Delfina de Signe, nasceu em 1283 em Puymichel, França, na nobre família Glandèves. Uma encantadora figura de mulher, que passou pelo mundo levando a toda parte a luz de sua graça, o perfume de suas virtudes, o calor de seu afeto. Não era uma santidade ruidosa, que tenha marcado a história de seu tempo, mas uma santidade delicadamente feminina que se difundiu ao seu redor como linfa silenciosa e generosa para alimentar no bem a quantos estiveram ao seu lado durante sua vida. Órfã desde os 7 anos, a educação de Delfina foi confiada à sua parente, a monja Sibila de Puget. Desde menina sua presença era luz e consolo para sua família. Aos 12 anos já estava prometida a um jovem não inferior a ela por sua gentileza, nobreza de sangue e beleza de alma. O noivo, Elzear, Barão de Ansouis, Conde de Ariano, nascera no castelo de Saint-Jean-de-Robians, próximo de Cabrières-d’Aigues, na Provence, sul da França. Era filho do Senhor de Sabran e Conde de Ariano no reino de Nápoles. Desde o nascimento sua mãe o havia oferecido em espírito a Deus e mais tarde um austero tio, Guilherme de Sabran, o educou na Abadia de São Vitor, em Marselha, onde o tio exercia o cargo de abade. Delfina tinha 14 anos quando lhe informaram sobre seu casamento com Elzear, que havia nascido no ano de 1285, e era dois anos mais novo do que ela. Ela recusou com energia aquela união, mas, cedendo aos conselhos de um franciscano, acabou por consentir e dois anos mais tarde o casamento foi celebrado. Depois de 4 dias de festas, sozinhos em sua câmara nupcial, Delfina disse ao seu esposo o grande desejo que tinha de permanecer sempre virgem.
Ele consentiu nisto, porém sem querer obrigar-se com voto, como ela lhe pedia. Ela insistiu algumas vezes, tecendo considerações sobre a brevidade desta vida, o desprezo do mundo, a beleza da glória eterna. Contudo, Elzear não consentia no voto, embora continuasse respeitando a virgindade da esposa. Um dia Delfina ficou gravemente doente e declarou de maneira categórica a seu esposo que estava persuadida de que só o duplo voto de castidade a curaria. Elzear então prometeu satisfaze-la; ambos fizeram seu voto diante de um franciscano, seu confessor, e ingressaram na Ordem Terceira. A santidade deste casal se insere na maravilhosa corrente de espiritualidade franciscana que percorreu toda a Idade Média. Ambos pertenciam às famílias da primeira nobreza e gozavam, portanto, de grande abundância de bens. Mas, como São Luís de França, São Fernando de Castela, Santa Isabel de Portugal e sua homônima da Hungria, souberam conservar seus corações inteiramente livres em meio às riquezas, e aplicar em suas vidas de leigos o admirável conteúdo evangélico da Regra dos terciários franciscanos.
Marido e mulher levavam cilício sob suas nobres vestes. À noite se reuniam para passá-la em oração e disciplinas. Delfina jamais tocou em seu marido, a não ser para fazer-lhe pequenos serviços. Elzear fizera um regulamento muito preciso e detalhado para o bom andamento da casa, que exigia, entre outras coisas, a missa diária e uma espécie de círculo de estudos familiar.
Entretanto, tudo isto se fazia sem abandonar a vida própria de um casamento secular. Por ocasião do falecimento de seu pai, em 1309, vemos Elzear ir para o reino de Nápoles, no qual havia herdado o condado de Ariano Irpino (Benevento). Ali ele brilhava tanto por sua bondade, como pela firmeza de jovem senhor provençal. Encantador no trato com os pobres, sabia, porém, fazer frente com valentia à turbulência de seus vassalos italianos. Ao terminar o exercício das armas, depois do combate, retirava-se para se disciplinar. Sua destreza no manejo das armas brilhava na corte napolitana.
Um dia em que Delfina se encontrava com ele, houve uma grande festa em Nápoles. Ambos souberam fazer um papel magnífico: Elzear arrebatou um anel com sua lança, montado num cavalo a todo galope, em pleno torneio. Horas depois, no baile, Delfina se mostrava encantadora, bailando com uma graça inteiramente singular.
Em 1312, Elzear vai para Roma como chefe do exército do rei Roberto I de Nápoles, que fora mobilizado para ajudar na expulsão do Imperador Henrique VII, que invadira aquela cidade.
A vida do casal transcorria entre a Provence natal e suas terras na Itália. Por volta de 1317, Elzear viu suas responsabilidades aumentadas, porque o rei Roberto I o encarregou da administração da justiça em Abruzzo e o tornou tutor de seu filho, o Duque Carlos, que depois de tornaria rei do Reino da Sicília. Pouco tempo depois o casal deveria ir para Paris, pois Elzear fora nomeado pelo rei Roberto como embaixador extraordinário para negociar o casamento de seu filho, Carlos, com Maria de Valois. Ali ele iria edificar a corte francesa com suas virtudes. Mas, somente Elzear pode fazer a viagem; Delfina teve que ficar na corte do rei Roberto, sem saber que a separação ia ser definitiva.
