O Venerável Santo André, Arcebispo de Creta (séc. VIII), foi um zeloso hierarca e melodista, cuidando do trono patriarcal de Jerusalém enquanto a sé estava vacante e posteriormente de toda a ilha de Creta por mais de trinta anos, embora não se saiba com exatidão o início de seu arcebispado. A Igreja comemora sua santa vida no dia 4 de julho pelo seu repouso e no Dia de São Tito, em 25 de agosto.
Vida
André nasceu em Damasco na Fenícia (atual Síria) durante a era do Imperador Constante II (641–668), no século VII. Naquele tempo, Damasco estava dominada pelos islâmicos, e Moáuia I (661–680), que governava as terras sírias, proclamou o Califado Omíada por todo o Levante. Embora a maior parte da população fosse cristã, a heresia monotelista corrompia a Igreja desde o Ocidente até o Oriente, e o imperador sequer tentava evitar sua propagação. Essa heresia negava as duas vontades (humana e divina) de Jesus Cristo, admitindo que a vontade não correspondia às duas naturezas de Cristo, mas sim que era uma só, humano-divina.
Mesmo sendo Damasco a capital do califado, André foi criado numa piedosa e virtuosa família cristã, cujos pais tinham por nome Jorge e Gregória. Até seus sete anos de idade, o menino era mudo, e seus pais lamentavam-se pensando que seu filho seria mudo pelo resto da vida. Certa vez, enquanto recebia os Santos Mistérios numa igreja, para a fascinação de todos, André milagrosamente começou a falar. O dom da fala queimava em seu coração, e a jovem criança quis dedicar-se a estudar as Sagradas Escrituras. Seus pais glorificaram a Deus por isso, e deram ao filho uma educação completa com base na gramática, retórica e filosofia.
Ainda aos catorze anos de idade, André assumiu que era impossível unir-se ao conhecimento divino sem antes livrar-se das coisas terrenas e materiais, as quais faziam-no desviar da dedicação total a Deus. Implorando e rogando para que pudesse consagrar-se ao Senhor, recebeu a bênção de seus pais, que peregrinaram com ele duzentos quilômetros ao sul até chegarem à Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém. Lá, André foi recebido com muita alegria por um bispo chamado Teodoro, que cuidava da Igreja de Jerusalém enquanto a Sé estava vacante desde a morte de São Sofrônio, Patriarca de Jerusalém (634–638), um ano após a conquista islâmica da Terra Santa. Após a despedida de seus pais, André ficou como secretário do bispo.
Sob os cuidados de Teodoro, André foi ordenado leitor e, depois de um tempo, hipodiácono. Tornando-se seu pai espiritual, o bispo ajudou André a aperfeiçoar suas virtudes, até que este aceitou a tonsura monástica na Grande Lavra de São Savas no Deserto da Judeia. Em seguida, tornou-se diácono e, finalmente, arquidiácono. Nos dez anos seguintes, André viveu na lavra, onde superou todos os anciões através de suas virtudes com sua austera e casta vida solitária, tornando-se um exemplo para todos.
O arquidiácono contemplava a atenção que os hinos da Igreja davam às Sagradas Escrituras, e passou a compor cânones para os ofícios litúrgicos. Até então, os versos das Escrituras eram intercalados por um refrão. Os novos cânones possuíam um número livre de odes, as quais começavam com um irmo, que referenciava algum dos Nove Cânticos Bíblicos, presentes tanto no Antigo como no Novo Testamento. O irmo era seguido por um número livre de tropários, hinos curtos sobre o tema do cânone, intercalados por um refrão. O final da ode era marcado pela catabasia, outro hino que poderia ser o mesmo que o primeiro irmo.[nota 1]
Certa vez, voltando à Igreja do Santo Sepulcro, que distava treze quilômetros da lavra, soube sobre a morte eminente de seu pai espiritual. Teodoro indicou Santo André como seu sucessor na sé vacante de Jerusalém, mas o jovem monge teve de ser auxiliado por um administrador nos assuntos eclesiásticos. O novo bispo tinha cerca de vinte anos quando foi convocado juntamente com outros dois clérigos a pedido de São Jorge I, Patriarca de Constantinopla (679–686), para representarem a Cidade Santa no Sexto Concílio Ecumênico (680–681) em Constantinopla, convocado pelo Imperador Constantino IV (668–685) para tratar sobre a heresia monotelista. Lá, o santo lutou contra os ensinamentos heréticos, confiando em seu profundo conhecimento da doutrina ortodoxa.
