sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

DÂMASO DE ROMA Baluarte da Igreja primitiva, Papa e Santo 305-382

Papa em uma época muito conturbada, lutou contra restos de paganismo, heresias e indisciplina. Restaurou e embelezou as catacumbas e construiu igrejas. 
Um cidadão espanhol, António, estabeleceu-se em Roma com sua esposa, um filho e uma filha. Uma inscrição na basílica de São Lourenço in Dâmaso, na Cidade Eterna, diz que, depois de certo tempo de vida comum com sua esposa, com consentimento dela, separaram-se. Ele recebeu as ordens sacras, e lhe foi designada a paróquia de São Lourenço. Seu filho Dâmaso, nascido na Espanha em 305, seguiu a carreira eclesiástica. Laurência, mãe de Dâmaso, vivia ainda quando ele foi elevado ao sólio pontifício em 366. Como sua filha Irene, ela se consagrara a Deus.
A pureza de costumes do jovem Dâmaso e sua rara erudição atraíram-lhe a geral estima dos bons. Por isso foi recebendo responsabilidades, até ser nomeado para o alto cargo de arcediago pelo papa Libério. Isso punha em suas mãos a administração de boa parte da Igreja, com todas as suas obrigações.
Os contemporâneos afirmam que Dâmaso era homem de grande virtude e inteligência cultivada, bem visto pela aristocracia romana.
Entretanto o Imperador Constâncio, tendo aderido à heresia ariana, começou a oprimir a Igreja com seu despotismo teocrático, querendo forçar o Papa Libério a lançar um anátema contra Santo Atanásio, campeão da ortodoxia contra a heresia ariana. Nada conseguindo, exilou o Sumo Pontífice no Oriente. São Dâmaso deu a conhecer toda sua adesão a Libério, e obrigou-se publicamente, com o clero de Roma, a não receber outro Papa enquanto ele vivesse. Fez mais: acompanhou o Pontífice ao exílio, e com ele esteve até que Libério, julgando que Dâmaso seria mais útil à Igreja em Roma, ordenou-lhe voltar à Cidade Eterna.
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“Doutor virgem da Igreja virgem”

Mais tarde o próprio Papa Libério voltou também a Roma, falecendo pouco depois. Dâmaso foi eleito em seu lugar para a Sé Apostólica. Uma facção, formada por sacerdotes e diáconos chefiada por Ursino e Lupo, não aceitou essa eleição. Arrebanhando um populacho de vagabundos e cocheiros, congregaram-se na igreja de Santa Maria in Trastevere. Subornando Paulo, bispo de Tívoli, levaram-no a ordenar sacerdote e ao mesmo tempo sagrar Ursino como bispo de Roma. Enquanto isso, São Dâmaso era aclamado pela maioria dos fiéis e do clero romano, e sagrado na basílica de São Lourenço in Lucina.
Para evitar conflitos, São Dâmaso quis renunciar, mas suplicaram-lhe que não abandonasse a Igreja naquela emergência.
O antipapa Ursino formou um partido poderoso, suficiente para provocar uma sedição e tumulto violento, em que morreram 137 de seus partidários no enfrentamento com os defensores do Papa verdadeiro. Dâmaso foi responsabilizado pelos desmandos e mortes ocorridos na luta.
Narra a legenda que um milagre o confirmou no posto: saindo São Dâmaso um dia da basílica do Vaticano, um cego conhecido começou a rogar-lhe em alta voz: “Santo Padre, curai-me”. O Pontífice, ante a fé e confiança do homem, fez-lhe um sinal da cruz nos olhos, dizendo: “Tua fé te salve”. O enfermo recuperou instantaneamente a vista. Diante do milagre, toda a cidade de Roma pôs-se de seu lado. Entretanto, o antipapa e seus principais sequazes lançaram mão de toda sorte de calúnias para denegrir São Dâmaso, inclusive a de adúltero. O Pontífice convocou um sínodo em Roma com a participação de 44 bispos, no qual se justificou tão satisfatoriamente, que o Imperador confirmou sua eleição e exilou o antipapa e seus principais colaboradores.
São Jerônimo, o grande Doutor da Igreja, afirma: “Dâmaso foi um arauto da fé, oráculo da ciência sagrada, e doutor virgem da Igreja virgem”. Esta última expressão tem o propósito de inocentar o Pontífice da calúnia acima.

