Não longe da pequenina cidade de Roda, em Espanha, havia, nos princípios do século XVI, um convento dos padres de Nossa Senhora das Mercês, religiosos heroicos cuja vida se consumia em aliviar e resgatar os cristãos prisioneiros dos infiéis. Aos Domingos, afluía à Igreja do mosteiro grande número de habitantes das aldeias vizinhas, os quais aí notavam um eremita cujo recolhimento e fervor edificavam a todos. Entretanto ninguém o conhecia, ninguém sabia o lugar da sua morada.
Esta misteriosa personagem despertou e excitou a curiosidade. Puseram-se portanto, a espiar seus passos ao sair da igreja. Em breve, porém, percebeu ele do que se tratava, e fazia por se demorar muito tempo na igreja, até cansar a paciência dos curiosos. Por vezes, todavia, os mais intrépidos esperavam, os mais astutos escondiam-se; mas o eremita tomava, umas vezes um caminho, outras vezes, outro. Além disso, caminhava tão depressa que ninguém podia segui-lo.
Perdiam-no de vista nos atalhos que se cruzavam ou nas espessas matas onde não temia embrenhar-se, posto que descalço e com os pés ensanguentados. Toda a espécie de conjecturas e comentários circulava na multidão. A morada do pobre ermitão não era, todavia, senão a meia légua do convento.
Constava ela duma gruta cavada pela natureza numa rocha cercada de espessas sarças e matagais, cuja entrada era fechada por giestas. Aí se escondia o solitário e se entregava aos exercícios da mais austera penitência. O seu alimento eram raízes, ervas e frutos silvestres. Aí passava os dias a olhar ao Senhor, a rezar, a meditar suas grandezas e seu amor, a implorar misericórdia para o mundo, cheio de pecados e corrupção.
Um pastor, perseguindo um dia um rebanho de cabras desgarradas, chegou a descobrir a gruta do piedoso solitário, o qual suplicou ao seu fortuito visitante que não descobrisse o seu asilo a ninguém. «Não posso prometer-vos isto, meu irmão». disse o pastor, «eu sirvo um senhor que é muito bom cristão e que há muito tempo deseja saber o vosso paradeiro. Ele será feliz em vos conhecer. Vós careceis de tudo; ele, porém, não permitirá que vos falte nada».
Em vão o eremita se desculpava; viu-se obrigado a aceitar uma parte do pão que o bom do pastor levara para a sua viagem e a receber em seguida o que o seu amo lhe enviava. Não tinha sido isto o mais desagradável da descoberta. Não se guardou segredo sobre o caso e, em breve, a gruta do solitário foi conhecida de toda a gente. A afluência era considerável.
Todos desejavam ver este homem de Deus, este anjo da solidão, esta maravilha de penitência. Um dia que o solitário estava ausente – para ir à igreja, sem dúvida, – um curioso penetrou na gruta para visitar e revistar o mobiliário. Um crucifixo, entre os instrumentos de penitência, um livro de Horas; eis tudo o que encontrou. Este livro não deixou também de ser examinado; aí se encontrou a seguinte inscrição: «dado a Catarina de Cardona pela princesa d’Éboli». Era, pois, uma mulher que habitava aquela gruta, que levava uma tão austera vida, e esta mulher era da família dos duques de Cardona, uma das mais ilustres de Espanha.
Desde a idade de oito anos, Catarina sentia-se impelida à prática dos conselhos evangélicos. Longe de a secundar, porém, seus pais sonharam em casá-la, logo que ela chegou à idade própria. A humilde rapariga submeteu-se como verdadeira vítima de obediência filial e tudo se preparou para as núpcias. Mas Deus, que lia no fundo do seu coração, libertou-a das mãos daqueles que violentavam a sua liberdade; o mancebo que lhe estava destinado para esposo morreu neste intervalo. Depois desta catástrofe, ninguém se admirava de a ver entrar na casa das Franciscanas.
O rei Filipe II chamou-a para que se encarregasse da educação de seu filho, D. Carlos; mas, vindo a desesperar ela de conseguir o que desejava, ainda foi na Corte dama de honor da Princesa de Salerno e da Princesa d’Éboli. Sua alma, porém, experimentava neste meio mundano e buliçoso sofrimentos indizíveis. Uma manhã, foi encontrada no seu quarto uma carta dirigida à Princesa d’Éboli, em que agradecia a esta dama todas as suas bondades e lhe anunciava o propósito de ir viver na solidão.
Depois de vinte anos passados na caverna onde a vimos no começo da narração, recebeu a nossa eremita tantas visitas importunas que cedeu a gruta aos carmelitas e entrou numa reclusão que estes religiosos lhe prepararam perto do seu convento. Aí viveu ainda cinco anos. Catarina terminou sua carreira mortal em 1577, com sessenta e três anos. Santa Teresa proclamou-a grande santa.
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