Apenas terminados os festejos do Carnaval, a comunidade reúne-se
novamente em respeitoso e sagrado silêncio para receber as cinzas. São duas celebrações
diferentes que manifestam a beleza do ser humano. Quando se pergunta quem somos
nós, podemos responder que somos a alegria na fragilidade esperançosa. Parece
estranho que a alegria se misture tão bem com a fragilidade. A alegria não é
frágil, nem a fragilidade é triste e desesperadora. O ser humano (o homem e a
mulher) em sua constituição, tem a fragilidade como projeto. Ele é um contínuo
construir-se, ajustar-se, modelar-se. Não é ser acabado e imutável. A celebração das cinzas, marcando o
início do tempo santo da Quaresma indica nossa origem e fim: “Lembra-te homem
que és pó e em pó te tornarás”. É um alerta duro que nos coloca diante de nossa
realidade frágil e efêmera. Lembra-nos que um dia éramos pó, de acordo com a
simpática narração da criação do homem. Esta lembrança comunica-nos o respeito e
a necessidade de reconhecer a Deus. Contudo, justamente por ser cinza é que
podemos nos alegrar. É nossa condição: frágil. Somos um ser aberto e não um
bloco de pedra imutável. Neste barro mole e frágil está nossa maior riqueza.
Não somos definitivos. Crescemos, nos moldamos, nos adaptamos e nos construímos
incessantemente. Parece um baile de Carnaval onde o corpo se move e se alegra.
A massa do corpo vibrante vive e faz felicidade a partir daquilo que é frágil,
o pó. A colocação das cinzas em nossas
cabeças não tem sentido de bênção, mas de estímulo.
1853.
Construção na fragilidade
Mesmo na dor desta fragilidade, o ser humano é capaz de edificar na
alegria e na paz. Diante disso, podemos concluir que a vida humana é projeto
que se realiza e se reconstrói. Não há nada que seja totalmente definitivo,
como não há nada que seja totalmente triste. Triste é quando esta fragilidade e
leveza são destruídas por aqueles que querem ser donos do ser humano e dominá-lo.
Uma flor é bela se respeitado seu tempo de se abrir, quando não é violentada
sua liberdade de ter sol e vento, quando não é cortada e jogada fora, como
quando não se lhe reconhece o direito a mover-se, crescer, construir-se e
participar. No
altar da vida, todas as alegrias e toda compunção das cinzas são duas faces do
mesmo ofertório. O que faz nossa grandeza diante de Deus é estar nas mãos Dele,
deixar-se moldar, ou melhor, construir-se diante dele, olhando o projeto que
tem para todo ser humano: ser feliz, mesmo sendo frágil. E nesta fragilidade,
construir-se como um desfile alegre por pertencer a Deus e nele viver e
mover-se.
1854.
Convertei-vos e crede no Evangelho
A fórmula “convertei-vos” é a mais
usada atualmente. Ela dá mais o sentido da Quaresma como tempo de conversão.
Essa conversão se reverte em ações de caridade para com os fragilizados. São
dois efeitos: muda o nosso coração e a situação social das pessoas. Não existe
caridade voando por aí. Ela caminha nas estradas do mundo buscando distribuir o
amor que Deus nos dá. A proposta quaresmal é oração, jejum e esmola que
convergem para o mesmo fim. Assim, a Páscoa celebrada se prepara pela Páscoa
atualizada na salvação integral da pessoa. Purificados dos pecados podemos ver
os irmãos com os olhos de Jesus que a todos socorria. Sem isso a celebração
fica vazia. A oração nos põe em contato com Deus e o jejum nos esvazia para que
o amor seja fecundo. A liturgia da Palavra desse tempo santo é rica e nos forma
para celebrar profundamente o mistério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário