Como ela mesma conta em seus escritos: "Aos meus 40 anos, tive uma visão onde uma voz dizia: ‘Diga o que viste e entendeste, não à maneira de outro homem, mas segundo a vontade dAquele que sabe, vê e dispõe todas as coisas no segredo de seus mistérios’".
Era uma ordem decisiva que indicava a vocação de Hildegarda, semelhante à dos profetas do Antigo Testamento, os quais eram as bocas de Deus. Sobre esta vocação, Hildegarda insistirá dizendo que "uma voz do Céu mandava-me tudo dizer e escrever, tal qual ouvia e era-me ensinado". Esta voz apresentou-se a ela como “a Luz viva que ilumina o que é obscuro”.
Aos 42 anos, ela viu o Céu se abrir e uma chama luminosa perfurou sua testa, coração e peito, penetrando-o com um calor suave. Naquele momento ela recebeu uma compreensão dos Salmos, dos Evangelhos e dos outros livros do Antigo e do Novo Testamento, para que pudesse explicar o seu significado, embora não soubesse Latim.
Ainda com medo de escrever suas visões, ela adoeceu. Finalmente, ela confidenciou suas preocupações à Abadessa Jutta, que por sua vez informou ao diretor espiritual do Convento. Depois de aconselhar-se com os religiosos mais sábios da comunidade e de interrogar Hildegarda, o Prior ordenou-lhe que escrevesse. Assim que ela começou a escrever, imediatamente se viu curada e levantou-se da cama.
Ajudada pelo monge Volmar, escreveu, entre 1141 e 1151, a sua grande obra Scivias (Conhece as vias do Senhor), uma espécie de Apocalipse sobretudo dogmático e um pouco moral.
Em 1147, o prior, desconfiando do seu próprio critério, apresentou os escritos de Hildegarda ao Arcebispo Henri, de Mainz, Diocese onde se localizava o Mosteiro de Disibodensberg. Aproveitando a presença do Papa Eugênio III em Trier, onde iria reunir-se um Sínodo preparatório do Concílio de Reims, o arcebispo consulta o Papa.
Trier é a cidade do Imperador Constantino, que ali residiu com sua mãe Santa Helena até o ano 316. O Papa Eugênio III era um cisterciense formado por São Bernardo. Ele reuniu Cardeais, Bispos e Abades para um alto tema: confirmar mais uma vez as reformas empreendidas pelo Papa São Gregório VII.
O Papa, desejoso de conhecer melhor o assunto, enviou o Bispo de Verdum, Alberon, ao Mosteiro de Hildegarda, que respondeu com simplicidade às perguntas que lhe foram feitas. Os escritos feitos até então por Hildegarda foram entregues a ele e lidos em voz alta na presença do Arcebispo, dos Cardeais e de todo o clero reunido. Entre os ouvintes estava a maior figura da Cristandade: São Bernardo de Claraval.
A conclusão da assembleia é atribuída a São Bernardo: "É preciso impedir que se apague uma tão admirável luz animada pela inspiração divina". Este Santo conhecera Hildegarda e pediu que o Papa divulgasse tão grande graça concedida por Deus à Igreja no seu pontificado, e a confirmasse com sua autoridade.
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São Bernardo |
O Papa seguiu seu conselho, escreveu a Hildegarda: "Nós ficamos admirados, minha filha, que Deus mostre em nosso tempo novos milagres. Nós te felicitamos pela graça de Deus. Conserve e guarde esta graça". (*) Pediu ele ainda que ela relatasse com frequência tudo que lhe fosse revelado por intermédio do Espírito Santo.
A santa relatou ao Papa Eugênio III, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira da voz celeste relativamente ao pontífice. Anunciava uma época difícil, cujos primeiros sinais já se manifestavam:
“As próprias montanhas, que são os prelados, em lugar de se elevarem continuamente a comunicações íntimas com Deus, a fim de cada vez mais se transformarem na luz do mundo, descuidam-se e obscurecem-se. Daí a sombra e a perturbação que reina nas ordens superiores. E porque vós, grande Pastor e Vigário de Cristo, deveis buscar luz para as montanhas e conter os vales, dai preceitos aos senhores e disciplinas aos súditos. O Soberano Juiz recomenda-vos que condenais e repilais de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para vossa grande confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade, mas sede compassivo com as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as dores daqueles que O temem”.
Começou assim uma nova vida para Hildegarda. Sua fama, não só devido a seus escritos, mas também aos milagres, difundiu-se além do Reno. Muitos vêm visitá-la. Ela penetra nos pensamentos dos peregrinos e afasta-se dos que se aproximam com más intenções ou para provar sua virtude. Exorta à conversão à Fé verdadeira os judeus que vêm ouvi-la. Hildegarda livrou do demônio uma possessa de Colônia, que os sacerdotes da Abadia de Brauweisler não tinham conseguido expulsar.
