quarta-feira, 18 de setembro de 2024

José de Cupertino Frade menor conventual, Santo (1603-1663)

São José de Cupertino,
maravilhas da graça divina em meio 
a indigências da natureza humana 
Desprovido de qualidades naturais, esse Santo, cuja festa comemoramos neste mês, teria seu nome varrido pelo vento da História não fosse sua radicalidade no amor a Deus e o recíproco amor do Criador àquele servo fiel, imitador do Profeta Job. 
Assim narra um autor a infância desse santo: 
“A natureza foi com ele uma madrasta: não lhe deu nem riqueza, nem saúde, nem talento, nem ouro, nem prestígio, nem nobreza... Não teve sequer um berço no momento de vir ao mundo. Seus companheiros o desprezavam e todo o mundo se ria dele. Susteve-se largo tempo entre a vida e a morte, até que um ermitão o esfregou com azeite e o curou. No entanto, continuou a ser olhado como o homem mais desgraçado do mundo, por essa confusão estranha de nossa linguagem, pois se em algo superabundava aquele menino, era precisamente na graça que o ia tirar da obscuridade e desprezo, para aureolar sua fronte com as luzes [até ali] inverossímeis da glória” (1). O inútil Boca-aberta 
Cupertino era uma pequena cidade no Reino de Nápoles, na Itália, entre Brindisi e Otranto, cerca do Golfo de Tarento. Nela vivia um piedoso carpinteiro, tão pouco capaz que seu nome não foi retido pelos biógrafos do filho. No momento em que sua esposa estava para dar à luz, o casal teve que fugir dos agentes da Justiça que procuravam o carpinteiro por dívidas não pagas. Foi assim que José teve a dita de, à semelhança do Deus Menino, nascer no estábulo que lhes serviu de refúgio, em 17 de junho de 1603. Crescendo, viu-se que o menino, sempre distraído, era incapaz de manter um diálogo, de segurar algo sem deixar cair; enfim, na aula ficava pensando em outra coisa, numa atitude que mereceu-lhe o apelido de Boca aberta. Ninguém podia acreditar que, por detrás daquele exterior ridículo e quase idiota, escondiam-se pepitas de ouro que só têm valor no Reino celeste. 
Função: zelador da mula conventual 
Mal sabendo ler e, pior, escrever, aos 17 anos José pediu admissão no convento dos Franciscanos Conventuais, onde tinha dois tios. Mas foi recusado por sua aparência tão desfavorável. Os Capuchinhos aceitaram-no para experiência, passando ele por todas as funções. Mas José mostrava-se tão estabanado, que quebrava tudo o que lhe davam. Quando ia pôr a mesa, bastava olhar para o Crucifixo, soltava um grito, largava os pratos – que se espatifavam no chão – enquanto ele entrava em êxtase. Com o pensamento “nas nuvens”, servia o pão preto em vez do branco, porque “não sabia distingui-los”. Foi mandado embora descalço e só com a roupa do corpo. Mal tinha saído do convento, cães o atacaram, deixando seu hábito em tiras. Andando pelos campos, pastores tomaram-no por um ladrão, e caíram sobre ele a pauladas. Na estrada, foi perseguido por um cavaleiro que o julgava um espia. Chegando em lastimável estado a Cupertino, nenhum parente quis recebê-lo, considerando-o vagabundo; a própria mãe (o pai tinha falecido) lançou-lhe em face: “Se te mandaram embora de uma casa santa, algo fizeste. Agora só te resta o cárcere, o desterro, ou morrer de fome”. Mas finalmente a genitora intercedeu por ele junto aos Conventuais, convencendo seus irmãos a receberem o sobrinho pelo menos para cuidar da mula do convento, revestido do hábito da Ordem Terceira de São Francisco.
