domingo, 7 de junho de 2020

Madre Maria Angélica da Eucaristia, carmelita brasileira exemplar

    Uma pessoa amiga nos falou sobre o falecimento repentino da Madre Maria Angélica da Eucaristia, fundadora do Carmelo Maria Mãe da Igreja, de Montes Claros, no sábado 2 de junho. Ao velório, no domingo, afluíram centenas de pessoas de todas as classes sociais para demonstrar seu apreço por esta religiosa; cada um dos presentes tinha algo a recordar e agradecer a ela.
     Para exemplificar sua ação benfazeja, contou-nos nossa amiga que uma das carmelitas daquele convento era funcionária de um banco em São Paulo e, certo dia, vendo uma religiosa carmelita na Av. Paulista, ficou tão tocada que resolveu ingressar no Carmelo. Anos depois foi transferida para Montes Claro e foi grande sua surpresa ao conhecer a Madre Superiora: era a religiosa que vira em São Paulo! Naquela ocasião Madre Angélica viajara para SP para um tratamento médico.
     Este blog presta uma homenagem a esta religiosa pequena e franzina de corpo, mas gigante na alma; com grande cultura, traduziu várias obras religiosas do francês para o português.
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     Há 87 anos nascia em Grão Mogol-MG (a 600 k de Belo Horizonte) Madre Maria Angélica da Eucaristia, cujo nome de batismo é Sophia Maria Esteves de Melo. Depois de estudar em Belo Horizonte, ingressou no Carmelo daquela cidade, sendo posteriormente transferida para Montes Claros, onde fundou o Carmelo montes-clarense.
Igreja de Sto. Antônio, Grão Mogol MG
     Reproduzimos aqui excertos de uma homenagem prestada à Madre em 2010, por ocasião de seu 60º ano de profissão religiosa.
Madre Maria Angélica da Eucaristia e suas Esmeraldas
     No dia 21 de novembro, festa da apresentação de Nossa Senhora, as carmelitas renovam a profissão de seus votos. Enquanto Elisabete pronuncia de novo com as companheiras a fórmula dos votos, sente um impulso de graça irresistível que a transporta à Santíssima Trindade.
     Ao voltar à cela, escreve num só lance e sem hesitação, como um grito emanado do coração, uma das mais belas declarações de elevação e amor aos seus Três: “Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente de mim mesma para fixar-me em Vós, imóvel e pacífica, como se minha alma já estivesse na eternidade... Ó meu Cristo amado, crucificado por amor, quisera ser uma esposa para vosso Coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos.... Ó fogo devorador, Espírito de amor, vinde a mim para que se opere em minha alma como que uma encarnação do Verbo... Ó meu Três, meu Tudo, minha Beatitude, Solidão infinita, Imensidade onde me perco, entrego-me a vós como uma presa. Sepultai-vos em mim para que eu me sepulte em vós, até que vá contemplar em vossa luz o abismo de vossas grandezas”.
     E assim, no Carmelo de Dijon, no ano de 1904, a jovem Elisabete da Trindade encerra este tratado de diálogo com a Trindade.
     Ao querer ser toda dEle, as vocações surgem e se concretizam. Assim, diversas filhas e filhos da Santa de Ávila vêm percorrendo os caminhos da chama viva de Amor, anunciada pelo seu discípulo, companheiro e amigo, São João da Cruz.
     E há exatamente 6 décadas uma destas criaturas chamada às fileiras do Carmelo, pode adentrar uma das casas de oração, onde, como dito pela própria Teresa de Jesus, “encerradas aqui, pelejaremos por Ele”. Trata-se da nossa querida Irmã Maria Angélica da Eucarística, conhecida como Madre Angélica e para suas filhas: “nossa Mãe”.
     Mas como recordar e percorrer aquele distante e próximo dia 12 de dezembro do ano de 1950? Vamos deixar a própria Madre Angélica, nos contar, como o fez no ano de 1957, ao definir o seu ideal como amor:
     “Ó Mestre amado, é teu o meu segredo:
     Amar-te muito, louvar-te em meu degredo,
     Passar a vida inteira, ó celestial enlevo,
     Dizendo sempre: “Sim” ao divinal apelo.
     Viver silenciosa, oculta em meu Carmelo,
     Sofrer, morrer de amor, é este o meu anelo
     Travar o bom combate sobre a terra.
     Maria, doce Mãe sem igual na terra.
     E Cristo, meu Esposo, que triunfador impera!
     E entrega ao Pai a nova Humanidade
     Num hino de louvor e glória à Trindade!