Santa Hildegarda mantém correspondência com Papas, Bispos e altas autoridades temporais, como, por exemplo, os Imperadores Conrado III e Frederico Barbaruiva, da Alemanha.
Frederico Barbaruiva pede que a Santa o visite em seu palácio de Ingelheim, perto de Mainz. Os detalhes desse encontro são conhecidos pelas cartas do Imperador e das respostas de Santa Hildegarda. Ela não se intimida diante de tão ilustre destinatário e o adverte em termos proféticos e pede que o Imperador "vele pelos costumes dos Prelados que caíram na abjeção", exortando-o a que "tome cuidado para que o Supremo Rei não te lance por terra por culpa da cegueira de teus olhos. Seja tal, que a graça de Deus não te falte".
O Imperador lutou contra o Papado, destituiu o Arcebispo de Mainz, fiel a Roma, mandou suas tropas arrasarem Milão e nomeou nada menos do que quatro antipapas apenas durante o pontificado de Alexandre III. Ficou surdo às exortações da Santa!
Correspondia-se ela com São Bernardo de Claraval, que lhe escreveu em termos elogiosos e sobrenaturais: "Agradeço a graça de Deus que está em ti. Eu te suplico de lembrar-te de mim diante de Deus..."
Ela recebera a vocação de aconselhar, segundo os caminhos de Deus, não só as mais altas autoridades da época, mas também pessoas simples que a ela recorriam pedindo um conselho. A todos Hildegarda respondia com o tom que caracterizava o seu estilo, isto é, com solenidade, humildade e severidade.
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A Santa compositora |
Santa Hildegarda anunciou a eclosão de uma terrível heresia que ergueria o povo contra o Clero, porque este "tinha uma voz e não ousou levantá-la", o que permitiu ao inimigo "oferecer os seus próprios bens, enchendo os olhos, as orelhas e o ventre de todos os vícios!" Pouco tempo depois, explodiu a heresia dos cátaros, descrita por ela com detalhes que surpreendem os historiadores. Ela vai além, prevendo a vitória da Igreja sobre essa heresia.
Santa Hildegarda é mística, profetiza, escritora, pregadora, conselheira, médica e compositora. Seus outros dois livros que compõem a trilogia hildegardina são: o Líber vitae meritorum ou Livro dos Méritos, onde são apresentados os grandes dados da moral do século II; e o Líber divinorum operum ou Livro das obras divinas, de caráter científico, contendo ilustrações de grande precisão e originalidade. Ela compôs ainda diversas obras de menor importância sobre assuntos variados, como o Tratado de Medicina. Compôs também 77 sinfonias em um estilo similar ao gregoriano.
Santa Hildegarda viveu seus últimos anos no convento de Eibingen, o terceiro fundado por ela na outra margem do Reno. Foi o único que se salvou dos bárbaros e das guerras. Uma das religiosas narra a morte de Santa Hildegarda: "Nossa boa Mãe, depois de combater piedosamente pelo Senhor, tomada de desgosto da vida presente, desejava cada dia mais evadir-se desta Terra para unir-se com Cristo. Sofrendo de sua enfermidade, ela passa alegremente deste século para o Esposo celeste, no octogésimo ano de sua existência, no dia 17 de setembro de 1179".
Em 1233 foi feito um inquérito sobre as suas virtudes e os seus milagres, ordenado pelo Papa Gregório IX, mas não chegou a bom termo. A partir do século XIII havia um culto de Santa Hildegarda, e em 1324 uma carta concedia indulgências a quem visitasse o seu túmulo em Bingen.
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Ruinas do Mosteiro de Disibodensberg |
(*) A carta é uma das 390 que aparecem no livro recentemente publicado na Alemanha sob o patrocínio da Abadessa Walburga Storch OSB, da própria Abadia de Santa Hildegarda, em Rüdesheim-Eibingen.
“Por que Deus quis que ela tivesse essas visões? Porque o verdadeiro católico tem que ter uma filosofia da História. Ele deve saber que sua época é um elo entre o passado e o futuro, e deve interpretar os acontecimentos de sua época não como acontecendo só hoje, mas como nascidos de mil fatores do passado e gerando mil coisas no futuro. É um processo, é uma coisa que gera outra, que gera outra, que gera outra, que gera outra. Para nós conhecermos este processo veio esta revelação”.
Fontes: Catolicismo setembro 1998; Pe. Rohbacher
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