Há palavras que quase nunca aparecem em nosso vocabulário diário. Por isso mesmo não nos preocupa a palavra e às vezes também a prática. Quanta gente esbanja, gasta, desperdiça e não se preocupa, porque sobra dinheiro.
O supérfluo é tudo aquilo que vai além da nossa necessidade básica a uma vida digna. Vai muito bem um café da manhã com pouca coisa na mesa, mas sempre gostamos de acrescentar o supérfluo: manteiga, ovos, presunto, queijo, compotas, sucos, frutas etc. Estamos muito bem, mas precisamos reformar nossa casa, trocar os móveis e comprar uma quantidade de badulaques para entupir armários e prateleiras.
No fundo, o supérfluo é o abuso dos bens; enquanto uns não possuem aquilo que é básico a uma vida digna e que lhe permita crescer e ter acesso ao necessário, outros realmente nadam no consumismo, na abundância, no luxo, no exagero.
O fenômeno da exclusão nasce da ganância do ter, do exagero do usar. E que direito temos a tudo isso? A simples desculpa de que tudo é fruto do trabalho não convence, porque há tanta gente trabalhando e não consegue nem o salário digno. Dizer que é fruto só do trabalho é uma ingenuidade, e mais ingenuidade é querer que acreditemos nisso.
É certo que algumas pessoas têm mais capacidade de administrar, de governar, de exercer uma atividade mais rentosa. São capazes de ver o conjunto dos problemas, a diversidade de pessoas e recursos em vista de certos projetos. São dotadas de energia e capacidade de dinamizar os outros. São mais preparadas e mais capacitadas para o trabalho.
Mas é certo também que tudo isso é dom de Deus, como dom de Deus o mundo, a vida que está em cada um. Essa é a razão fundamental para que alguém perceba que tudo é dom de Deus, por isso mesmo tudo que a vida produz, produz para a humanidade.
Esta é a doutrina da Igreja: todos os bens possuem uma destinação social. O direito à vida nos dá o direito de usar aquilo que é necessário para mantê-la e desenvolve-la, mas não dá o direito ao supérfluo. O mundo não é nosso, o que produzimos é de todos. Temos direito ao essencial para viver dignamente.
Aqui não vale a desculpa de que as pessoas não trabalham, não produzem. As chagas da humanidade são nossas chagas e o resultado do consumo do supérfluo vai ter o preço da exclusão e da violência. A ganância para se ter mais produz a escravidão, a opressão e a manipulação do outro em nosso favor.
Podemos continuar pensando diferente da Igreja e até levar a sociedade em direção oposta ao evangelho, mas tenhamos a certeza de que vamos colher as desgraças que semeamos na ganância. O supérfluo não é nosso, é dos pobres.
Pe. Hélio Libardi, C.Ss.R.
EDITORA SANTUÁRIO
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