terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Beata Carmem Godoy Calvache, 1º de janeiro


     Na beatificação dos chamados “mártires de Almeria”, em 25 de março de 2017, figuram 115 pessoas: 95 sacerdotes, 18 leigos homens e 2 mulheres. Uma das mulheres era a jovem cigana Emília la Canastera, a outra era Carmem Godoy Calvache, viúva de 48 anos. Duas mulheres de vida muito diferentes que nunca tinham se conhecido. A jovem cigana era pobre, tinha acabado de dar à luz e há poucos meses conhecera a fé cristã. Carmem Godoy, ao contrário, sabia o que era criar dois filhos, havia sido uma grande gestora e administradora das riquezas de sua tia e desde menina fora uma católica devota e comprometida.     Entretanto, a morte delas é assombrosamente parecida: ambas foram mantidas em prisão, foram torturadas e assassinadas por negarem-se a delatar outros cristãos. A jovem cigana negou-se a delatar quem era a catequista que na prisão a iniciara na fé. Carmem Godoy negou-se a entregar a lista de cristãos que haviam colaborado com ela na reconstrução da paróquia da Imaculada de Adra (Almeria), queimada pelos anarquistas em 1933. Porém as torturas contra Carmem foram mais numerosas, cruéis, um catálogo do horror.
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     Na missa de beatificação na cidade de Almeria, o cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, assim resumiu as torturas: “As milicianas se divertiam torturando-a e fazendo-a passar forme e sede. Foi ferida com um punhal, meio afogada no mar, e na última noite do ano de 1936, depois de ser maltratada e mutilada no peito, foi enterrada ainda viva”.
     A realidade detalhada é ao mesmo tempo mais bela e mais terrível. Mais bela porque Carmem Godoy foi uma católica entregue na ajuda aos pobres, fazendo o bem durante muitos anos. Mais terrível porque as torturas foram mais que as rapidamente descritas pelo cardeal.
     Carmem Godoy Calvache nasceu em 12 de setembro de 1888 em Adra, um porto pesqueiro de Almería que vivia há anos um intenso processo de industrialização. Adra tinha um grande movimento de pesca e contava com fábricas de açúcar e fundição de chumbo. Nos anos 30 contou também com fábricas de conservas. Neste entorno industrial os socialistas, comunistas e sobretudo anarquistas criavam suas redes radicalmente anticlericais e de ódio ao Cristianismo.
     Carmem foi batizada na paróquia da Imaculada. Desde menina se destacava por sua devoção. Ao crescer, se tornou apoiadora do culto ao Santíssimo Sacramento. Em 1916, com 26 anos, se casou com Antonio Coromina Bignati. O sacerdote que os casou, o pároco Luís Eduardo Lopez y Gascon, também seria mártir duas décadas depois. Suas duas primeiras filhas morreram ao nascer. Depois, em 1919 nasceu Antonio e em 1925, já viúva, nasceu seu último filho, João.
     Ela ficou viúva aos 37 anos, com um bebê e um menino de 7 anos. Sua tia, Emília Godoy de Navia, que era rica, a acolheu em sua casa. Carmem demonstrou ser uma boa administradora e gestora dos bens familiares e além disso, cobria os gastos médicos das famílias dos empregados que adoeciam. De vez em quando havia temporadas de fome entre os pescadores; então Carmen organizava distribuição de pão.
     Isto aborrecia vários setores: aos acomodados e às associações e grupos revolucionários, porque dificultava a revolução e entorpecia o discurso do dogma marxista das “lutas de classes”. Em algumas ocasiões os ativistas apedrejaram sua casa, ela porem nunca cessou sua atividade caritativa.
     Em 1933, quando a II República foi proclamada na Espanha, os anticlericais incendiaram a paroquia da Imaculada em Adra. Sempre boa organizadora, Carmem coordenou os católicos na coleta de donativos para a restauração da igreja. Os anticlericais, com os anarquistas da CNT à frente, sinalizaram-na como líder dos católicos da cidade.
     Em julho de 1936 quando a Guerra Civil espanhola iniciou, Almeria ficou na zona republicana. Sabendo que os anarquistas a tinham sob mira, Carmem e seus filhos (de 17 e 11 anos) e sua tia Emília fugiram para Madrid. Mas os anarquistas de Adra foram buscá-la na capital. Internaram sua tia Emília num sanatório psiquiátrico onde morreu devido aos maus tratos. Carmem foi aprisionada em sua própria casa de Adra, que a CNT havia ocupado e transformado em sede de seu comitê.