Ordenação sacerdotal, após sucessivos fatos miraculosos 
Aos poucos, entretanto, os religiosos foram observando aquele silencioso jovem, e descobrindo brasas que fumegavam sob a áspera cinza. Sempre alegre, sorridente e aceitando as humilhações com desapego angélico, sua linguagem revelava tocante simplicidade de coração e pureza de alma. Obedecia incontinenti, e levava uma vida de mortificação extraordinária. Viram que José tinha verdadeira piedade e vocação sacerdotal. Foi admitido aos estudos como postulante. O estudo foi-lhe uma cruz bem pesada, pois sua memória era fraca e, sempre absorvido nas coisas divinas, não conseguia reter no dia seguinte uma palavra aprendida no anterior. A Providência queria dele amor, e não erudição. O Bispo de Nardo, que apreciava sua virtude, foi lhe conferindo, sem dificuldade, as ordens menores e o subdiaconato. Mas, não tinha jeito! -- para o diaconato era necessário exame. Acontece que José, por causa de sua devoção à Mãe de Deus, só conseguira reter na memória uma passagem do Evangelho: a que diz “bendito o seio que te portou”, na qual meditava constantemente. E foi exatamente a que lhe tocou comentar! E ele o fez tão magnificamente, como o faria o melhor dos teólogos! Para a ordenação, outra intervenção miraculosa: o examinador, vendo que os 10 primeiros candidatos saíram-se magnificamente bem, julgou inútil examinar os demais! 
Lutas e visões 
A partir de sua ordenação sacerdotal, José passou a “considerar-se como exilado do paraíso, e como condenado a habitar uma terra de inimigos. Por isso ele se propôs a combater, e, pela luta, chegar ao Céu” (2). Para isso jejuava e flagelava-se, passando vários dias sem alimento, só com a Sagrada Eucaristia. O demônio agredia-o ora fisicamente, ora insinuava-lhe pensamentos de avareza ou de apego a algum objeto, tentando vencer sua virtude. O combate era tão acirrado que mais tarde o Santo comentou: “Não suspeitava que a trama das redes do diabo fossem tão subtis. Agora compreendo perfeitamente que o mérito da pobreza não está precisamente em não possuir nada, senão em não ter afeto às coisas da Terra” (3). José gozava entretanto da companhia dos anjos, vendo-os muitas vezes pessoalmente e com eles conversando como de amigo a amigo. Sua devoção ao mistério da natividade de Nosso Senhor era profunda. Muitas vezes o Menino Jesus aparecia-lhe. Ele, tomando-O nos braços, acariciava-O e dizia as palavras mais ternas que podia conceber. Começou para São José de Cupertino, depois de dois anos de terríveis provações, a série de êxtases tão extraordinários, como dificilmente se ouvira narrar antes e depois dele na Hagiografia. Bastava ouvir o nome de Jesus ou de Maria, que ele dava um grito e, literalmente, voava rumo ao objeto amado. Se estava na igreja, voava para junto do altar da Virgem ou do Santíssimo. Se no jardim, para o cimo de uma árvore, permanecendo ajoelhado na ponta de um de seus galhos como se fosse o mais leve passarinho. Em Roma, quando ele se viu diante do Vigário de Cristo na Terra, entrou em êxtase, ficando suspenso no ar durante a audiência, até que o Superior lhe ordenasse em nome da obediência que voltasse a si. 
Ovelhas acompanham a Ladainha... 
Verdadeiramente imbuído do espírito de São Francisco, ocorreram com ele inúmeros fatos dignos de constarem nos Fioretti do Poverello de Assis. Certa vez, por exemplo, não estando os agricultores numa capela rural para a Ladainha, por causa da colheita, viu ao longe rebanhos que pastavam. Dirigindo-se aos animais, o Santo exclamou: “Ovelhinhas de Deus, vinde aqui honrar a Mãe de meu Deus, que é também a vossa”. Deixando atrás pasto, filhotes, tudo, elas acorreram em tumulto ao apelo de José, sendo que naturalmente não podiam tê-lo ouvido devido à distância. Entrando na capela, todas caíram de joelhos e, com um longo balido, respondiam às invocações da Ladainha dirigida pelo Santo. Outra vez, tendo uma peste dizimado os rebanhos, dirigiu-se, a pedido dos camponeses, de ovelha em ovelha morta, ordenando-lhes que se levantassem em nome de Jesus. E todas voltaram à vida. Às freiras clarissas de sua cidade, mandou que um passarinho lhes cantasse durante o Ofício para incitá-las a fazê-lo bem. 
Conselheiro dos grandes deste mundo 
O Duque de Brunswick e de Hanover, o protestante João Frederico, então com 25 anos, curioso, obteve do superior de Assis o favor de assistir a uma Missa do “santo que voava”. José não foi avisado de nada. Na hora de partir a Hóstia, estranhamente não conseguia fazê-lo, pois esta oferecia resistência. Aflito, os olhos em lágrimas, o Santo levitou alguns palmos acima do solo, e nessa posição retrocedeu alguns passos, dirigindo a Deus fervorosa prece. Pôde depois partir a Hóstia com a costumeira facilidade. O Duque quis saber o motivo do sucedido. José respondeu ao Superior: “Vós trouxestes gente que tem o coração muito duro e que se obstina em não crer no que ensina a Santa Madre Igreja. Esta é a causa pela qual o Cordeiro sem mancha endureceu-Se em minhas mãos, de modo que não conseguia dividi-Lo”. Obtendo licença para manter conversas e receber conselhos do Santo, o Duque foi testemunha de novo milagre. Durante outra Missa do Santo, viu na Hóstia sagrada, durante a Elevação, uma cruz negra. Frei José soltou um grito, e permaneceu suspenso no ar enquanto dizia olhando a cruz: “Senhor, esta é vossa; não quero senão a vossa glória. Tocai e abrandai, Senhor, esse coração. Fazei com que seja aceito por vossa Divina Majestade”. Sua oração foi aceita, pois o Duque de Brunswick converteu-se (4). Frei José chegou a um tal grau de discernimento dos espíritos, que parecia ler os corações. Ele via as pessoas freqüentemente sob a forma do animal que representava o estado de sua alma. Ele sentia também os odores do pecado ou da virtude, de maneira que, chegando-se a um pecador, dizia: “Cheiras mal. Vai te confessar”. 
Santidade atrai multidões apesar dos obstáculos 
Numa época em que a heresia de Lutero tentava fortemente penetrar nos países católicos, o Sagrado Tribunal da Inquisição vigiava sobre qualquer anormalidade. Vendo as grandes multidões que atraía Frei José de Cupertino, julgou prudente, de acordo com o Papa, retirá-lo para um convento menos conhecido, onde ele deveria viver praticamente recluso. Foi-lhe proibido falar com qualquer pessoa além dos religiosos do convento, e mesmo de escrever cartas a quem quer que fosse. Foi inútil. Embora o convento fosse construído na parte mais escarpada de uma montanha, isso não impediu que uma multidão crescente para lá se dirigisse “para ver o santo”, de tal modo que nas cercanias começaram a surgir hospedagens e comércio para atender os peregrinos. Frei José foi então transferido para outro convento, e assim sucessivamente, até chegar ao de Ósimo, onde predisse que terminaria seus dias, o que ocorreu poucos anos depois, a 18 de setembro de 1663. A multidão que passou a acorrer a seu túmulo indicava sua fama de santidade. 
Plinio Maria Solimeo 
Bibliografia 
1 - Frei Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones FAX, Madrid, 1945, 3ª edição, vol. III, p. 642. 2 - Les Petits Bollandistes, – Vies des Saints, d’après le Père Giry, par Mgr Paul Guérin, Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo XI, p. 223. 3 - Edelvives, O Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1955, tomo V, p. 184. 4 - Edelvives, op. cit., pp. 187-188. 

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