Não é de hoje que se sentem
dificuldades na interpretação de passagens da Escritura que apresentam fatos
que não compreendemos seu significado de Palavra de Deus. A História da
Salvação e as ações de Deus nessa História acompanham também a situação e o
nível das pessoas e do tempo. Diz o documento Verbum Domini que “a revelação
bíblica está profundamente radicada na história” (VD 42). Deus foi o pedagogo deste povo, levando-o
lentamente a acolher sua comunicação como Deus bondoso. Deus se adaptou ao
nível cultural, moral de épocas antigas. Vejamos que, em nosso país, se fazem
coisas piores do que naquele longínquo tempo. Pensemos que Deus mandou destruir
uma cidade e matar todos? O escritor sagrado captou o que havia na vida do
povo. Mas lembremos que os profetas constantemente falaram contra toda
imoralidade e violência. Estes textos devem ser lidos nesta perspectiva e ver
qual o ensinamento dos profetas e, sobretudo no evangelho de Jesus. Jesus não
disse uqe não valiam, mas que tudo seria cumprido, realizado, reformado no
mandamento do amor e em sua própria vida dada como salvação para todos, também
do passado. Não podemos tomar esses textos como argumento contra as pessoas,
mas de elevá-los a uma superior compreensão em Jesus e não repetir hoje essas
maldades do passado. Jesus é o pedagogo que nos encaminha.
Fundamentalismo destruidor
Há também uma questão: a
interpretação fundamentalista da Bíblia. Trata-se de ler o texto como se
tivesse sido escrito hoje, olhando só as letras, sem ler no gênero literário em
que foi escrito. Tudo influi na boa interpretação. Por isso temos os estudos bíblicos. Eles não
decidem, mas orientam a leitura. É prejudicial à própria compreensão da Palavra
uma interpretação somente literal. Se compreendermos Jesus em seu mundo onde se
encarnou, deste modo entendemos a Palavra. Essa interpretação não passa de uma
instrumentalização da Palavra. Uma resposta a esse tipo de leitura é a leitura
fiel da Escritura praticada desde a antiguidade na Tradição da Igreja. Vemos
aqui a importância da Tradição como critério de fé. Esta leitura reconhece o
valor da tradição bíblica, procurando descobrir o significado vivo das Sagradas
Escrituras destinadas ao fiel de hoje (VD 44). Não podemos ler a Bíblia de olhos fechados,
mas abertos e iluminados pelo Espírito Santo que nos faz ver Cristo em toda
Palavra.
Amar-se na Escritura
Desde o Vaticano II modificou-se
muito o relacionamento das diversas Igrejas cristãs, tanto da tradição antiga,
como da tradição protestante. Todas estão centradas nas Sagradas Escrituras,
mesmo divergindo na interpretação. Mas, de modo geral, todas têm Cristo como fundamento.
Por mais que estejamos separados, estamos unidos na Palavra. Jesus,
apresentando o último pedido que resumiria toda sua missão, reza na Última Ceia
pelos seus discípulos para que sejam um só a fim de que o mundo creia (Jo 17,21).
A unidade só acontecerá quando nos unirmos no amor à Palavra de Deus. É preciso
ouvir a Palavra e não nossas palavras. A Palavra nos mostrará onde estamos
sendo empecilho para realizar a palavra de Jesus. Para isso, procuremos
intensamente ouvir a Palavra, meditá-la e colocá-la como centro de nossas
vidas. Quando nos deixarmos encantar pela Palavra de Deus podemos traduzir este
encanto em uma grandiosa manifestação de unidade de todos que crêem em Cristo e
seremos de fato testemunho ao mundo.
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