O evangelho que ouvimos - "Aqui estamos nós que deixamos tudo e Te seguimos" (Mc 10, 28) - ajuda-nos a compreender a figura de São Rafael Guízar y Valencia, Bispo de Veracruz na querida nação mexicana, como um exemplo dos que deixaram tudo para "seguir Jesus". Este Santo foi fiel à palavra divina, "viva e eficaz", que penetra no mais profundo do espírito (Hb 4, 12). Imitando Cristo pobre, desprendeu-se dos seus bens e nunca aceitou favores dos poderosos, ou então oferecia-os em seguida. Por isso recebeu "o cêntuplo" e, desta forma, pôde ajudar os pobres, inclusive entre "perseguições" sem trégua (Mc 10, 30). Por ter vivido heroicamente a sua caridade chamavam-lhe o "Bispo dos pobres". No seu ministério sacerdotal e em seguida episcopal, foi um incansável pregador de missões populares, o modo mais apropriado naquela época para evangelizar o povo, usando o seu Catecismo da doutrina cristã.
Sendo a formação dos sacerdotes uma das suas prioridades, reconstruiu o seminário, que considerava "a pupila dos seus olhos", e por isso costumava exclamar: "Um bispo pode não ter a mitra, o báculo e até a catedral, mas nunca lhe deve faltar o seminário, porque do seminário depende o futuro da sua diocese".
Com este profundo sentido de paternidade sacerdotal enfrentou novas perseguições e desterros, mas garantindo sempre a preparação dos alunos. Que o exemplo de São Rafael Guízar y Valencia seja uma chamada para os irmãos bispos e sacerdotes, para que considerem fundamental nos programas pastorais, além do espírito de pobreza e de evangelização, a fomentação de vocações sacerdotais e religiosas, na sua formação segundo o coração de Cristo.
Papa Bento XVI – Homilia de Canonização –
15 de outubro de 2006
Nascido em 1878, tendo ficado órfão de mãe aos nove anos, Rafael fez seus primeiros estudos na escola paroquial e em um colégio dirigido pelos padres jesuítas.
Nos primeiros anos de ministério sacerdotal decidiu-se com grande zelo a pregar missões na cidade de Zamora e por diferentes regiões do México.
Nomeado em 1905 missionário apostólico e diretor espiritual do seminário de Zamora, trabalhou incansavelmente para formar os alunos no amor a Eucaristia e à devoção terna e filial à Virgem.
Em 1911, para responder a uma campanha persecutória contra a Igreja, fundou na cidade do México um periódico religioso que foi imediatamente fechado pelos revolucionários. Perseguido à morte, viveu durante vários anos sem domicílio fixo sofrendo toda espécie de privações e perigos.
Para poder exercer seu ministério, disfarçava-se de vendedor de quinquilharias, de músico, de médico homeopata. Podia assim aproximar-se dos enfermos, consolá-los, ministrar-lhes os sacramentos e assistir aos moribundos.
Acossado pelos inimigos, não podendo permanecer mais tempo no México devido ao iminente perigo de ser capturado, foi pelos finais de 1915 para o sul dos Estados Unidos e, no ano seguinte, para a Guatemala onde fez um grande número de missões populares. Seu apostolado nesta ilha foi fecundo, e também foi exemplar sua caridade com as vítimas de uma peste que dizimou os cubanos em 1919.
Em primeiro de agosto de 1919, enquanto realizava em Cuba seu apostolado missionário, foi indicado para bispo de Vera Cruz. Sagrado na catedral de Havana em 30 de novembro de 1919, tomou posse de sua diocese dia 9 do ano seguinte. Os primeiros anos dedicou-o a visitar pessoalmente o vasto território da diocese, convertendo suas visitas em verdadeira missão e em obra de assistência às vitimas de um terrível terremoto que havia levado destruição e morte à pobre gente de Vera Cruz. Pregava nas paróquias, ensinava a doutrina, legitimava uniões, passava horas no confessionário, ajudava aos que haviam sido afetados pelo terremoto.
Uma de suas principais preocupações era a formação dos sacerdotes. Em 1921 conseguiu resgatar e renovar o velho seminário de Jalapa que havia sido confiscado em 1914, porém o governo tomou-o de novo assim que ficou pronto! O bispo trasladou então a instituição à cidade do México, onde funcionou clandestinamente durante 15 anos. Foi o único seminário que esteve aberto durante esses anos de perseguição, chegando a contar com 300 seminaristas.
Nos dezoito anos que governou a diocese, nove passou-os no exílio ou fugindo porque buscavam matá-lo. Mesmo assim deu mostras de grande valor chegando a apresentar-se pessoalmente a um de seus perseguidores e a oferecer-se como vítima pessoal em troca da liberdade de culto.
Morreu na cidade do México. Seus restos mortais foram trasladados para a catedral de Jalapa, onde milhares de peregrinos vão pedir sua intercessão.
Alguns fatos que ilustram sua sabedoria e vida de oração:
As tropas policiais estavam perseguindo Dom Guízar, com ordens de o matar. Certo dia, ele foi convidado a um banquete na casa de uma família abastada, do qual participavam outros convidados seletos. Os anfitriões cederam-lhe a cabeceira da mesa, e sentaram-se a seu lado.
De repente irrompeu a polícia, acionada por algum delator: "Viemos buscar o Bispo Guízar, disseram-nos que está aqui!"
Todo mundo ficou surpreso, porque alguém disse: "Sim, aqui está!"
Dom Guízar - que não estava de batina, mas de traje civil - levantou- se com toda a calma do mundo e interveio: "Um momento! Os senhores se enganam, pois aqui não se encontra o homem a quem procuram. Estes senhores são meus convidados, peçam-lhes que cada qual se identifique. E se algum deles é o Bispo Guízar, levem-no!" Então, pediram a cada um que se identificasse, não
porém a ele, porque era o "anfitrião"...
Todos entenderam a artimanha e ficaram observando o que se passava. Por fim, os soldados pediram desculpas: "Cometemos um grande erro... Desculpem-nos! Efetivamente, não está aqui. Informaram-nos mal".
E foram-se embora.
Certa vez, caiu um aguaceiro fortíssimo, e as mães não deixaram seus filhos sair para o catecismo, para não adoecerem. Ele então tocava a campainha e dizia: "Venham ver, meninos, como seu bispo se molha e não lhe acontece nada!" Mas as mães replicavam: "Não vão!"
Conseguiu, por fim, juntar um grupo muito pequeno e levou-o para diante do Sacrário a rezar, pedindo para acabar a chuva e todos poderem ir ao Catecismo. Pegou um garotinho de 5 anos, sentou-o junto ao Sacrário e disse: "Bata à porta de Jesus Sacramentado e peça que cesse a chuva para que os meninos de Espinal venham ao Catecismo".
O menino bateu à porta do Sacrário.
- Que respondeu Ele? - perguntou o bispo.
- Nada!
Cheio de fé, Dom Guízar mandou-lhe bater de novo, e o garoto obedeceu, mas com a mesma resposta: "Nada!"
- Bata mais uma vez, com mais insistência!
Pela terceira vez, o menino bateu à porta, o bispo repetiu a pergunta e ouviu a resposta: "Nada!"
Mas nesse momento - um raio de sol incidiu precisamente no Sacrário. A chuva tinha parado!
Então disse Dom Guízar: "Como não lhe respondeu? Olhe!..."
Começaram, logo depois, a chegar os meninos para o Catecismo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário