O Evangelho de
Lucas, depois da introdução do ministério de Jesus, relata o chamado dos
discípulos e a escolha dos 12. Escolhe-os na montanha, depois de uma noite de
oração, como veremos no capítulo 6. Lucas relata que a primeira ação do Senhor
batizado no Espírito foi o anúncio do Reino e logo depois a vocação dos
discípulos. No trecho de hoje, lemos que a multidão o apertava para ouvir a
Palavra de Deus. Ali havia barcas, homens consertando rede e o resultado de uma
pesca: nada! (Lc 5,1-2). Jesus usa uma barca para ensinar o povo. Além de
simbólico, é prático, pois aumenta a força da voz. Esse texto de hoje, tão humano,
tão singelo, prepara o chamado dos discípulos: a missão de anunciar na Igreja.
A pregação é missão dos discípulos que continuam a missão de Jesus na Igreja.
Segue-se a segunda cena: Jesus pede a Pedro que vá para as águas mais profundas
e lance as redes. Pedro diz: “trabalhamos a noite toda e não pescamos nada. Mas
em atenção a tua palavra, vou lançar as redes” (5). A força anunciadora de
Jesus está presente quando se lançam as redes do Reino em seu nome. O resultado
é estonteante. Enchem duas barcas. Maravilha! O poder da palavra de Jesus está
presente quando se aventura no anúncio do Reino. “Sem Mim nada podeis fazer,
diz Jesus” (Jo 15,5). Toda a cena da pesca e o chamado são indicações para seus
discípulos sobre o sentido e a força da Palavra pregada na Igreja por membros
frágeis.
Pescador de homens
Segue-se
a cena da humildade de Pedro, sem poder sair do barco, pede que Jesus se afaste
dele, pois é um homem pecador. Chamando-o de Senhor (Kyrios), reconhece sua divindade. Pedro parece
sentir que não pode se misturar com as coisas preciosas do Reino (8). O
reconhecimento da própria indignidade é necessário para poder acolher a
grandiosidade da ação de Jesus. Pedro vê que Jesus está além dele. Jesus reconhece
sua fragilidade e mesmo a acentua em outros lugares. Mas não partilha esse
pensamento e o escolhe o frágil para o ministério da pregação: “De hoje em
diante serás pescador de homens” (10). É curioso notar que as redes quase se
rompiam com os peixes (6). Depois da Ressurreição, na outra pesca diz-se que as
redes não se romperam (Jo 21.8). Quando Jesus insiste em não temerem, está
introduzindo os discípulos numa manifestação de Deus, como podemos ler em
Isaías (6,3-8): Isaias tem aí uma visão magnífica de Deus. Sabe-se impuro, mas
tocado pela brasa do altar, fica livre do pecado. A presença do Ressuscitado fortalece
os discípulos e lhes põe na boca a Palavra. O efeito da pesca não vem da força
ou da experiência, mas de Jesus presente em sua Igreja. O
clima místico do milagre pode levar o seguidor de Jesus a distanciar-se do
povo. Acontece ali um abandono de tudo. Agora o modo de anuncia é diferente: na
força de Jesus.
O que recebi, transmiti
Essa
força de Jesus está presente na Igreja. Paulo diz-nos que seu ministério não é
uma invenção pessoal, mas a experiência de ter recebido de outros a Tradição,
quer dizer, a verdade que passa sem erro, pois se funda na experiência de
Cristo ressuscitado. Paulo recebeu a experiência da comunidade e, ele próprio,
é tocado por essa presença viva de Cristo, como Pedro no barco, como Isaías no
templo. Para que a palavra do evangelizador tenha força, além do reconhecimento
de sua fragilidade, tem que contar com sua experiência de Cristo. Sem essa,
somos vazios, inócuos e inoportunos.
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