Ildefonso Porras e Rafaela Ayllón, abastado casal, não suspeitaram quais eram os misteriosos desígnios de Deus quando lhes nasceu a décima de seus treze filhos, Rafaela, no dia 1º de março de 1850. Rafaela Maria Porras y Ayllón nasceu em Pedro Abad, província de Córdoba (Espanha). Dos seus pais recebeu uma educação cristã, especialmente eficaz porque baseada no exemplo.
Santa Rafaela Maria tinha quatro anos quando seu pai, Presidente da Câmara de Pedro Abad, tombou vítima de sua religiosidade e de seu heroísmo: ao cuidar dos doentes de cólera, ele próprio contraiu a doença. Sua viúva, mulher forte, passou a dirigir a família. Dedicou especial atenção na educação das "duas perolazinhas", como eram chamadas as duas únicas meninas, Rafaela e Dolores, esta última quatro anos mais velha que a irmã.
A educação recebida de sua mãe, uma mistura de solícita ternura e de suave exigência, fez amadurecer nela os melhores traços do seu temperamento. Ao chegar à adolescência, era uma criança precocemente reflexiva, doce e tenaz ao mesmo tempo, senhora de si, sempre disposta a ceder nos seus gostos perante os gostos dos outros. Rafaela e a irmã, jovens finas, cultas, bem dotadas, podiam frequentar a melhor sociedade de Córdoba e Madri. Mas Rafaela, de joelhos diante do altar de São João dos Cavaleiros, em Córdoba, consagrou-se a Nosso Senhor com um voto de castidade perpétua aos quinze anos de idade. Isto aconteceu no dia da Anunciação de Nossa Senhora, a Escrava do Senhor. Mais tarde ela diria: "É tão formosa a flor da pureza!" Por uma coincidência providencial, a propriedade daquela igreja seria mais tarde entregue às Escravas do Sagrado Coração de Jesus, obra que Rafaela fundaria.
A morte da sua mãe, quando ela tinha dezenove anos, foi outro momento forte na reta trajetória da sua entrega a Deus. A partir de então se dedicou completamente aos mais carentes e não havia na povoação uma necessidade ou dor que ela não consolasse. Em tudo isto era acompanhada por sua irmã Dolores, que iria ser também sua companheira inseparável na fundação do Instituto das Escravas do Sagrado Coração de Jesus.
"Inteiramente órfãs e sendo muito perseguidas por nossos parentes mais chegados, minha irmã e eu, depois de quatro anos de terrível luta, decidimos nos tornar religiosas", relatou Dolores.
Em 1874, as irmãs transladaram-se para Córdoba, a princípio pensando em tornarem-se carmelitas. Por insistência de algumas autoridades diocesanas, acabaram por entrar em tratativas com as visitandinas, a fim de estabelecer na cidade um pensionato dirigido pela ordem da Visitação.
Foi então que conheceram o Pe. José Antônio Ortiz Urruela, sacerdote que as havia de orientar e aconselhadas por ele uniram-se à Sociedade de Maria Reparadora, um Instituto de recente criação, não sujeito à rigorosa clausura monástica, que visava conjugar a devoção eucarística às tarefas de apostolado a serviço da Santa Igreja.
Em março de 1875, provenientes de Sevilha, algumas religiosas desta congregação se transladaram a Córdoba para fundar um noviciado, aproveitando o espaçoso prédio que lhes era oferecido pela família Porras. As duas irmãs começaram ali o postulantado e, em curto tempo, outras jovens seguiram seu exemplo.
Quando se aproximava a primeira emissão de votos, algo veio perturbá-las: o Bispo, Dom Zeferino González y Díaz Tuñón, OP, ao examinar as constituições desejou introduzir diversas modificações, pois desejava dar ao novo instituto uma nota mais dominicana. Deus, entretanto, havia inspirado no coração das fundadoras que adotassem as regras da Companhia de Jesus e, ao tomarem conhecimento daquelas imposições, resolveram ir para a vizinha cidade de Andújar, pertencente à Diocese de Jaén. Fizeram-no à noite, sem prévio aviso e de comum acordo entre si.
Após idas e vindas, as "fugitivas" acabaram por se estabelecer em Madri, onde o Arcebispo Primaz da Espanha, Cardeal Juan de la Cruz Ignacio Moreno y Maisanove, as acolheu e aprovou-as com o nome de Instituto das Irmãs Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus, que mais tarde o Vaticano mudaria para Escravas do Sagrado Coração de Jesus.
Por caminhos inesperados, as duas irmãs viram-se convertidas em fundadoras. A 14 de abril de 1877 estabelecia-se em Madri a primeira comunidade das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, dedicadas a adorar o Santíssimo Sacramento e a educar crianças e jovens, principalmente as pobres. Aprovadas pelo Cardeal Moreno, das dezoito noviças que haviam começado aquela aventura "nenhuma se perdera".
O pequeno apartamento em que se instalaram era paupérrimo, tão pobre, que se alguém desejasse visitá-las deveria levar a cadeira para se acomodar... Mas o entusiasmo era grande.
Como primeira devoção tinham a Sagrada Eucaristia e logo pediram autorização para manter em sua capela a reserva do Santíssimo Sacramento. Rafaela escreveu ao Papa nestes termos: "Humildemente prostradas aos pés de Vossa Santidade, encarecidamente lhe rogamos e suplicamos se digne conceder-nos a graça inestimável de ter reservado em nossa capela, para nosso maior consolo e principal objeto de nossa reunião, Jesus Cristo Sacramentado".
