Praça do Trono, 17 de Julho de 1794 |
Pela minha fé, se essas mulheres não forem diretas ao paraíso, é porque o paraíso não existe!"
A priora recua até a base da escada. Tem nas mãos uma estatueta de cerâmica da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. A primeira a ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça Constança. Ajoelha-se diante da Madre e pede-lhe a benção. Segundo uma testemunha, ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o ofício do dia. Com um sorriso a Madre diz-lhe: "Vai, minha filha, confiança! Acabarás de rezá-lo no Céu"... e dá-lhe a beijar a imagem.
Contança sobe rapidamente os degraus, entoando o salmo Laudate Dominum omnes gentes, "Louvai o Senhor, todos os povos". "Ia alegre, como se se dirigisse para uma festa". O carrasco e seus ajudantes, com gesto profissional, dispõem-na debaixo da guilhotina. Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído seco da lâmina que cai, o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem solução de continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário.
Uma por uma, as freiras ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a benção e permissão para morrer. Cantam o hino iniciado por Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus Crucificado, que tem 78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer para ajudá-la a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: "Meus amigos, eu vos perdôo de todo o coração, tal como desejo que Deus me perdoe".
Só falta a Madre. Com gesto simples e firme, beija a estatuinha e confia-a à primeira pessoa que tem ao lado. Tem 41 anos, um rosto expressivo, nem muito bonito nem feio; o porte é, mais do que altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos mas irradiando bondade, procuram os do pe. Lamarche, que as confessara no dia anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem pressa em concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus.
Agora tudo terminou. Pode-se cortar o silêncio como se fosse um queijo. Muitos dos assistentes choram baixinho. Anos mais tarde, encontrar-se-ão — registrados em cartas pessoais, diários íntimos e memoriais — os ecos da emoção que experimentaram e dos efeitos que ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de vida, de retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num convento... Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas de um prédio situado em frente da guilhotina, guardou dela uma impressão tão profunda que, anos mais tarde, quando fazia o serviço militar, carregava sempre consigo as obras de Santa Teresa de Ávila e acabou por fazer-se sacerdote. "O amor vence sempre", costumava dizer a Madre priora; "o amor vence tudo".
Os corpos foram levados às pressas para o antigo convento dos agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram lançados na fossa comum e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado de ciprestes, com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.
O texto que leu foi tirado do apêndice histórico da edição brasileira da obra de Gertrud von le Fort (A Última ao Cadafalso, trad. de Roberto Furquim, Quadrante, São Paulo, 1998), e tem por base o livro de Bruno de Jesus Maria, O.C.D, Le Sang du Carmel ou la véritable passion des seize carmelites de Compiègne, Plon, Paris, 1954 e o informe do Secretariatus pro monialibus, Curia Generalis O.C.D., As Bem-aventuradas mártires de Compiègne, Roma, S.d. As citações entre aspas, exceto quando é indicado o contrário, provêm dos manuscritos da Irmã Maria da Encarnação.
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