Suas religiosas ganharam o nome de "Anjos do Campo de Batalha" No século XVII já ia adiantada a decadência da Idade Média – época que outrora produziu tão admiráveis frutos para a Cristandade. As guerras de religião na França haviam tornado o país continuamente devastado, o campo sem cultivo, as fortunas arruinadas, um sem-número de famintos e miseráveis refugiavam-se em Paris, aumentando de modo assustador a população da capital.“Os mendigos formavam exércitos que se apresentavam em grupos compactos, arma ao braço e blasfêmia nos lábios, diante das igrejas, exigindo imperiosamente a esmola”. O que podia fazer o Poder Público ante tão grande mal? Muito pouca e durável coisa. Foi quando a Providência suscitou esse homem de estatura verdadeiramente profética, São Vicente de Paulo, que – secundado por almas exponenciais e de grande santidade, como Santa Luísa de Marillac – com suas obras de assistência e misericórdia começou a modificar o lúgubre panorama. No dia de Pentecostes de 1623, na Missa solene, a Senhora Le Gras, em solteira Luísa de Marillac, ouviu uma voz interior a certificá-la de que depressa encontraria um bom diretor. Encontrou, de fato, no ano seguinte, São Vicente de Paulo que triunfou onde todos os outros, incluindo São Francisco de Sales, tinham errado. Com efeito, São Vicente conseguiu libertá-la dos escrúpulos, obsessões, dúvidas sobre a fé e outras ideias fixas, que a tornavam infeliz. Filha de Luís de Marillac, Senhor de Ferrières, e de Margarida Le Camus, Luísa nascera em 12 de agosto de 1591. Com o falecimento de sua mãe logo após seu nascimento, seu pai a entregou aos cuidados de uma tia religiosa de Poissy. A infância e a adolescência de Luísa de Marillac foram uma sucessão de sofrimentos morais e espirituais. Órfã de mãe, e depois, de pai, foi educada pelo tio, Chanceler do Reino de França. Homem de grande piedade, fê-la progredir nas letras, artes e virtude. Entretanto, de consciência sumamente delicada, Luísa sofria da terrível doença espiritual dos escrúpulos. A seriedade do pai refletia-se no gosto da filha pela filosofia e assuntos afins. Com cerca de dezesseis anos, Luísa desenvolveu um forte desejo de entrar nas Capuchinhas (Filha da Paixão). O seu tio dissuadiu-a, porém, e tendo o pai falecido, tornou-se necessário decidir a sua vocação. Interpretando o conselho de seu diretor, ela aceitou a mão de Antônio Le Gras, escudeiro e secretário da Rainha Maria de Médici, Antônio Le Gras, que era tido como fadado para uma brilhante carreira, mas de fato arrastava uma doença de que morreria doze anos depois do casamento. Um filho nasceu deste casamento em 13 de outubro de 1613, Miguel, para sua educação a Sra. Le Gras dedicou-se durante os anos de sua infância. Luísa cuidou do esposo com a maior atenção, ao mesmo tempo em que educava o filho único dos dois. Em 1619 ela conheceu São Francisco de Sales, então em Paris, e Mons. Le Campus, bispo de Belley, tornou-se seu conselheiro espiritual. Preocupada com a ideia de ter rejeitado um chamado para o estado religioso, ela jurou em 1623 não se casar novamente caso seu marido morresse antes dela. M. Le Gras morreu em 21 de dezembro de 1625, após uma longa doença. Ela tinha 34 anos quando enviuvou.