O concílio anatemizou o monotelismo e depôs Macário I, Patriarca de Antioquia (656–681), trazendo a Ortodoxia de volta à terra natal de Santo André. Enquanto que os outros dois clérigos voltaram a Jerusalém para anunciar a decisão do sínodo, o santo bispo quis retirar-se para um mosteiro na Rainha das Cidades, e um novo bispo teve de assumir a Cidade Santa. Entretanto, o santo patriarca quis fazê-lo seu arquidiácono, e Santo André ficou responsável pela Basílica de Santa Sofia. Além disso, André também tomou conta de um orfanato e de um asilo, ocupando-se com a alimentação e o cuidado para com os necessitados. As duas instituições rapidamente cresceram, e precisaram ser reformadas para dar espaço a todos os que recorriam até Santo André.
Arcebispado
Santo André compondo seu Grande Cânone.
Após mais de vinte anos de serviço caridoso, Santo André foi escolhido Arcebispo de Creta na primeira década do século VIII. Na ilha, o novo arcebispo pastoreou incansavelmente seu novo rebanho, exortando os sacerdotes a refletirem os raios da luz divina aos fiéis, reestabelecendo mosteiros e conventos e guiando-os aos moldes da Grande Lavra. André também reconstruiu igrejas destruídas pelos constantes saques islâmicos e construiu asilos, orfanatos e hospitais que aceitavam a todos, até os estrangeiros.
Em 711, após cercar Constantinopla com seus partidários e decapitar o Imperador Justiniano II (685–711) e sua corte, o monotelista Filípico (711–713) usurpou o trono imperial e queimou as atas do Sexto Concílio Ecumênico. Em seguida, depôs o santo Patriarca Ciro (705–712) e nomeou o herético João VI (712–715) como Patriarca de Constantinopla. Este, por sua vez, convocou um sínodo patriarcal em 712 para abolir o anátema ao monotelismo, e Santo André teve que assinar a abolição à sua própria confissão de Fé para não ser deposto e um monotelista assumir o Arcebispado de Creta.
Pela Providência de Deus, Filípico foi morto em uma rebelião de seu exército no ano seguinte, e Anastácio II (713–715) foi proclamado imperador. O novo imperador depôs João VI e substituiu-o por São Germano I (715–730), que até então era Bispo de Cízico na Anatólia e também havia assinado contra seu concílio para não perder seu rebanho para um monotelista. Sob São Germano, o diotelitismo e as determinações do Sexto Concílio Ecumênico foram restaurados, e os heréticos, anatemizados.
Para expressar sua gratidão a Deus, bem como seu arrependimento por ter traído o concílio, acredita-se que tenha sido nesse tempo que o arcebispo compôs seu Grande Cânone. Santo André continuou seu trabalho como hinógrafo, compondo o Cânone da Festa da Natividade, três odes das Completas do Domingo de Ramos, odes para os primeiros quadro dias da semana da Paixão, versos para a festa da Apresentação e vários outros hinos e sermões, os quais foram preservados até a atualidade.
O arcebispo brilhou como uma verdadeira chama de Cristo, instruindo todos os seus filhos espirituais a fugirem das tentações mundanas, guardarem os mandamentos de Deus e demonstrarem Seu amor para com todos. Santo André fortalecia os doentes, consolava os aflitos, defendia as viúvas e os órfãos, alimentava os famintos e vestia os pobres.
Certa vez, a ilha estava cercada pelos omíadas, e os invasores já estavam preparados para usarem suas máquinas de guerra contra os habitantes e pilharem toda a Creta. Pelas incessantes orações de Santo André, um grande temor recaiu sobre os muçulmanos que, sem explicação alguma, fugiram da ilha e voltaram para as arábias sem causar mal algum a Creta. Suas orações também deram fim a longas secas e epidemias mortais, além de proteger a ilha do iconoclasmo, que havia surgido logo após o fim do monotelismo.
