quinta-feira, 14 de junho de 2018

Beata Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica), Leiga - 14 de junho

   Nascida em 1808, em São João del Rei (MG), ainda menina mudou-se com sua mãe para Baependi. Ali, numa modestíssima casa que ainda se conserva, no cimo de um morro onde se ergue hoje a igreja de Nossa Senhora da Conceição, por ela construída, viveu virtuosamente e morreu em odor de santidade no dia 14 de junho de 1895.
     Sua certidão de Batismo fala-nos claramente de sua origem: “Aos vinte e seis de abril de mil oitocentos e dez, na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del Rei, de licença, o Reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs os santos óleos a FRANCISCA, filha natural de Isabel Maria. Foram padrinhos, Ângelo Alves e Francisco Maria Rodrigues. O coadjutor Manuel Antônio de Castro”.
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     Com efeito, por uma pintura, na qual ela é retratada e que se conserva na capelinha de sua casa, percebem-se claramente os traços de mestiça, tão frequentes em nosso Brasil real. Como afirmou o Conde Affonso Celso, os negros que vieram para o Brasil mostraram-se dignos de consideração por seus sentimentos afetivos, por sua resignação, coragem e laboriosidade. São dignos, pois, de nossa gratidão.
     Segundo sua biógrafa, Nhá Chica era portadora de nobre missão: “Para todos tinha uma palavra de conforto e a promessa de uma oração”. Sua companhia diuturna era uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, em tosco oratório, ainda hoje venerada na igreja, conhecida na cidade como igreja da Nhá Chica. Diante da bela imagem esculpida por hábeis mãos de artista em cuja alma vicejava a fé, pude rezar a oração predileta de Nhá Chica, aliás, umas das mais belas preces compostas nos dois mil anos de cristianismo: a Salve Rainha.
     Um fato narrado por Helena Ferreira Pena descreve o perfil espiritual dessa alma de eleição. Certo dia, Nhá Chica recebeu manifestação da Mãe de Deus mediante a qual pedia que Lhe fizesse uma capela. Como isso requeria muito dinheiro, saiu Nhá Chica pelas vizinhanças em busca de auxílio, que não lhe faltou.
     Providenciou logo os adobes (tijolo cru). Quando havia certa quantidade pronta desse material de construção, recebeu Nhá Chica ordem de Nossa Senhora para dar início à edificação. Contratou então um oficial de pedreiro que pôs mãos à obra. Encontrando-se os serviços já em certo estágio, o oficial notou que iria faltar material e disse-lhe: - “Nhá Chica, os adobes não vão chegar!” Respondeu ela: “Nossa Senhora é quem sabe”. O pedreiro continuou o serviço e, ao terminar, não faltou e nem sobrou um só pedaço de adobe.
     Fatos como esse deram-se ao longo de toda construção até o seu término. Mas Nossa Senhora queria mais alguma coisa. Manifestou a sua serva seu desejo: “Queria um órgão para a igreja”. Nhá Chica, porém, na sua incultura, não sabia o que era aquilo. Foi consultar o vigário local, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira, sobre o que era o órgão que Nossa Senhora desejava para a capela.
     Segundo vai narrando sua biógrafa, Mons. Marcos lhe disse: “Órgão é um instrumento até muito bonito que toca nas igrejas, mas para isso precisa muito dinheiro!”... - “Mas Nossa Senhora queria. Na Rua São José, casa 73, no Rio de Janeiro, chegou um assim”, disse ela.
     Mal Nhá Chica manifestara o desejo de Nossa Senhora, as esmolas começaram a afluir abundantes às suas mãos. Foi encarregado da compra o Sr. Francisco Raposa, competente maestro, que partiu para o Rio de Janeiro. O órgão foi despachado até Barra do Piraí (RJ) por via férrea. De lá até Baependi foi levado em carro de boi.
     Marcada sua inauguração numa quinta-feira às 15 h, ela fez tocar o sino, convidando o povo. Começam a chegar os devotos e a capela ficou lotada. O maestro subiu ao coro e, deslizando suas mãos sobre o teclado, qual não foi a sua surpresa: não se ouviu uma nota sequer! O que teria acontecido?
     Com certeza estragou-se com a viagem em carro de bois, diziam uns”. – “Qual! Com certeza venderam coisa velha estragada”, diziam outros.
     Nhá Chica chorava... De repente, acalma-se e diz: “Esperem um pouco”. E foi prostrar-se aos pés da Virgem, sua Sinhá.
     O povo esperava ansioso. Ela voltou serena e sentenciou: - “Podeis voltar para suas casas, porque o órgão não tocará hoje, mas amanhã às 15 h (sexta-feira)”, dia da devoção de Nhá Chica. - “Nossa Senhora quer que entoem a ladainha”.
     E assim se fez. No dia seguinte, novamente o sino soava conclamando os fiéis, que, desta vez, foram em número maior, movidos pela curiosidade. E às 3 horas da tarde em ponto, o maestro fez ecoar pela primeira vez por toda a igreja, ao som do órgão, a linda melodia da ladainha de Nossa Senhora! As lágrimas desciam dos olhos de Nhá Chica, mas desta vez lágrimas de alegria e felicidade.
     A Beata morreu no dia 14 de junho de 1895, com 87 anos de idade, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da Capela por ela construída. As pessoas que ali estiveram sentiram exalar-se de seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias de seu velório. Tal perfume foi novamente sentido no dia 18 de junho de 1998, 103 anos depois, por Autoridades Eclesiásticas e por membros do Tribunal Eclesiástico pela Causa de Beatificação de Nhá Chica e, também, pelos pedreiros, por ocasião da exumação do seu corpo. Os seus restos mortais se encontram hoje no mesmo lugar, no interior do Santuário Nossa Senhora da Conceição em Baependi, protegidos por uma urna de acrílico colocada no interior de uma outra de granito, onde são venerados pelos fiéis.
     Nhá Chica foi beatificada no dia 4 de maio de 2013 em Baependi MG durante a celebração presidida por Sua Eminência o Cardeal  Angelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos Santos.
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Fontes de referência:
Por que me ufano do meu país, Affonso Celso, Coleção Páginas Amarelas, Editora Expressão e Cultura, 1997.
Biografia de Francisca Paula de Jesus, “Nhá Chica”, Helena Ferreira Pena, Editora O Lutador, Juiz de Fora, 14a. edição.
Francisca de Paula Jesus Isabel, Nhá Chica, Mons. José do Patrocínio Lefort – Editora O Lutador, Juiz de Fora, 4a. edição.
Fonte: Paulo Henrique Chaves, Catolicismo de janeiro de 1999 (excertos)

