terça-feira, 14 de abril de 2020

Santa Liduina (ou Ludovina) de Schiedam, Virgem - 14 de abril

       Santa Liduína (Ludovina, Lydwina) de Schiedam, cuja vida foi escrita no começo do século XX por J. K. Huysmans, é uma vítima expiatória. Esse conhecido escritor francês, convertido no final do século XIX dos mais profundos antros da anti-Igreja – como ele próprio o narra em seu livro “Là-Bas” – descreveu a vida dessa santa, apoiando-se em biografias escritas pouco depois de sua morte, por três religiosos que a conheceram muito de perto e acompanharam a impressionante ascensão de sua vida espiritual.
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     Sem as mencionadas fontes – bastante fidedignas –, dado o teor tão extraordinário da existência de Santa Liduína, dificilmente se conceberia a série de catástrofes físicas, de intervenções sobrenaturais e preternaturais que semearam a vida dessa virgem holandesa. Pareceu-nos oportuno focalizar aqui alguns aspectos da vida dessa alma expiatória, infelizmente pouco conhecida até mesmo nos ambientes católicos.
     É, pois, baseado duas fontes (*) que apresentaremos traços dessa vida extraordinária.
     O período que decorreu entre o fim da Idade Média até o precipitar-se da Europa “nessa cloaca desenterrada do paganismo, que foi a Renascença” (Huysmans, op. cit., pág. 51), consistiu numa das eras mais conturbadas da História.
     As consequências religiosas e políticas desse estado de coisas foram catastróficas. Três Pontífices, em determinado momento, eleitos cada qual por um grupo de Cardeais, lançavam-se reciprocamente excomunhões e anátemas, dilacerando a unidade do Corpo Místico de Cristo, sendo apoiados por reis e senhores, na medida em que serviam aos interesses de cada um.
     Entrementes, pretendentes a uma mesma coroa, se entre digladiavam, recorrendo a todos os meios – inclusive aos assassinatos mais monstruosos e às alianças mais desonrantes – para atingir seus objetivos. E, à semelhança dos líderes espirituais e civis, os subordinados lutavam entre si em sangrentas guerras fratricidas.
     Para contrapor-se a tal situação apocalíptica, a Providência suscitou vários santos, entre os quais São Vicente Ferrer, Santa Catarina de Siena, Santa Brígida. E, como que pregada, durante 38 anos em seu leito de dor, Santa Liduína de Schiedam.
     Schiedam é uma simpática cidadezinha da Holanda, próxima ao local onde o Rio Mosa se espraia no Mar do Norte. Foi ela escolhida, no Domingo de Ramos de 1380, para ser o berço de um dos mais gloriosos florões da hagiografia católica, Santa Liduína.
     Liduína nasceu nessa pequena cidade, em 18 de março de 1380, um Domingo de Ramos. Como um costume dos tempos antigos, a menina foi batizada no mesmo dia, tendo recebido dos pais, Pedro e Petronília, o nome de Liduína, que significa sofrer largamente, um anúncio da grande missão que teria durante a vida.
     Liduína era a única mulher entre oito irmãos de uma família pobre, mas humilde e temente a Deus. Seus pais a educaram dentro de um grande amor a Deus e à Igreja e desde cedo se manifestou na menina a devoção à Nossa Senhora. 
     Conta-se que uma imagem da Virgem seria transportada de Schiedam para outra cidade e sendo muito pesada, os mais robustos marinheiros não a conseguiram embarcar no navio. Todos os que viram esse prodígio perceberam que Deus não queria que a imagem fosse retirada dali. Sendo colocada em uma Igreja, todos os dias a menina Liduína ia visitá-la passando longas horas, o que chegava a afligir sua mãe.
     Um dia, tendo demorado mais que o costume, sua mãe aflita a repreendeu por sua longa ausência e ela disse: “Mãezinha, não te zangues, fui saudar Nossa Senhora, ela me sorriu e me saudou também”. Um dos mais belos sinais de predileção e amor que essa jovem já alcançara de Deus e da Virgem Maria.
     A jovem crescia em estatura e encantadora beleza, o que atraiu muitos pretendentes da região, que procuraram seu pai para pedi-la em casamento. Não é de admirar, pois, que seu pai a quisesse desposar com algum pretendente abastado, o que poderia ser de auxílio ao guarda noturno, cuja única riqueza consistia de sua imensa prole. Mas a jovem Liduína já possuía no coração o desejo ardente de entregar-se somente a Deus e só a Ele possuir como esposo. Ela já consagrara a Deus sua virgindade.