Após três décadas liderando seu rebanho, Santo André teve que partir em viagem a Constantinopla a mando do Patriarcado. Na viagem de volta, seu navio largou âncora na ilha de Lesbos na Anatólia, e o arcebispo perguntou que lugar era aquele. Um dos nativos respondeu que ele estava na vila de Éreso, o mesmo nome que Deus lhe havia revelado ser seu lugar de descanso durante suas conversas com o Senhor. André disse: “É aqui que devo entregar a Deus a imagem que Ele me deu. É aqui onde descansarei.” Foi assim que, em 4 de julho de 740, na era do maldito Imperador Leão III (717–741), próximo aos oitenta anos de idade, Santo André, Arcebispo de Creta, entregou sua alma ao Senhor.
Pós-vida
Reconhecendo a santidade do arcebispo, não demorou muito tempo até que os habitantes de Éreso construíssem uma igreja em honra a Santo André para sediar suas relíquias. Depois de alguns anos, uma porção de suas relíquias foram transferidas para um mosteiro em Constantinopla também dedicado ao santo, e lá ficaram pelo menos até a Queda de Roma em 1453. Atualmente, somente as ruínas restaram da igreja em Éreso, mas a capela com o túmulo do santo ainda continua preservada, e uma nova igreja em honra a ele foi construída nas imediações. (ver vídeo) Seu sagrado crânio encontra-se no Mosteiro de Vatopedi na Montanha Santa. Devido à perseguição e a destruição de registros históricos promovida pelo período iconoclasta que sucedeu a morte do arcebispo, não é sabido quem foi seu sucessor (ou antecessor) na Igreja de Creta.
Hinos
Tropário
(Tradução livre)
Assim como o Profeta Davi, /
na assembleia dos justos, /
tu cantaste a todos uma nova canção. /
Portando o Espírito de Deus, /
tu derramaste hinos à Graça divina, /
e pregaste a justiça para a nossa salvação, /
ó Santo André, glória de nossos pais.
Outro tropário
(Tradução livre)
Ó Arcebispo André, /
os teus justos atos mostraram aos fiéis uma lei de fé, /
uma imagem de mansidão e um mestre de renúncias. /
Por isso conseguiste, pela mansidão, consideração e pobreza, a grande riqueza. /
Intercede, pois, junto ao Senhor, /
pela salvação de nossas almas.
Condáquio
(Tradução livre)
Trombetando as divinas melodias com clareza, /
tu foste como uma chama luminosa para o mundo. /
Ó justo André, tu brilhaste com a luz da Trindade, /
e agora a ti clamamos: “Roga ao Mestre por todos nós!”
Louvor
(Por São Nicolau, Bispo de Ócrida, em tradução livre)
(Também comemorando Santa Marta de Antioquia)
Em Sua Divina Providência, milagroso é o Senhor, /
e André, o mudo, tornou Seu interlocutor. /
Ao silente Ele fez Sua trombeta tocar, /
assim como a Saulo fez da Igreja seu pilar.
Em vão do casamento Santa Marta se afastou, /
pois à vontade de Deus a jovem se curvou. /
A Providência do Senhor levou Marta a se casar, /
para a Deus e ao mundo, um santo presentear.
Aquele que a Deus se rende, rendeu-se ao melhor, /
lutando a vontade humana com a divina, é derrotada a pior. /
Minha criança, sem o Senhor, jamais planeje seus planos, /
pois nada serão além de plantas sem ramos.
Desde seus desejos ao que ainda será vivido, /
nas Mãos do Criador Todo-Poderoso tudo está mantido. /
D’Ele são as planícies, d’Ele são as encostas, /
d’Ele os elementos, pelos quais as fundações são compostas.
D’Ele é a alma, e d’Ele é o corpo, /
o espírito de tudo encontra n’Ele o adorno. /
Se estamos em Seus campos e sabemos Seus procedimentos, /
a que cumpriremos, senão os Seus Mandamentos?
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