Adendo
O dom profético de Nhá Chica.
     Certa vez, a Beata Nhá Chica recebeu em sua pequenina casa o nobre conselheiro do Império, João Pedreira do Couto Ferraz. Era o ano de 1873. Ele, casado com Elisa Amália de Bulhões Pedreira, fazia-se acompanhar, entre outras pessoas, de sua filha primogênita que na ocasião contava 15 anos de idade e alimentava o desejo de consagrar-se ao Senhor. Era a jovem Zélia, nascida a 5 de abril de 1857.
     A família encontrava-se no vizinho povoado de Caxambu para desfrutar das suas ricas águas minerais. A boa fama de sábia conselheira da beata Nhá Chica, que naquele tempo já trespassara os limites da pequena vila Baependi, atraia muitos à sua procura. Aquela ditosa família acorreu ao encontro da piedosa serva de Deus para recomendar às suas orações a jovem menina desejosa de Deus.
     Nhá Chica recebeu-os em sua modesta casa e logo depois de “um dedo de prosa” já conhecia as aflições daquela família. Recolheu-se então ao seu quartinho e à intimidade da oração à sua “Sinhá”, modo carinhoso como se referia à pequenina imagem da Senhora da Conceição que herdara de sua mãe. Os hóspedes esperavam na sala. Pouco tempo depois, voltou a velha senhora e, sem transparecer sombra alguma de dúvida, pronunciou o oráculo profético:
     - “Ela vai se casar! Terá muitos filhos e no fim da sua vida será toda de Nosso Senhor”.
     Regressaram a Caxambu, mas não se esqueceram das palavras proféticas de Nhá Chica.
     O ingresso na vida religiosa feminina não era algo fácil, pois naquela altura não eram muitas as casas religiosas femininas no Brasil e o noviciado era normalmente feito na Europa. Por esses ou outros motivos, o certo é que Zélia não ingressou então na vida religiosa e cerca de três anos depois, em 27 de julho de 1876, casou-se com o Dr. Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, engenheiro civil e homem de particular espírito religioso.
     Desse feliz matrimônio nasceram treze filhos, dos quais quatro faleceram em tenra idade. Os demais, três homens e seis mulheres abraçaram a vida religiosa em diferentes Ordens e Congregações: um lazarista, um jesuíta e um franciscano; quatro doroteias e duas irmãs do Bom Pastor.
     Sabe-se que também o casal sempre desejou consagrar-se ao Senhor, mas Jerônimo não pode, morreu em 1909, deixando viúva sua amada esposa que, quatro anos mais tarde em 1913, depois de cuidar do seu pai até a morte, entrou com uma permissão especial, para o Convento das Servas do Santíssimo Sacramento, estabelecido em 1912 no Largo do Machado, no Rio de Janeiro. Contudo, uma de suas filhas gravemente enferma e seu jovem filho, Fernando, jesuíta, não tendo ainda os votos perpétuos, fizeram com que Zélia esperasse ainda mais um pouco para concretizar sua plena consagração a Cristo.
     Somente em 1918, após vender todos os seus bens e doá-los aos pobres e à Igreja, cumprindo assim a ordem do Evangelho (Mt 19,21) de vender tudo e dar aos pobres para depois seguir a Jesus Cristo mais de perto, Zélia pode concretizar a sua consagração há tantos anos predita profeticamente por Nhá Chica: “… no fim da sua vida, ela será toda de Nosso Senhor”.
      Por sua inegável dedicação à caridade, Zélia e Jerônimo podem se tornar o primeiro casal brasileiro a ser beatificado. No dia 20 de janeiro de 2014, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta inaugurou oficialmente o processo de beatificação do casal Jerônimo e Zélia que poderá ser o primeiro casal brasileiro a receber o título de beatos da Igreja.
     As relíquias de ambos foram transladadas para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Gávea, onde estão expostas para veneração pública.
O casal Zélia e Jerônimo
http://heroinasdacristandade.blogspot.com/

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