Santa intransigência contra a heresia

A época em que São Dâmaso foi eleito para o sólio pontifício foi uma das mais conturbadas da Igreja. Havia muitos cismas, e as heresias brotavam de um dia para outro como cogumelos, provocando por toda parte discussões teológicas acaloradas e arbitrariedades imperiais. Discutia-se livremente sobre a natureza, a pessoa ou a vontade de Cristo, originando novos erros. Até em Roma, as diversas seitas se combatiam com encarniçamento.
Assim, além do funesto arianismo que dividia a Igreja e o Império, São Dâmaso teve que enfrentar os cismas dos sabelianos, eunomianos, macedonianos, fotinianos, luciferianos e apolinaristas.
O cisma dos luciferianos provinha do nome de seu chefe, o bispo Lúcifer, de Cagliari, que nunca estava conforme com os atos de misericórdia da Santa Madre Igreja. Nem como legado pontifício ele quis aprovar que Santo Atanásio, no Concílio de Alexandria (362), concedesse a arianos verdadeiramente arrependidos a reintegração em suas funções religiosas. Acabou por separar-se de Roma, com um punhado de exaltados, e fundar uma igreja independente, deixando em Roma um bispo rival de Dâmaso, que causou não poucos transtornos ao Papa.
Outro problema que ele teve de resolver foi o de um cisma em Antioquia, onde dois bispos disputavam a mesma Sé, cada um exercendo seu episcopado sobre a parte da população que lhe era adicta. Como os dois eram igualmente recomendáveis, Dâmaso confirmou ambos na diocese, determinando que deveriam governar simultaneamente até que, à morte de um, o outro ficasse único detentor do cargo.
Caso menos grave foi o de Máximo, o Cínico, que chegou a Constantinopla não se sabe de onde, fingindo modos finos, piedade oca e afectado desdém das coisas do mundo. De início ganhou a confiança de São Gregório Nazianzeno, que o elogiou e defendeu publicamente. Este santo, que não havia consentido em ser reconhecido oficialmente como bispo de Constantinopla enquanto não fosse confirmado no cargo, o exercia interinamente com aplauso geral. Mas a sé era considerada vacante. Máximo apoderou-se dela, fez-se sagrar fraudulentamente, e pôs-se a caminho de Tessalónica, para que o imperador Teodósio o reconhecesse como legítimo bispo da capital do Império do Oriente. O imperador comunicou o fato a São Dâmaso, que excomungou o intruso e procedeu à eleição canônica de São Gregório, matando assim na raiz o cisma incipiente.
Em dois sínodos romanos (368 e 369), São Dâmaso condenou os hereges apolinaristas e macedonianos; também enviou legados ao Concílio de Constantinopla (381), que condenou mais uma vez a heresia ariana. No sínodo romano de 369 (ou 370), foi excomungado o bispo ariano de Milão, Auxêncio, que entretanto, por favor imperial, permaneceu em sua diocese até o ano de sua morte, em 374, quando o substituiu Santo Ambrósio.
No meio dessas confusões teológicas e doutrinárias, São Dâmaso foi o homem de critério reto que servia de pauta para os verdadeiros católicos.
São Jerónimo participou do Concílio de Roma, convocado por São Dâmaso em 374. O Papa conhecia o profundo saber e capacidade do solitário de Belém, e o tomou como secretário. Encarregou-o de responder, em seu nome, às consultas que recebia; encarregou-o também de muitos outros trabalhos para o bem da Igreja. Entre essas tarefas empreendidas por São Jerónimo, merece menção a revisão do Novo Testamento, de conformidade com o original grego, como também a confecção do Saltério. Actualmente se atribui a São Dâmaso o catálogo das Sagradas Escrituras, tido antes como sendo de São Gelásio, e que foi composto no mencionado Concílio romano por influência de São Jerónimo.

