preparas deliciosas iguarias”. A essa voz o sacerdote se levanta, pega o que havia preparado para a refeição, e sai para encontrar o servo de Cristo, desconhecido por ele. Guiado pela mão de Deus, vai entre as montanhas e rochas até encontrar finalmente a gruta de Bento. Depois de com ele rezar por longo tempo, convida-o a participar de sua refeição, alegando ser aquele um dia de festa.
Algum tempo depois, alguns pastores descobriram o santo. No início, pensaram tratar-se de algum animal, pois estava vestido de peles, mas depois viram que era um solitário. Este lhes falou da religião, e aos poucos a fama de santidade de Bento irradiou-se pela região.
Ato heróico para aplacar a concupiscência
O pai da mentira quis vingar-se do bem que Bento fazia e do que previa que ele iria ainda fazer, e sob a forma de um melro começou a cantar, volteando em torno de sua cabeça. Mas Bento fez o sinal da Cruz sobre o importuno, que desapareceu. No mesmo instante o Santo sentiu tão terrível tentação de luxúria que, para apagar seu ardor, jogou-se numa sarça de espinhos, sobre a qual esfregou seu corpo até o sangue jorrar. A dor física afastou a tentação diabólica, e esse ato heroico valeu-lhe o ver-se livre de toda tentação de luxúria para o resto de sua vida. Séculos depois, outro santo, o poverello de Assis, contemplando enlevado aquela sarça de rudes espinhos, abençoou-a, e nela surgiram odoríferas rosas.
Havia nas proximidades de Subiaco um mosteiro, decadente de seu primitivo fervor. Falecendo seu abade, os monges escolheram Bento para seu lugar. Em vão ele resistiu. Para o bem da paz, acabou cedendo. Mas os monges não puderam suportar suas contínuas admoestações, seus conselhos, e sobretudo a força de seu exemplo. Resolveram então envenená-lo. Deram-lhe uma taça de vinho na qual haviam derramado substância fortemente venenosa, mas o santo, como era seu costume, fez o sinal da cruz sobre o vinho antes de beber, e a taça despedaçou-se em suas mãos. Bento voltou então para sua amada solidão de Subiaco[4].
Formador de santos – milagres portentosos
A fama do solitário de Subiaco foi espraiando-se como mancha de azeite, e pessoas de toda condição acorriam para consultá-lo ou ouvir-lhe palavras de vida eterna. Alguns iam mais longe: o nobre Equício confiou seu filho Mauro, de apenas 12 anos, para que Bento o educasse e dirigisse. E o patrício Tértulo fez o mesmo com seu filho Plácido, então com 7 anos. Na escola de Bento ambos chegarão à honra dos altares.
Aos poucos, 12 conventos espalharam-se ao redor de Subiaco, cada um com 12 monges e um superior, tendo Bento a supervisão de todos eles.
Entre os 12 conventos, três ficavam na encosta da montanha, onde não havia água. Seus monges tinham que descer as escarpadas encostas para buscá-la no lago, embaixo. Isso não só era muito cansativo, mas apresentava riscos. Por isso os monges pediram autorização a Bento para mudar-se para lugar mais propício. O santo quis que eles esperassem. Acompanhado do menino Plácido, subiu a montanha, escolheu um local perto dos conventos e marcou-o com três pedras. No dia seguinte os monges notaram que do local jorravam filetes de água, que logo formaram um regato descendo montanha abaixo.
Outro milagre realizado por essa época foi com um godo convertido, que entrara como noviço em um dos conventos. Bento deu-lhe como função capinar em redor do lago, para acabar com as pragas. O noviço pôs tanto empenho no trabalho que, estando perto do lago, a lâmina da enxada saltou para dentro da água, num lugar profundo.
Contrito e humilhado, o noviço procurou Mauro para que este, que era o discípulo predilecto, pedisse a São Bento que lhe desse uma penitência. Ao saber do ocorrido, o santo foi até a beira do lago com o noviço e, enfiando a ponta do cabo na água, a lâmina subiu das profundezas e foi encaixar-se perfeitamente a ele.
Noutra ocasião, o menino Plácido foi pegar água no lago e caiu, sendo arrastado pela água. Bento, por visão profética, viu o que se passava e mandou que Mauro corresse em socorro do menino. O jovem obedeceu prontamente e ao pé da letra: correu sobre a água e pegou Plácido pelos cabelos, arrastando-o para a margem. Só então se deu conta do milagre de correr sobre a água, e o atribuiu a São Bento, que lhe disse que fora antes um prémio da pronta obediência.
Fundação do mosteiro de Monte Cassino
Vendo o bem que fazia Bento, e consentindo numa tentação do demónio, um sacerdote que morava nas proximidades, Florêncio, encheu-se de ódio pelo santo. Tentou matá-lo, enviando-lhe um pão envenenado, mas São Bento, conhecendo-o por revelação, ordenou a um corvo que levasse o pão para um lugar onde não pudesse causar dano a ninguém.
O clérigo não cessou seus ataques, chegando ao cúmulo de introduzir num dos mosteiros sete jovens debochadas para tentar os monges.
Sabendo São Bento que o objecto de toda a ofensiva era ele, resolveu retirar-se, levando consigo alguns discípulos. E chegou à região de Monte Cassino, onde havia as ruínas de uma cidade na qual tinha sido venerado o deus Apolo. No lugar, plantou uma cruz e começou a construção do mosteiro que tanto bem faria ao mundo daquele tempo.
Regra beneditina: “suma do cristianismo”
Querendo que seus monges unissem a vida activa à contemplativa, no Ora et Labora (Reza e Trabalha), São Bento escreveu sua Regra, obra-mestra destinada à perpetuidade. Ela é, de acordo com Bossuet, uma “suma do cristianismo, resumo douto e misterioso de toda a doutrina do Evangelho, das instituições dos Santos Padres, de todos os conselhos de perfeição, na qual se alcança, no seu cimo mais alto, a prudência e a simplicidade, a humildade e o valor, a severidade e a doçura, a liberdade e a dependência: na qual a correcção tem toda sua firmeza, a condescendência todo seu encanto, a voz de mando todo seu vigor, a sujeição todo seu repouso, o silêncio sua gravidade, a palavra sua graça, a força seu exercício, e a debilidade seu apoio”? [5]
São Bento faleceu em 21 de março de 543.
Plinio Maria Solimeo
[1] São Bertário, Abade de Monte Cassino e mártir, apud Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, 1882, tomo 3, p. 570.
[2] San Gregorio Magno, Vida de San Benito, http://www.sbenito.org.ar/vidasb/vida01.htm
[3] Biografía de San Benito, Adaptada de Vidas de los Santos de Butler, http://www.corazones.org/santos/benito.htm
[4] Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S. A., Saragoça, 1947, p. 213.
[5] Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Madrid, Ediciones Fax, 1945, tomo I, p. 538.
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