O encontro de dois santos
Nesse ínterim, ela conheceu um padre conhecido como M. Vincent (São Vicente de Paulo), que havia sido nomeado superior do Mosteiro da Visitação por São Francisco de Sales. Ela se colocou sob sua direção, provavelmente no início de 1625. Sua influência a levou a associar-se com seu trabalho entre os pobres de Paris, e especialmente na extensão da Confraria da Caridade, uma associação que ele fundou para o alívio dos doentes pobres. Foi esse trabalho que decidiu a obra de sua vida, a fundação das Irmãs de Caridade. O Pe. Vicente, que conseguiu o que outros diretores espirituais não haviam logrado, descobriu nela riquezas imensas. Utilizou-as ao serviço dos que eram seus preferidos e vieram a tornarem-se também os dela: os enjeitados, os anormais, os desequilibrados, os velhos e os doentes abandonados. Como diz um dos biógrafos de São Vicente de Paulo, “as pressas de Santa Luísa não entravam na psicologia do Santo. Entre ambos se entabulou por essa época a batalha epistolar da lentidão contra a pressa”. São Vicente tentava refreá-la, mas sem esfriar o bom impulso que a propulsionava para a frente: “Deixe Deus obrar, e fie-se nEle... e verá cumprir-se os desejos de seu coração”. Em dezembro de 1625, tendo seu filho entrado no seminário, Luísa pode acolher em sua casa as primeiras jovens que vinham se colocar ao serviço dos pobres, em colaboração com as Damas da Caridade. Era o primeiro núcleo da nova Congregação.
O anjo da dirigida apressa o do diretor
Pressionado por Santa Luísa, São Vicente escreveu-lhe dizendo que, com frequência, o “bom anjo” dela havia falado com o seu, sugerindo-lhe a obra a ser fundada. Por isso, falariam sobre ela o mais rápido possível. A pressa de Santa Luísa acelerou os planos de São Vicente. E, finalmente, encontraram uma fórmula: suas filhas não seriam religiosas. Ao compor, com Santa Luísa, as regras das Filhas da Caridade, São Vicente tirou delas todas as palavras que pudessem dar ideia de vida religiosa. Não teriam clausura, convento, nem aparência religiosa. Vestir-se-iam como as camponesas que aguardavam a fundação do Instituto e serviam nas Caridades. Como os votos são algo da essência da vida religiosa – embora não bastem os votos para caracterizá-la – São Vicente não tinha a intenção que suas filhas os fizessem. Convenceu-se, porém, ao ler, em 1640, uma fórmula dos votos pronunciados por uma Ordem hospitalária italiana concebidos nestes termos: “Faço voto e prometo a Deus guardar toda minha vida a pobreza, a castidade e a obediência, e servir a nossos senhores, os pobres”. Levou-os adiante, mas aos poucos. Só dois anos depois permitiu a Santa Luísa de Marillac e a outras quatro Irmãs, que os pronunciassem. Depois foi sendo permitido às que tivessem mais de cinco anos na companhia, que também os fizessem. Colaboraram os dois, São Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac, durante 35 anos. Juntos fundaram a Congregação das Irmãs da Caridade (1633) que deviam ter, dizia São Vicente, “por mosteiro só as casas dos doentes, por cela um quarto alugado, por capela a igreja paroquial, por claustro as ruas da cidade ou as salas dos hospitais, por clausura a obediência, por grade o temor de Deus, por véu a santa modéstia”.