Combate aos remanescentes do paganismo

Quando São Dâmaso subiu ao sólio pontifício, havia no Império importantes restos de paganismo, principalmente entre a aristocracia. Ao lado das basílicas romanas que se erguiam, havia templos pagãos em que se ofereciam contínuos sacrifícios. Na própria sala de deliberações do Senado conservava-se ainda, desde o reinado de Augusto, o famoso altar da Vitória, um dos símbolos do paganismo. Por influência do Papa, o Imperador Graciano, sincero católico, ordenou sua demolição. Os senadores pagãos apelaram ao Imperador para que o altar fosse restaurado, mas os senadores católicos protestaram junto a São Dâmaso, cuja influência evitou a restauração.
Em 382, por influência do Papa, o imperador Graciano havia privado as vestais de seus privilégios, o que fez perecer o falso culto à deusa do lar. Com a morte de Graciano, os pagãos voltaram à carga para obter a restauração do altar da Vitória. São Dâmaso encarregou Santo Ambrósio de defender a posição católica. Com sua eloquência e autoridade, este obteve do Imperador Valentiniano II a confirmação da medida.

Primazia e fortalecimento da Sé de Pedro

São Dâmaso foi dos primeiros Papas a afirmar energicamente, por palavras e actos, a primazia universal da Igreja romana. Essa supremacia da Sé de Pedro foi favorecida por actos e éditos imperiais. Entre os pronunciamentos pontifícios está o que afirma que a supremacia eclesiástica da Igreja está baseada, não nos decretos dos concílios, mas nas próprias palavras de Jesus Cristo em Mateus, 16, 18 (“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”). No ano de 380, também por inspiração sua, o Imperador Teodósio emitiu o famoso edito “De Fide Catholica”, que proclamava como religião do Estado Romano a que tinha sido pregada por São Pedro aos romanos, e da qual Dâmaso era a suprema cabeça.
O desenvolvimento do papado nessa época, principalmente no Ocidente, trouxe-lhe muito de grandeza exterior. Sua extrema devoção pelos santos mártires levou-o a fazer várias reformas nas catacumbas, como um sistema de drenagem para evitar que a água estagnada ou das enchentes danificasse os corpos dos mártires nelas enterrados. Também as embelezou com mármores e artísticos epitáfios, compostos por ele mesmo. Dâmaso compôs várias “epigrammata”, ou breves notícias sobre os mártires, e alguns hinos.
Foi também São Dâmaso que instituiu o canto frequente do Aleluia, que antes era próprio do tempo pascal. Estabeleceu ainda normas para se cantar os salmos, e assinalou as horas do dia e da noite em que se deveria cantar o ofício divino nas igrejas e mosteiros.
São Dâmaso faleceu no dia 10 de dezembro de 382. 

Obras consultadas:

1. Thomas J. Sahahan, The Catholic Encyclopedia, Volume IV, CD Rom, Online Edition Copyright © 2003 by Kevin Knight
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo XIV, pp. 197 e ss.
3. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo IV, pp. 516 e ss.
4. Clerval, Saint Damase Ier, Dictionnaire de Théologie Catholique, Letouzey et Ané, Éditeurs, Paris, 1911, tomo IV, cols. 28 e ss.
5. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1949, tomo VI, pp. 413 e ss.
6. João Croisset, Año Cristiano, Saturnino Calleja, Madri, 1901, tomo IV, pp. 811 e ss.
Plinio Maria Solimeo

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