Fortalecido pelo fervor eucarístico e pela devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o Instituto se expandiu. Em 1885 já contava com quase cem religiosas. As fundações se multiplicavam, floresciam as obras de apostolado: "escolas populares, colégios, casas de exercícios espirituais, congregações marianas e de adoradoras do Santíssimo Sacramento etc.". O novo instituto ia adquirindo a característica tão desejada por Santa Rafaela Maria: "universal como a Igreja". Santa Rafaela Maria era a encarnação do ideal de uma Escrava. O nome que adotou na vida religiosa – Maria do Sagrado Coração de Jesus – exprime a sua atitude constante de resposta ao Amor.
Às suas filhas espirituais incutia a necessidade de estarem unidas para enfrentarem as futuras provações: "Agora, minhas queridas, que estamos nos alicerces, assentemo-los bem, para que os vendavais que vierem depois não derrubem o edifício; e todas juntas, sem deixar nenhuma fresta por onde o diabo possa meter a unha da desunião; todas unidas em tudo, como os dedos das mãos, e assim conseguiremos tudo o que queremos, porque temos a Deus, Nosso Senhor, a nosso favor".
Em 29 de janeiro de 1887, o papa Leão XIII aprovava definitivamente o Instituto e, temporariamente, as Constituições pelas quais elas tinham lutado com denodo.
As Escravas espalharam-se rapidamente, e Rafaela dirigiu-as, com Maria del Pilar, nome que sua irmã adotara, como ecônoma geral, até 1893.
Neste ano, depois de ter dirigido o Instituto durante dezesseis anos, Madre Rafaela Maria teve de enfrentar momentos muito dolorosos. Por uma série de mal entendidos, as suas mais íntimas colaboradoras começaram a desconfiar dos seus atos, a pôr em dúvida as suas qualidades e inclusive a clareza do seu juízo. Ela simplesmente, seguindo o conselho de pessoas autorizadas, resignou do cargo de Superiora Geral a favor da sua irmã, vendo a mão invisível de Deus que com infinito amor modelava o seu barro, e aceitou para o resto da sua vida – tinha quarenta e três anos – o martírio do “não fazer”. Irmã Maria del Pilar substituiu-a no cargo; teve, deste modo, o gosto de ser Superiora Geral durante dez anos (1893-1903).
Estes dez anos e os 22 seguintes passou-os Rafaela a um canto, esquecida e desprezada, mas feliz por não ter senão que dar bom exemplo e entregar-se continuamente à oração e à humildade, sem amargura de coração, sem críticas, sem o menor ressentimento. Entregue à oração e às simples tarefas domésticas, nas quais soube traduzir o seu imenso desejo de ajudar o Instituto e a Igreja, Santa Rafaela Maria pode ver o crescimento daquela obra nascida do seu amor e fecundada pela sua dor. Sempre serena, acreditou contra toda a esperança no Deus fiel que levaria a feliz término a empresa que por meio dela e de sua irmã tinha começado.
Naqueles anos de isolamento, só teve o consolo de uma viagem a Loreto e Assis. Por todas as casas que visitou deixou uma esteira de edificação. As religiosas mais jovens podiam comprovar o que tinham ouvido as mais velhas comentarem sobre a fundadora. Ela nunca mais exerceu a autoridade no Instituto, mas edificava a todas o verem-na, já idosa, ajudando a uma postulante recém-chegada a pôr as mesas.
Santa Rafaela tornou-se uma desconhecida dentro da obra que fundara. "Sem que ninguém estranhasse, verão a madre, já anciã, ajudando uma postulante coadjutora recém-chegada a montar as mesas. Cada vez mais desconhecida, chega um momento em que nem mesmo as que vivem na congregação sabem que a fundadora é ela".
Grandes tribulações atormentavam seu puro coração, como ela escreve: "Minha vida foi sempre de luta, mas de dois anos para cá são penas tão extraordinárias, que só a onipotência de Deus, que me ampara milagrosamente a cada instante, impede que meu corpo caia por terra. Todo o meu ser está em contínua angústia e desamparo, e prevendo que isto vai durar muito, muito. Por isto penso que Deus me abandonou? Não!"
O prolongado e doloroso holocausto estava para se consumar. Devido às longas horas que passava ajoelhada diante do Santíssimo Sacramento, centro de sua vida, contraiu uma doença no joelho direito que pouco a pouco a foi consumindo em meio a dores intensas. Os últimos oito meses que passou retida em seu leito foram de acerbo sofrimento. "Aceitai todas as coisas como se viessem das mãos de Deus", repetia ela.
No dia 6 de janeiro de 1925, Santa Rafaela morreu santamente na casa de Roma, onde permanecera os últimos anos de sua vida. Depois de seu falecimento as autoridades eclesiásticas compreenderam o que se tinha passado; foi aberto o processo de sua beatificação.
Quase ao final da 2a. Guerra Mundial, um bombardeio americano atingiu o cemitério onde Madre Rafaela estava sepultada. Seu túmulo milagrosamente foi preservado e, ao fazerem a exumação de seus despojos, encontraram seu corpo incorrupto e flexível como se ela dormisse.
Está sepultada na Casa Generalícia da Congregação em Roma e, como morreu no dia da Epifania, sua festa é celebrada no dia 18 de maio, data da sua beatificação e do translado de seus restos mortais.
Pio XII beatificou-a em 1952 e Paulo VI canonizou-a no dia 23 de janeiro de 1977.
Sta Rafaela Maria e Madre Pilar |
Corpo incorrupto de Sta. Rafaela |
Fontes:
www.aciportugal.org/content/view/44/33/ ;
Santos de cada dia, Pe. José Leite, S.J.
YAÑEZ, Amar siempre.
Rafaela María Porras Ayllón, Madrid: BAC, 1985
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