     Percebendo que sua aparência seria um contínuo obstáculo aos seus desejos, recorreu ao seu Celeste Esposo suplicando-lhe arrebatasse a beleza física para afastar os pretendentes. Suas preces foram ouvidas muito além do que ela pedira. Em breve contraiu moléstia que a tornou cadavérica, olhos fundos, pele macilenta e esverdeada. Começava assim para Liduína o sublime martírio que duraria até o fim de sua vida.
Vítima reparadora
     Não é possível narrar, nos limites de um artigo, todos os tormentos físicos, morais e espirituais de Santa Liduína. Para se ter uma ideia, foi ela atingida por todas as moléstias conhecidas então, com exceção da lepra, considerada infamante por privar os que dela se contagiassem do convívio humano. E Liduína deveria ser apóstola em seu leito de dor.
     Nenhum dos mais famosos médicos de seu tempo pode explicar a causa das diversas doenças que tomaram o corpo da pobre santa. Um espetáculo de horrores foi o que se transformou seu corpo, coberto de chagas, de vermes, de feridas que causavam dores horríveis e assim o Corpo de Cristo foi glorificado através dos inúmeros casos de milagres que se realizaram através de sua santa intercessão.
     Um dos mais célebres médicos de seu tempo afirmou: “Não há médico no mundo que cure esta doença, porque ela é obra de Deus. Deus operará tais maravilhas nesta criatura, que eu daria o peso de ouro pela cabeça dela, para ser pai de semelhante filha”.
     Com o corpo roído por vermes, transformado numa imensa pústula – que, atestando sua origem sobrenatural, emanava suave perfume – padeceu ela durante 38 anos. Nos primeiros quatro anos de suas doenças, Liduína gemeu sob o peso dos sofrimentos, sem consolações e sem compreender sua razão. Desejava fugir deles, e perguntava a Deus porque a tratava tão duramente.
     Um sacerdote veio então em seu auxílio, ensinando-a a oferecer seus sofrimentos em reparação pelos pecados do mundo. Nesse sentido, deveria ela meditar continuamente os mistérios de nossa Redenção, fazendo companhia a Nosso Senhor.
     A partir de então, uma vida nova abriu-se para ela. Compreendeu que sua missão era a de ser vítima expiatória, e que deveria reparar a Justiça Divina pelas graves e imensas ofensas contra Ela cometidas.
     Mais tarde, o próprio Nosso Senhor far-lhe-ia compreender melhor sua missão, apresentando-lhe a situação da Europa naquele momento. ...
     “Vê”, disse-lhe Cristo. “E, sobre um fundo de incêndios, percebeu ela, debaixo da conduta de loucos coroados, a matilha solta dos povos. Eles se massacravam e se pilhavam sem piedade. Mais ao longe, em regiões que pareciam pacíficas, ela considerava os claustros transtornados pelas intrigas de monges infiéis, o clero que traficava com a Carne de Cristo, que vendia em leilão as graças do Espírito Santo. Ela surpreendeu as heresias, os sabbats nas florestas, as missas negras”.
     Em contrapartida, para que Liduína compreendesse não estar só, mostrou o Redentor uma falange de santos que por toda a parte se sacrificava, pregava e reformava, procurando restaurar a integridade do Corpo Místico de Cristo e a Cristandade, como São Bernardino de Siena, São Lourenço Justiniano, São Nicolau de Flue, Santa Joana D`Arc, São João de Capistrano e tantos outros.
     Os sofrimentos passaram a ser para ela uma necessidade. O que importavam seus males, se com eles reparava a Deus e evitava que um número maior de pessoas se precipitasse no inferno?
     A par dos crescentes sofrimentos, começou ela a gozar graças místicas tão assinaladas, que exclamava: “As consolações que sinto são proporcionais às provações que suporto, e eu as acho tão requintadas, que não as trocaria por todos os prazeres da terra”.