Prudente sagacidade feminina vence a humildade do Santo
Houve uma santa polêmica entre os dois fundadores sobre a quem deveriam ficar sujeitas as Irmãs. O Santo queria pô-las não sob sua direção, mas submetê-las aos Prelados locais. Santa Luísa discordava e com razão. E seus argumentos tinham peso: alegava os inconvenientes que adviriam à instituição se os Bispos onde se estabelecessem pusessem obstáculos, e a perda da unidade de espírito que isso acarretaria. Desta vez, Luísa de Marillac, com astúcia cheia de bom espírito, fez intervir no assunto a rainha, Ana d’Áustria, obtendo que ela escrevesse a Roma para pedir ao Papa que nomeasse São Vicente de Paulo e seus sucessores como superiores do Instituto. Assim, desta vez, a prudente sagacidade de Santa Luísa levou a melhor sobre a humildade de São Vicente de Paulo...“Só Deus conhece que força de ânimo ela possui”, disse São Vicente a respeito da atividade incansável de Luísa, apesar das precárias condições de saúde e de muitas atribulações. A fama dessa grande dama, apóstola da caridade, difundiu-se por vilas e cidades, tornando-se sua entrada e saída em muitas delas um verdadeiro triunfo. Em Beauvais, por exemplo, não podia ter sido maior: “Mesmo os homens, desejosos de escutá-la, entravam furtivamente na casa onde falava às senhoras, esgueiravam-se até perto da sala da conferência, colavam os ouvidos nas paredes de tabique, e se retiravam maravilhados de tanta prudência e sabedoria. O povo de Beauvais despediu-se dela perseguindo-a com vivas e aplausos até os arredores da cidade. A multidão, rodeando sua carruagem, estorvava sua marcha”. Esses triunfos, se de um lado alegravam o vigilante São Vicente, de outro deixavam-no preocupado em manter a humildade de sua dirigida, pois não há maior veneno para as obras de Deus do que a vanglória. A isso, só a alma solidamente firmada na virtude pode resistir. Nessas ocasiões, ele aconselhava Luísa de Marillac: “Una vosso espírito às burlas, desprezos e maus tratos sofridos pelo Filho de Deus... Na verdade, senhora, uma alma verdadeiramente humilde se humilha tanto nas honras quanto nos desprezos, e obra como a abelha, que fabrica seu mel tanto do orvalho que cai sobre o absinto quanto do que cai sobre a rosa”.
Palavras do mestre recolhidas pela discípula
Semanalmente o Fundador reunia as Filhas da Caridade em familiares reuniões nas quais ele lhes fazia perguntas sobre as virtudes cristãs, os votos e as Santas Regras. Ele comentava as respostas confirmando, esclarecendo ou corrigindo algum ponto. Sua palavra “cálida, viva, simples, familiar, convincente, penetrante, instrutiva e prática” se dirigia “à razão, ao coração e à vontade daquelas 12, 50,80 e até 100 irmãs que acudiam todas as semanas, das paróquias de Paris e subúrbios, para receber as lições do santo Fundador”. Santa Luísa de Marillac, percebendo o tesouro que aquelas explicitações encerravam, começou, com a ajuda de outras irmãs, a anotá-las com a maior fidelidade. Tais notas foram se difundindo entre as Filhas da Caridade por toda a França, sendo as primeiras coleções impressas em 1825. Graças, portanto, ao tirocínio de Santa Luísa de Marillac, possuímos essas regras de sabedoria e bom senso emanadas de um santo, com toda a vivacidade e até o pitoresco com que as pronunciou São Vicente de Paulo,
Alguns anos mais tarde, convictos de que a Caridade de Cristo que deve impulsionar a Companhia não conhece fronteiras, os Fundadores enviaram à Polônia um primeiro grupo de Irmãs. A 18 de janeiro de 1655, a Companhia foi aprovada pelo Cardeal de Retz, Arcebispo de Paris, e, a 8 de junho de 1668, recebeu a aprovação pontifícia do Papa Clemente IX.Luísa, que lhes escrevera as regras, dirigiu as Irmãs até ao fim. Faleceu a 15 de março de 1660 com sessenta e nove anos, poucos meses antes do “padre dos pobres”, de quem aprendera a simplicidade da vida interior e o espírito prático, e em sintonia com o pensamento do Santo Fundador, segundo o qual a santidade é mais verdadeira quanto mais escondida. Luísa de Marillac obteve as honras dos altares em 11 de março de 1934. Em 1960 João XXIII a declarou patrona das Assistências Sociais.
Fontes: Santos de Cada Dia, do Pe. José Leite, S.J., 3ª ed. Editorial A.O. Braga (cfr. Catholic Encyclopedia)
https://nobility.org/2014/03/st-louise-de-marillac/
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