     O Louvor de Glória se fez e faz presente em sua caminhada. Se fez presente na decisão de deixar os seus entes queridos e adentrar o Carmelo Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Belo Horizonte. Se fez novamente vivo e presente quando da decisão de deixar a capital do Estado de Minas Gerais, rumo à cidade do Norte do Estado, Montes Claros e fundar com suas companheiras no dia 8 de setembro de 1977 a primeira casa contemplativa na região Norte do Estado. Assim, nasceu o Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI e mais uma vez Madre Angélica como a pequena Teresa do Menino Jesus concretizava o Evangelho: “ser missionária e pregar o Evangelho”.
     Da década de 70 para cá participou ativamente da família carmelitana e, como sua Santa Madre, não se limitou a ficar somente em Montes Claros, levou o perfume carmelitano para duas Fundações, sendo o Carmelo da Ressureição e Beata Edith Stein, em Senhor do Bonfim, BA e o Carmelo Santíssima Trindade e Beata Elisabeth da Trindade, em Coronel Fabriciano, MG.
     Como a missão não pode ficar “escondida” participou e acolheu com carinho a fundação do Grupo Beata Elisabete da Trindade (OCDS) e atualmente elevado à categoria de Comunidade. Fez-se e continua se fazendo Mãe de inúmeras filhas espirituais, e nesta relação de Mãe-Filhas, basta recordar (para se entender melhor) a mesma relação estabelecida entre uma jovem chilena, de nome Juanita e posteriormente elevada a honra dos altares com o nome de Santa Teresa de Jesus de Los Andes, e sua Madre, coincidentemente denominada Irmã Angélica.
     “Asseguro-lhe, Madre, que sinto uma confiança enorme na senhora, e é porque encontro em seu coração de mãe a ternura de N. Senhor para com minha alma”. No mês de setembro, ainda de 1918, escreve a Irmã Angélica narrando sua imensa alegria, ao receber da mesma uma correspondência dizendo que havia um cantinho no “pombalzinho” dos Andes para ela. Pede que as orações da Priora levem a ela as três virtudes, da pureza, humildade e caridade.
     Em sua primeira visita ao Carmelo de Los Andes, Juanita dirá que o conventinho é uma casa velha e feia, mas tal pobreza falou e comoveu seu coração. Ainda dirá que teve momentos de choro quando ouviu pela primeira vez a voz da Madrezinha. “Não fazia um segundo que estava ali, e minha alma gozava de uma paz inalterável. Só Deus que via meu coração poderia compreender minha felicidade”. A Priora disse a Juanita: “suas dúvidas quanto à vocação são infundadas, pois já nasceste carmelita”.
     Assim, podemos plagiar a Priora de Juanita, dizendo para nossa Madre Angélica: já nasceste carmelita. E nestas suas Bodas de Esmeralda, temos certeza que suas virtudes e dedicação se confundem com a gema rara, esverdeada, livres de inclusões e com lapidação perfeita.
     Os estudiosos dizem: “cuidem de suas esmeraldas” pela raridade e beleza. Às Irmãs nós dizemos: “cuidem de sua Priora”.
     Receba, Madre Angélica, nestes 60 anos de caminhada no “pombalzinho” do Carmelo, os mais caros sentimentos de vossas atuais filhas em Montes Claros. 
     E que a Eucaristia, símbolo de vosso nome e de vossa caminhada, continue expressando o que nos ensinou o Apóstolo da Eucaristia, São Pedro Julião Eymar: “A Eucaristia é também a vida da alma e da sociedade humana, como o sol é a vida dos corpos e da face da terra. Sem o sol, a terra é estéril; ele alegra-a, adorna-a e enriquece-a; ele dá aos corpos a eficácia, a força e a beleza".
Comunidade Beata Elisabete da Trindade – OCDS – Montes Claros, Minas Gerais.
*
      Em março de 2006, Madre Maria Angélica da Eucaristia foi escolhida pelo vereador Ruy Muniz para ser homenageada no Dia Internacional da Mulher. 
Mensagem da Homenageada (excertos)
[...]
     Deus criando a mulher quis transbordar sobre ela um pouco da sua ternura e bondade, dotando-a de um coração que sabe amar e doar-se sem limites. Sempre ao longo da história a presença da mulher é normalmente unida a gestos heroicos de amor, de caridade, de doação, de altruísmo. Ao homem estão unidas as grandes conquistas, guerras, sacrifícios, aventuras. A missão da mulher é mais de construir a humanidade e educar corações para que não se embruteçam e se esterilizem pela grandeza e pelo poder.
     Uma monja ser escolhida para representar a mulher montes-clarense pode parecer estranho. As monjas de clausura, as carmelitas descalças?! Além de sua presença orante e acolhedora na cidade, elas não construíram nenhuma creche, hospital ou alguma obra grandiosa, mas esse gesto pode ter e tem um sentido muito grande se o considerarmos à luz da fé e da palavra do Evangelho. O Camelo com suas monjas é um sinal vivo que nos interpela e nos questiona para que possamos compreender que a nossa vida não pode ser reduzida só a coisas. Há algo de bem mais profundo, há valores que buscam com ânsia e que aos olhos cegados pelo brilho falso da riqueza e do poder nos impedem de ver.
     A história pode ser contemplada a partir de várias janelas: política, científica, social, mas também religiosa. O que neste momento eu gostaria de relembrar é que só a mulher com sua vida e feminilidade pode influenciar o ritmo da história não a partir da obra, mas sim do amor oblativo da oração. E hoje, nesta homenagem, tenho também presentes todas as minhas co-irmãs que no silêncio, no escondimento, no anonimato, oferecem suas vidas e toda a energia de seu ser integral: corpo, espírito, inteligência, para que o mundo seja mais humano, mais fraterno.
     Neste momento, saúdo com respeitoso cumprimento a Santíssima Virgem, a grande Consagrada, a todas as religiosas consagradas da nossa Arquidiocese, a todas as mulheres, mães, esposas, filhas da nossa sociedade montes-clarense que se consagram ao bem comum, quer no santuário familiar; quer nas atividades assistenciais e profissionais; quer na oração silenciosa, e se desvelam pelo próximo mais próximo com solicitude e amor.
     Aqui expresso o meu agradecimento ao Sr. Prefeito Dr. Athos Avelino, ao Presidente da Câmara Municipal Sr. Sebastião Ildeu Maia, ao Vereador Professor Ruy Muniz, que teve a delicadeza de fazer a indicação do meu nome, e a toda a Câmara dos Vereadores, que houve por bem apoiar a referida indicação de uma simples monja de clausura.
     Este gesto de toda esta Casa vem mostrar bem alto que o valor da pessoa não está na beleza, na riqueza, ou no seu status social. A mulher tem o valor em si mesma e não no que lhe é exterior, e por isso é merecedora de amor, respeito e consideração da sociedade.
     A todos o meu muito obrigada!
Irmã Maria Angélica da Eucaristia

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