     Algumas dessas graças consistiram na marca dos sagrados estigmas de Nosso Senhor em sua carne, e em padecer com Ele os tormentos da Paixão. As visitas celestes se lhe tornaram familiares, bem como a visão contínua de seu Anjo da Guarda, que não só a levava em espírito aos lugares da terra santificados pela presença de nosso Divino Salvador, ou em que se passassem fatos marcantes para a vida da Igreja, mas também ao Purgatório e mesmo ao inferno. Levada igualmente ao Paraíso, foi muitas vezes obsequiada pela Santíssima Virgem, convivendo com Anjos e Santos.
     A santa só se alimentava da Sagrada Comunhão e assim viveu durante os 17 últimos anos de sua vida, mesmo sangrando através das feridas do seu corpo, a ausência de água e comida não a prejudicavam, pois se alimentava do Corpo de Cristo. E sua vida foi exemplo de paciência e caridade, doando seus poucos bens aos pobres e indigentes, oferecendo tudo que a ela doavam, como sinal de grande virtude e caridade. Até sua cama deu aos pobres, tendo passado os últimos dias sobre uma tábua coberta de palhas.
     Embora todo seu corpo, com exceção da cabeça e do braço esquerdo, estivesse paralisado, movia ela, não só pelo sofrimento, mas também por palavras, parte da História de seu tempo. Seu humilde quarto, onde jazia imóvel sobre um leiro de palhas, recebeu a visita de inúmeras autoridades civis e eclesiásticas, de religiosos e de seculares de todas as camadas sociais. Sua casa tornou-se não só um local de peregrinação, mas um verdadeiro hospital para as almas. Deus a favoreceu com o dom de milagres e com o espírito profético.
     Até que chegou o dia em que o inverno da provação passou e a primavera da eternidade aparece e ilumina as terríveis dores de Santa Liduína. Jesus a chama: “Vem, esposa minha, já passou o inverno; já se foram as chuvas; eis a primavera. Vem que serás coroada no alto do Sanir e do Hermom”. Quando a roseira estivesse totalmente florida, chegaria o dia em que Santa Liduína cantaria o aleluia com os anjos no céu.
O último milagre
     Santa Liduína faleceu em 1432, aos 53 anos de idade. Antes de começar sua agonia, apareceu-lhe Nosso Senhor Jesus Cristo acompanhado da Santíssima Virgem, dos doze Apóstolos e de uma multidão de Anjos e Santos. Servido pelos Anjos, o Divino Salvador tomou os santos óleos e ministrou-lhe a Extrema Unção. Depois, tomando uma vela que um Anjo Lhe apresentou, colocou-a nas mãos de Liduína, apresentando-lhe também o crucifixo, que ela osculou amorosamente, suplicando ao Salvador que lhe permitisse, até o momento em que sua alma se desligasse do corpo, sofrer tudo o que fosse necessário para que ela, então, pudesse ir contemplá-Lo face a face no Céu.
     Essa graça lhe foi concedida. Dois dias depois expirou, assistida apenas por seu sobrinho de 12 anos. Catarina Simon, sua fiel enfermeira, viu sua alma ser recebida por Nosso Senhor no Paraíso Celeste.
     Enquanto isso, na terra, seu corpo consumido pelas moléstias e pelos sofrimentos, readquiria, no momento da morte, o frescor e a beleza que Liduína possuíra aos 15 anos de idade.
     Seu sepulcro foi durante muitos anos lugar de romarias e peregrinações. Até que se iniciaram as terríveis perseguições protestantes, e o corpo da Santa foi transportado para o Carmelo de Bruxelas, onde está até hoje. Algumas relíquias estão em Schiedam, para a visitação dos peregrinos.
     Em 1890, o Papa Leão XIII elevou Santa Liduína ao altar e autorizou o seu culto para o dia da sua morte. Pequena flor no clássico país das flores, a Holanda, Santa Liduína é o exemplo daqueles que querem completar em seu corpo as chagas e as dores que faltavam no Corpo de Jesus. Assim como Jesus, no Horto das Oliveiras, exclamou ao Pai: “Afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, senão o que tu queres”. E partilhando desse intenso desejo, Santa Liduína amou, sofreu e viveu para Seu Amado.

(*) em “Saint Lydwine de Schiedam” (Libraire Plon, Lon-Nourrit et Cie., Imprimeurs-É-diteurs, Paris, 1901) e “Histoire Universelle de l`Église Catholique”, do Abbé Rohrbacher (Gaume Frères, Libraires, Paris, 1845, tomo XXI),
Fonte: Jornal Catolicismo – Janeiro de 1981, pág. 2

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