Em Paris, após ter concluído a missão que lhe fora dada, no dia 27 de setembro de 1323, com apenas 38 anos de idade, Elzear falecia. O rei da França, Carlos IV, enviou imediatamente um correio para dar a notícia a sua esposa, mas ela já havia sabido misteriosamente. Sem vacilar um momento, abandonou a corte do rei e voltou para suas terras.
Elzear deixava a recordação de uma vida verdadeiramente santa. Como o rei São Luís, o haviam visto visitando os hospitais, atendendo os leprosos, cuidando deles com as próprias mãos e beijando-os. Verdadeiro asceta no mundo, havia sido um constante advogado dos pobres, um mentor exemplar do jovem príncipe Carlos e um esposo modelar para sua mulher, que confessava que junto a ele sentia um constante convite para crescer na graça divina, e via seu esposo como a um anjo da guarda.
Um ano após sua morte, Elzear apareceu para sua esposa e reprovou com doçura a dor que demonstrava por sua morte. “O laço se rompeu e agora estamos livres”, lhe disse, recordando as palavras do Salmo 123 e a liturgia dos Santos Inocentes. Delfina sorriu entre lágrimas, voltou à sua antiga alegria e se dedicou inteiramente à tarefa de se santificar mais e mais.
Fiel à espiritualidade franciscana, quis abraçar a pobreza, mas isto não era fácil. Pouco a pouco foi despojando-se de seus bens. Abandonou suas terras na Provence e foi para Nápoles. Embora lhe oferecessem alojamento na corte, ela preferiu viver pobremente e mendigando. As crianças a injuriavam pelas ruas, e ela se alegrava naquela humilhação.
Entretanto, algo imprevisto ocorreu: a rainha Dona Sancha, segunda esposa do rei Roberto, queria ter junto de si alguém que a apoiasse em sua vida espiritual. Chamou Delfina e a fez sua conselheira. Por indicação dela, a rainha ingressou nas franciscanas de Santa Cruz de Nápoles, onde morreu no ano 1345. Após sua morte, Delfina retornou para a cidade francesa de Apt, e levou vida de reclusa no castelo de Ansouis, numa heroica prática de penitência, caridade, oração assídua e todas virtudes. Ali passou os últimos 15 anos de sua vida.
Quando uma guerra local ameaçava arruinar a região, Delfina, embora doente, se interpôs e conseguiu um apaziguamento. Ela também organizou uma caixa rural, em que atuava como secretaria e fiadora; sem interesse, conseguia resolver dificílimas situações dos pobres lavradores. A santidade de Delfina, conhecida por todos, era a garantia que permitia que aquela interessante obra funcionasse. Ela também reuniu junto de si várias jovens e viúvas que a imitavam na sua vida ascética.
Finalmente, em 26 de setembro de 1360, aos 78 anos de idade, a condessa faleceu em Apt, onde foi sepultada junto a seu esposo na igreja dos franciscanos. Suas relíquias foram transferidas em 1791 da igreja franciscana de Apt, para a catedral da cidade, onde ainda hoje são veneradas.
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A morte da Beata por um anônimo, c. 1480 |
O povo logo rodeou aquele túmulo de uma espontânea e carinhosa veneração. Três anos após sua morte, os comissários apostólicos enviaram ao papa uma informação sumamente favorável à sua causa. Mas naquele momento o resultado não foi decisivo: devido ao seu relacionamento com a rainha Dona Sancha e os franciscanos “espirituais”, rebeldes à Santa Sé, havia o temor de que Delfina se tivesse contaminado com alguns erros. Somente anos depois seu nome começou a aparecer nos martirológios franciscanos, e o Papa Inocêncio XII aprovou seu culto em 24 de junho de 1694. Quanto a Elzear, foi canonizado solenemente na Basílica de São Pedro de Roma pelo Papa Urbano V em 1º de abril de 1369. Seu processo de canonização é conservado, mas infelizmente falta a declaração de sua esposa Delfina, que deve ter sido bem interessante.
A festa de São Elzear é celebrada em 27 e se celebra juntamente com a de sua esposa em 26 de setembro.
Há um culto litúrgico em Apt, Avignon, na Abadia de São Vitor de Marselha, na Ordem Franciscana, e em Ariano Irpino, onde no dia de sua festa, 27 de setembro, há uma feira antiquíssima, com grande participação do povo.
Fontes:
1- Lamberto de Echeverría, San Elzear y la Beata Delfina, en Año Cristiano, Tomo III, Madrid, Ed. Católica (BAC 185), 1959, pp. 799-802
2 - The Lives of the Saints, by Rev. Alban Butler, 1866, Volume IX: September. See also the life of St. Elzear published by Surius: also Vite delli Santi del Terz. Ordine di S. Francesco, c. 14, 15, 16. p. 30. Suysken, t. 7. Sept. p. 528.
Etimologia: Delfina = do grego, “aquela que mata serpentes”. Também do latim Delphinus, do grego delphis, delphinos: “golfinho” e também “uma constelação”.
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