quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

REFLETINDO A PALAVRA - “Queimando bibliotecas!”

PADRE LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA
REDENTORISTA
52 ANOS CONSAGRADO
45 ANOS SACERDOTE
Iniciamos a Campanha da Fraternidade sobre os idosos
. É toda uma caminhada de conversão que vai levar-nos a ter um relacionamento mais cristão com nossos anciãos. Mais ainda: proporcionar uma vida mais feliz àqueles que tanta vida nos deram. 
Vivi na Angola, África, por 3 anos. Pude aproveitar muito da cultura, de modo particular aprofundar alguns elementos que, em nossa cultura, ficam meio de lado. Por exemplo: o relacionamento com a natureza, o amor à família, aos velhos, às crianças, a importância da comunicação e da solidariedade. Algo me pareceu importante: o respeito ao mais velhos, como diziam, o sekulo. O mais velho é uma autoridade. Por que é uma autoridade? Pela experiência de vida e pela sabedoria que acumulou. Por isso dizem que quando morre um velho, é como se queimasse uma biblioteca. 
A expressão é bonita: com a morte de um idoso, queima-se uma biblioteca. Todos os conhecimentos acumulados por aquela pessoa correm o risco de se perder. Ele, durante sua vida foi fazendo as experiências, aprendendo a colocar a filosofia em provérbios que sintetizavam em poucas palavras todo um conhecimento. Cada provérbio era um livro de filosofia vivida, ensinada e amada. Não pude experienciar, mas ouvi do povo em geral que, ao fim do dia, depois do trabalho, todos se reuniam no “ondjango”, para nós seria o quiosque, e ali, em torno do fogo e dos alimentos conversavam sobre os acontecimentos, discutiam os problemas e contavam as histórias. Tudo isso era guardado anos e anos pelas pessoas. Esta sabedoria era o que fazia deles sábios, uma biblioteca onde se podia encontrar de tudo. 
É um ensinamento maravilhoso para nós. Se olharmos a situação de nossos mais idosos, devemos ver que há algo muito sério: em poucos anos, o mundo mudou demais. ‘Grande parte dos confortos que temos nestes tempos informatizados (e, em muitas regiões, até mesmo a eletricidade e o carro) chegaram depois que já tinham a vida feita e organizada’. E vivem bem. E conservam uma sabedoria que receberam de seus pais. Isto é que estamos a perder. Houve uma ruptura muito e seu mundo não é mais o nosso. Eles podem ter ficado incapazes de se ajustarem ao novo do mundo. Mas pelo fato de não falarmos a mesma língua, nem usarmos a mesma linguagem, nem por isso são inferiores.
Podemos adotar a prática de ouví-los contar suas histórias do passado. Por trás delas existe um mundo, uma pessoa concreta que com um carro de boi e uma enxada, ou sua lavação de roupa ou seu crochê formou um doutor. E o doutor não é capaz de entender que o velho pai e a velha mãe têm ainda uma sabedoria que pode fazer do doutor, um grande mestre. Você será grande no momento em que souber tirar de seu tesouro, coisas antigas e novas, dizia Jesus. Aproveitemos a biblioteca antes que ela se queime. Desligue a televisão, o computador, fique ao lado dos seus velhinhos escutando. No começo pode parecer bobeira, mas aos poucos você vai vendo, de seus arquivos, surgir a enciclopédia da vida.
ARTIGO REDIGIDO E PUBLICADO
EM MARÇO DE 2003

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