     Iniciou-se assim 4 meses de torturas. Os anarquistas queriam que ela entregasse a lista das pessoas que ajudaram a financiar a restauração da paróquia que eles queimaram. As pessoas que haviam dado donativo para a igreja seriam consideradas “inimigas do povo”. Mais ainda, não somente a ameaçavam como também a seus filhos.
     Carmem via claramente que com essa lista os anarquistas matariam muitas famílias católicas de Adra, e respondeu: “Eu tenho a mala preparada para a eternidade, podem fazer comigo e com meus filhos o que quiserem, porém a lista não lhes entrego!”
     A lista de torturas infligidas a ela, em sua própria casa, durante 4 meses, ofende qualquer sentimento humano:
- Deixaram-na sem alimento
- Davam-lhe de beber sua própria urina
- Impediam-na de se assear, obrigavam-na a viver entre seus próprios excrementos
- Mantinham-na despida para mais humilhá-la
- Embora fosse vigiada por milicianas (tão ou mais crueis que os milicianos) estas faziam vir os milicianos para olhá-la, ridicularizá-la e humilhá-la
- Uma testemunha assegurou que a exibiam despida em uma jaula
- Em 1 de setembro deram-lhe uma punhalada no peito para debilitá-la; demorou muito para se recupera
- Em uma noite fria de novembro arrastaram-na até o porto e a submergiram na água gelada; no dia seguinte os torturadores rindo comentavam os gritos da mulher nas tavernas de Adra
- Buscaram seu irmão, Ramon, o apunhalaram e depois o fuzilaram; contaram isto para ela para que abandonasse toda esperança de ser resgatada
     Finalmente, na última noite de 1936, quiçá como "festa de fim de ano" e certos de que ela não revelaria nenhum nome, colocaram-na em um veículo e a levaram para a estrada de La Curva, onde um dos seus verdugos, aproveitando-se de sua debilidade, a violou. Depois da meia noite, a levaram a Albufera de Adra, cavaram uma fossa diante dela, deram-lhe golpes na cabeça e a enterraram, ao que parece, ainda viva.
     Seu corpo só foi recuperado depois da guerra e enterrado no Cemitério Municipal. Hoje ela é recordada junto com outros mártires de Adra, na paroquia da cidade.
     A seguir, a documentação da Causa Geral sobre ela, recolhida em 1940:
     “Entre todos os assassinatos perpetrados pelos vermelhos merece destacar-se o de Da. Carmem Godoy Calvache, cuja senhora se encontrava residindo em Madrid em cuja capital a foram buscar dois elementos vermelhos de Adra por ordem do citado comitê revolucionário e transladada a este povoado desde a capital; sendo encerrada na qualidade de presa na casa de sua propriedade que havia sido invadida pelo mencionado comitê e era o local onde se tinha instalado”.
     “Que em uma das dependências da citada casa e em lugar visível ao público se instalou uma jaula na qual foi colocada Da. Carmem Godoy Calvache completamente despida, sendo constantemente vítima de escárnios e de ultrajes não só dos membros do comitê, sendo também de quantos elementos vermelhos chegavam ao citado lugar”.
     “Que não contentes com isto a perversidade dos elementos marxistas antes citados chegou ao extremo de colocar na citada jaula juntamente com a referida senhora, e também despido, um deficiente mental do lugar, já falecido, apelidado Checa (...)”.
     “Que como pessoa mais diretamente encarregada da vigilância da referida senhora Da. Carmem Godoy Calvache, figurava uma miliciana afiliada ao CNT da qual só se sabe que se chamava Adelina e da qual se tem notícias que foi condenada pelos Conselhos de Guerra e que atualmente se encontra cumprindo pena em uma prisão de mulheres”.
     “Que a mencionada Da. Carmem Godoy Calvache permaneceu em tão triste situação, vítima de constantes ultrajes e maus tratos até que por ordem do referido comité revolucionário de Adra foi assassinada no mês de dezembro do ano 1936, dizendo-se no povoado que a crueldade dos assassinos chegou ao extremo de enterrar viva a referida senhora”.
     “Que Da. Carmem Godoy Calvache era uma senhora digníssima e bondosa que fazia muita caridade aos necessitados, acreditando o que relata que o rancor que dos marxistas lhe tinham era devido à acentuada religiosidade de Da. Carmem Godoy Calvache, pessoa muito dedicada a Causa”.
(Declaração de Antonio Ortiga Hita, diretor da Açucareira de Adra e condenado por alta traição à República e espionagem (Almería, 11-12-1940). AHN, Causa General. Tomo I, Nº 172. )
Fontes:

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